A taxa de câmbio está há um ano e meio no patamar que alguns economistas
defendiam como o valor de equilíbrio para a indústria. Apesar disto, o setor
segue estagnado, indicando que a solução simples e direta para a indústria era,
como sabíamos, errada.
Não
é segredo que a indústria brasileira enfrenta sérias dificuldades. Entre 2013 e
2016 a produção industrial caiu praticamente 20%, desempenho similar ao das
vendas no varejo, termômetro do consumo (de bens), no mesmo período. Do final
de 2016 para cá, contudo, as vendas varejistas têm crescido à velocidade média
de 5,4% ao ano, insuficiente, é verdade, para recolocá-las no patamar de 2013 (permanecem
7% abaixo). Por outro lado, no mesmo intervalo a produção industrial vem
crescendo a medíocres 1,2% ao ano e desde o início de 2018, entre altos e
baixos, não sai do lugar, nada menos do que 17% inferior aos níveis registrados
em 2013.
O
péssimo desempenho do setor não é apenas um problema para o país. É, ou pelo
menos deveria ser, uma questão ainda maior para os autointitulados
“neodesenvolvimentistas”, que sempre afirmaram que o crescimento, puxado pelo
setor industrial, viria com a taxa de câmbio no nível “certo”, uma ficção
chamada de “taxa de câmbio de equilíbrio industrial” (TCEI), que, por meios
misteriosos, talvez envolvendo o sacrifício de pequenos animais e oferendas
diversas, “estimaram” se encontrar ao redor de R$ 4,00/US$.
Não
precisam acreditar em mim: a tabela abaixo traz as “estimativas” da taxa de
câmbio de “equilíbrio industrial”, bem como a data em que foram publicadas e também
as referências originais para os eventuais céticos (minha favorita é a janeiro
de 2016, em que, com base na TCEI, o sumo sacerdote da seita previu a iminente
recuperação da economia brasileira no ano que o PIB caiu 3,3%, mas, por favor,
explorem para definir sua predileta).
“Estimativas”
da taxa de câmbio de “equilíbrio industrial” (TCEI)
Data
|
R$/US$
|
Referência
|
|
Efetiva
|
TCEI
|
||
dez/15
|
3,870
|
3,800
|
http://www.brasil247.com/pt/247/economia/210874/Bresser-Pereira-prev%C3%AA-retomada-da-economia-j%C3%A1-em-2016.htm
|
jan/16
|
4,052
|
3,800
|
http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2016/01/1728409-a-reversao-da-crise-esta-a-vista.shtml
|
mar/16
|
3,704
|
3,900
|
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2016/03/1753528-onde-foi-que-erramos-quando-e-por-que-a-economia-saiu-da-rota.shtml
|
abr/16
|
3,566
|
3,900
|
http://caviaresquerda.blogspot.com.br/2016/04/aecio-neves-eduardo-cunha-e-michel.html
|
mai/16
|
3,539
|
3,900
|
http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/229519/Bresser-Pereira-lamenta-o-Brasil-enlouqueceu.htm
|
jul/16
|
3,276
|
3,800
|
http://www.vermelho.org.br/noticia/283216-2
|
set/16
|
3,256
|
3,900
|
http://brasildebate.com.br/perdemos-a-ideia-de-nacao/
|
out/16
|
3,186
|
3,800
|
Oxford Handbook on the Brazilian Economy
|
fev/17
|
3,104
|
4,000
|
http://www.vermelho.org.br/noticia/293744-2
|
mar/17
|
3,128
|
4,000
|
http://www.vermelho.org.br/noticia/294492-2
|
dez/17
|
3,300
|
4,000
|
http://m.folha.uol.com.br/ilustrissima/2017/12/1943566-novo-desenvolvimentismo-e-resposta-para-a-crise-escreve-bresser-pereira.shtml
|
fev/19
|
3,778
|
4,000
|
https://portaldisparada.com.br/politica-e-poder/bresser-pereira-industria-br/
|
Fonte:
Pesquisa do autor
Todavia,
desde meados de 2018 a taxa de câmbio, devidamente corrigida pela diferença
entre a inflação brasileira (IPCA) e a norte-americana (PPI), tem flutuado
neste intervalo, registrando média de exatos R$ 4,00/US$ (alerto que há dúvidas
se existe mesmo uma média para esta variável, mas, para os fins da coluna,
vamos supor que sim), notando que em apenas 3 das 18 observações mensais o
valor ficou abaixo de R$ 3,90 (a menor delas R$ 3,80).
Em
outras palavras, a taxa de câmbio real ficou precisamente onde os
“neodesenvolvimentistas” juravam ser o valor de “equilíbrio industrial”, com poucas
e modestas flutuações abaixo do nível mágico. Ainda assim, a indústria não
reagiu. Pior: também não dá indicações que virá a reagir num horizonte de curto
ou médio prazos.
Se
prevalecesse um mínimo de honestidade intelectual, os proponentes da tese da
TCEI como fator determinante da atividade industrial teriam que rever seus
preconceitos, inclusive porque os melhores anos de crescimento industrial (principalmente
entre 2005 e 2010) se verificaram com o real bem mais forte do que o sugerido
pelas “estimativas” da TCEI.
Todavia,
não é, claro, o caso. Pelo contrário, invocam-se todos os epiciclos possíveis, da falta de demanda interna à crise argentina, passando pelo aperto fiscal
(apesar dos proponentes sempre afirmarem defender uma política fiscal
apertada), fatores que não apareciam na formulação original da tese, mas agora
invocados quando a realidade insiste em rejeitá-la.
A
verdade é que não só a teoria não faz muito sentido, como a estimação da TCEI
resultou de um estudo cometido por Nelson Marconi
que seria rejeitado como trabalho de conclusão de curso em qualquer escola
séria de economia, como tive oportunidade de explorar em artigo no ano passado.
Resumindo,
por motivos obscuros Marconi define que a taxa média de câmbio real observada
entre 1968 e 1979 seria a TCEI e repete seu valor (supostamente ajustado à
inflação) para os dias de hoje. Nenhuma palavra sobre produtividade,
investimento, qualificação da mão de obra, tecnologia, estrutura tributária,
nível de gasto público. A uma teoria econômica sem fundamentos juntou-se um
processo de estimação desprovida de qualquer Norte.
A
verdade é que os “neodesenvolvimentistas” não mediram esforços para produzir
uma estimativa sem sentido, e, falando sinceramente, obtiveram sucesso
estrondoso em sua empreitada.
A taxa de câmbio de equilíbrio industrial cura unha
encravada, espinhela caída e traz de volta o amor perdido junto com a produção
industrial
|
(Publicado 30/Out/2019)
1 comentários:
Tem que atualizar a coluna com o dólar no novo patamar de R$4,30 ... querendo ir a R$ 4,50. Essa previsões dos órgãos oficiais, pesquisas de opinião, etc. não servem para nada ! Um macaco acertaria mais.
Postar um comentário