Apesar da comunicação do BC enfatizar “cautela” a partir da redução da
Selic para 4,5% ao ano, acredito que se trata de referência ao ritmo de corte
do juro no começo de 2020. Espero a Selic a 4% ao ano no fim do ciclo de
afrouxamento monetário
O
BC, no comunicado que se seguiu à sua última reunião, bem como na Ata do Copom,
fez algo ousado para seus padrões, notando que “a consolidação do cenário
benigno para a inflação prospectiva deverá permitir um ajuste adicional [da
taxa de juros], de igual magnitude, [isto é, 0,5 ponto percentual]”, na
prática se comprometendo com a redução adicional da meta para a Selic para 4,5%
ao ano”.
Ao
mesmo tempo, porém, advertiu que “o atual estágio do ciclo econômico
recomenda cautela em eventuais novos ajustes no grau de estímulo”,
expressão exarada no mais castiço bancocentralês que tem gerado algum
debate sobre o que esperar da política monetária em 2020.
Há
quem interprete a expressão como indicação que depois de dezembro, o BC
consideraria seu trabalho feito, isto é, “cautela” a esta altura do campeonato
significaria literalmente a interrupção no novo ciclo de afrouxamento
monetário. Não é, adianto, a minha opinião.
Tentando
me colocar no lugar dos diretores do BC, entendo as razões para a reintrodução
do termo “cautela”. A taxa de juros, como se sabe, costuma ter efeitos defasados
sobre a demanda interna e, por meio dela, sobre o nível de atividade. Tempos
atrás a comparei à experiência de tomar banho naqueles velhos chuveiros
elétricos: a água vinha gelada, o que nos levava a ajustar a torneira para
esquentá-la, mas, como a reação da temperatura demorava, era bastante comum
“perder” a mão, tornando o simples ato de tomar banho numa aula sobre como
preparar uma sopa com nossa própria carne.
As
dificuldades com a sintonia fina do fluxo de água faziam a temperatura do banho
oscilar de sopa para zero Kelvin, tornando a experiência do banho, normalmente
prazerosa, num festival de uivos, urros, gritos e pulos nas mais diversas
direções. Evitar algo similar no que diz respeito à gestão da política
monetária é a motivação do BC, que inclui dentre os riscos a seu cenário básico
“o atual grau de estímulo monetário, que atua com defasagens sobre a
economia, aumenta a incerteza sobre os canais de transmissão e pode elevar a
trajetória da inflação no horizonte relevante para a política monetária”.
Com
as taxas reais de juros (isto é, a taxa de juros deduzida a inflação esperada)
nos menores níveis da história e sem uma noção clara de como a água quente vai
escorrer pelos canais de transmissão, o BC não tem condições de se comprometer
com novas rodadas de estímulo monetário com três meses de antecedência (a primeira
reunião de 2020 ocorre no dia 5/fevereiro, dois dias antes do meu
aniversário!).
Isto,
todavia, não significa que não irão ocorrer. As projeções do próprio BC indicam
que a inflação em 2020 ficaria na casa de 3,6-3,7% (ou seja, 0,3-0,4% abaixo da
meta de 4,0%) caso a taxa de juros fosse reduzida para 4,5% ao ano em dezembro
de 2019 e lá permanecesse até o final do ano que vem.
Há,
portanto, espaço para redução adicional da Selic. Se tomássemos literalmente os
resultados do modelo do BC (que indica 0,25-0,30% a mais de inflação para cada
ponto percentual a menos da taxa de juros), leitura que não endosso, poderíamos
até imaginar a Selic próxima a 3,5% no final do ciclo.
Colocando,
todavia, sobre a mesa a incerteza acerca de quanta água quente já está
encomendada, me parece pouco provável que o BC queira se comprometer com
isto. Neste contexto, a menção à
cautela, mais que referência quanto ao fim do ciclo de expansão monetária,
parece ser indicação de que o ritmo de redução de juros será mais modesto daqui
para a frente, condicionado à materialização do cenário explícito nas projeções
do BC.
Em
outras palavras, caso a inflação siga se comportando em linha com o que espera
o BC, haverá novas rodadas de cortes na Selic, mas possivelmente ao passo de
0,25% por reunião, o que deve dar ao BC condições de avaliar até que ponto seu cenário
básico é o correto (ou não).
Assim,
me parece bastante provável que observemos a Selic abaixo de 4,5% em 2020,
possivelmente na casa de 4% ao ano já no primeiro trimestre do ano que vem.
Isto
dito, não há como resistir: não faltou quem atribuísse o impedimento da
presidente Dilma aos “interesses rentistas” (veja aqui, ou aqui, ou ainda aqui), em particular a
manutenção de altas taxas de juros. Seu silêncio frente aos menores juros da
história só é menos ensurdecedor do que a falta de explicação para a monumental
falha de previsão sobre o crescimento virtuoso que magicamente adviria do dólar
a R$ 4,00, que teimosamente se recusa a aparecer. Esperemos a explicação, mas
em algum lugar confortável, porque vai demorar...
(Publicado 6/Nov/2019)
2 comentários:
Grande análise economágica ( trecho link do Carta Capital):
"Além disso, a primeira mudança de grande impacto do governo golpista atendeu imediatamente os interesses rentistas quando aprovaram a PEC que limita todos os gastos do governo, exceto os pagamentos de juros da dívida pública. Garantiram ao rentismo, portanto, uma polpuda reserva dentro orçamento público por vinte anos."
Necessitamos contar, novamente, que o a dívida pública é financiada,também, pela emissão de títulos indexadas pela SELIC? E que as mesmas tem uma relação inversa?
Só esqueceram que a taxa Selic caiu a níveis inéditos, talvez para "garantir reservas aos rentistas".
"Necessitamos contar, novamente, que o a dívida pública é financiada,também, pela emissão de títulos indexadas pela SELIC?"
Pode contar, Marcos, mas duvido que irão entender...
Postar um comentário