As contas públicas têm melhorado, mas o
caminho para a sustentabilidade fiscal está longe do fim. Há uma janela de dois
a três anos para colocar o país na rota correta, que não pode ser desperdiçada.
Tomando
como base os dados divulgados até agora podemos afirmar com boa dose de certeza
que o resultado das contas públicas em 2019 deverá ser o melhor desde 2014,
mas, como veremos, ainda bem longe do desejável.
Nos
12 meses encerrados em novembro, o déficit total do setor público (União,
estados, municípios e empresas estatais) atingiu pouco menos de R$ 460 bilhões,
equivalente a 6,4% do PIB. Já o déficit primário, originalmente previsto para
quase 2% do PIB, chegou a 1,2% do PIB, muito por força das receitas extraordinárias
associadas ao leilão dos direitos de exploração do pré-sal.
De
qualquer forma, conforme ilustrado pela tabela abaixo, muito embora represente
notável melhora na comparação com 2015-16, quando o déficit total andava na
casa de 9-10% do PIB, ainda falamos de números piores do que os observados em
2013, último ano em que o governo registrou um resultado primário positivo.
Resultado
do setor público - % PIB
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019 *
|
|
Resultado nominal
|
(3,0)
|
(6,0)
|
(10,2)
|
(9,0)
|
(7,8)
|
(7,1)
|
(6,4)
|
Resultado primário
|
1,7
|
(0,6)
|
(1,9)
|
(2,5)
|
(1,7)
|
(1,6)
|
(1,2)
|
Juro nominal
|
4,7
|
(5,4)
|
(8,4)
|
(6,5)
|
(6,1)
|
(5,5)
|
(5,1)
|
* 12 meses até nov-09
Fonte:
BCB
Acredito,
porém, que os dados acima não reflitam de forma adequada o desequilíbrio do
setor público. A começar porque parcela relevante do resultado decorre de
eventos que não devem se repetir todos os anos, como o leilão do pré-sal. O resultado
primário dito recorrente, isto é, que se origina da operação
usual do governo no campo fiscal, tem sido bastante inferior àquele sugerido
pelas estatísticas oficiais.
De
fato, “limpando”, na medida do possível, o desempenho primário do setor público,
não apenas das receitas e despesas pontuais, mas também das “pedaladas” de
triste memória que ocorreram até 2015, é possível mostrar (tabela abaixo) que o
governo, no conjunto de todas suas esferas, apresentou resultados primários bem
piores do que os registrados pelo BC. Enquanto estes sugerem um déficit médio
de 1,6% do PIB de 2014 a 2019, nossas estimativas apontam para um déficit médio
na casa de 2,4% do PIB no mesmo período.
Resultado
operacional recorrente do setor público - % PIB
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019 *
|
|
Resultado operacional recorrente
|
(1,6)
|
(3,4)
|
(2,5)
|
(7,6)
|
(7,0)
|
(5,0)
|
(4,5)
|
Resultado primário recorrente
|
0,1
|
(1,5)
|
(1,7)
|
(3,9)
|
(2,8)
|
(2,4)
|
(2,0)
|
Juro real
|
(1,7)
|
(1,9)
|
(0,8)
|
(3,7)
|
(4,2)
|
(2,6)
|
(2,5)
|
* 12 meses até nov-09
Fonte: Autor (com dados do BCB e STN)
Por
outro lado, a estimativa do resultado nominal do setor público inclui a
inflação na conta de juros, o que não é congruente com os fatores associados à
dinâmica da relação dívida-PIB. De fato, como tanto o numerador como o
denominador da fração se elevam na mesma proporção que a inflação (o numerador
pelo juro e o denominador pelo PIB), as mudanças na relação só dependem da
diferença entre o juro e a inflação, o chamado juro real. Caso o
juro supere a inflação, ele exerce uma pressão para cima na relação dívida-PIB
e vice-versa.
A
tabela acima traz nossas estimativas do juro real, acrescentando outra correção
(menos importante hoje do que em 2014-2016): desconsideramos também os ganhos
ou perdas do BC com a venda de dólares futuros (swaps), que podem
reduzir ou elevar a conta de juros pontualmente.
A
soma do resultado primário recorrente com o juro real é nossa estimativa do resultado
operacional recorrente, também expresso na tabela acima. Há progresso, como
se vê, mas os números ainda mostram um setor público bastante deficitário.
Em
particular, para estabilizar a relação dívida-PIB ao redor de 80% seria
necessário que, em condições normais de juros reais (em torno de 3% ao ano) e
crescimento (2% ao ano, com certo otimismo), produzir superávits primários
próximos a 0,8% do PIB, quase 3 pontos percentuais do PIB acima do que conseguimos
hoje em bases recorrentes.
Hoje
isto corresponderia a um ajuste adicional superior a R$ 200 bilhões, valor que
dá uma ideia da enormidade da tarefa à frente. É bem verdade que juros reais
mais baixos nos próximos anos deverão permitir estabilização da dívida em
condições menos exigentes, o que nos dá uma janela de dois a três anos para
encaminhar o ajuste além do que já foi realizado de 2016 para cá.
A
melhora fiscal deve, portanto, ser festejada, mas o país não pode se acomodar
nesta frente. A sustentabilidade da dívida depende de conseguirmos aprofundar o
ajuste por meio das reformas encaminhadas (e ainda por encaminhar). Celebremos,
porém com moderação.
(Publicado 1/Jan/2020)
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