Dados levantados pelo Tesouro Nacional mostram que os 3 níveis de
governo no Brasil gastam hoje mais do que em 2016, apesar do teto de gastos.
Isto resulta da expansão persistente do dispêndio obrigatório, cuja
contrapartida é a queda do investimento governamental e da provisão de serviços
públicos.
Houve
quem manifestasse surpresa quando da divulgação do novo conjunto de emendas
constitucionais acerca do tamanho estimado do gasto público no país, pouco
menos da metade do PIB no ano passado, correspondente a R$ 3,5 trilhão, medidos
a preços do segundo trimestre deste ano. Espero que não os leitores desta
coluna, que já haviam sido apresentados a este conjunto de dados em coluna
recente, quando explorei precisamente a evolução
da despesa pública no país.
Estamos
acostumados a acompanhar os gastos do governo federal, divulgados mensalmente
pelo Tesouro Nacional, série histórica que se iniciou em 1997 (embora haja
esforços de reconstrução dos números pelos mesmos critérios a partir de 1991).
Em que pese sua utilidade, inclusive pelas tentativas de compatibilização do
resultado do governo central com o resultado estimado, segundo metodologia
distinta, pelo Banco Central (conhecido como Necessidade de Financiamento do
Setor Público), a verdade é que ele nos oferece uma visão parcial do
resultado fiscal do governo, deixando de lado tanto estados quanto municípios.
Mais
recentemente, porém, o próprio Tesouro tem feito um esforço considerável para
ampliar o retrato, estimando receitas e despesas dos três níveis de governo,
trabalho que tive a oportunidade de apresentar em capítulo de livro organizado
por Affonso Pastore e publicado (em PDF) pelo Centro de Debate de
Políticas Públicas (CDPP) (link aqui).
Os números
são calculados com base na metodologia do Manual
de Estatísticas de Finanças Públicas do Fundo Monetário Internacional,
representando visão não só mais moderna acerca do tamanho dos fluxos do
governo, como também integradas à metodologia das contas nacionais, as mesmas
utilizadas para o cálculo do PIB.
Despesa
do governo geral – R$ bilhões do 2T2019 (deflator do PIB)
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019*
|
|
Despesa
|
2.751,8
|
2.894,0
|
2.943,2
|
3.086,8
|
3.220,7
|
3.516,7
|
3.372,9
|
3.433,5
|
3.460,6
|
3.444,5
|
Remuneração de empregados
|
805,5
|
830,0
|
846,8
|
896,6
|
912,2
|
924,1
|
897,2
|
929,2
|
943,8
|
951,3
|
Uso de bens e serviços
|
376,0
|
379,8
|
390,9
|
396,8
|
410,4
|
382,7
|
376,0
|
371,1
|
385,4
|
384,9
|
Consumo de capital fixo
|
88,5
|
91,5
|
93,9
|
97,3
|
100,4
|
104,7
|
106,4
|
108,4
|
110,4
|
113,0
|
Juros
|
476,9
|
537,7
|
497,8
|
515,1
|
556,5
|
856,5
|
691,6
|
629,9
|
637,3
|
604,9
|
Subsídios
|
11,3
|
19,8
|
22,2
|
35,4
|
39,2
|
29,5
|
32,1
|
25,0
|
25,9
|
25,5
|
Transferências / Doações
|
2,1
|
1,8
|
2,0
|
2,6
|
4,0
|
3,2
|
5,1
|
3,9
|
3,8
|
3,0
|
Benefícios sociais
|
926,8
|
954,2
|
999,7
|
1.049,9
|
1.099,1
|
1.115,4
|
1.166,4
|
1.281,6
|
1.260,5
|
1.266,8
|
Outras despesas
|
64,8
|
79,2
|
90,0
|
93,2
|
98,9
|
100,4
|
98,0
|
84,4
|
93,4
|
95,1
|
Investimento líquido em ativos não
financeiros
|
91,4
|
49,1
|
54,7
|
56,4
|
68,1
|
8,8
|
-9,8
|
-32,9
|
-19,0
|
-25,1
|
Aquisição de ativos não financeiros
|
184,1
|
151,5
|
155,4
|
161,9
|
181,4
|
121,4
|
103,1
|
86,5
|
96,4
|
91,7
|
Alienação de ativos não financeiros
|
4,3
|
10,9
|
6,8
|
8,2
|
12,8
|
7,8
|
6,4
|
11,1
|
5,0
|
3,8
|
Consumo de capital fixo
|
88,5
|
91,5
|
93,9
|
97,3
|
100,4
|
104,7
|
106,4
|
108,4
|
110,4
|
113,0
|
Memo:
|
||||||||||
Despesa
primária (ex-consumo de capital fixo)
|
2.186,5
|
2.264,8
|
2.351,5
|
2.474,5
|
2.563,8
|
2.555,5
|
2.574,9
|
2.695,2
|
2.712,9
|
2.726,6
|
* 12 meses até junho de
2019
Fonte: Secretaria do
Tesouro Nacional
A
tabela acima resume a evolução das despesas do governo (medidas a preços
constantes do segundo trimestre deste ano) desde 2010, quando a atual série
começou.
Há,
além da diferença em termos de cobertura, também distinções importantes em
termos de conceitos entre esta série e o resultado do governo federal. Sem
querer esgotar o assunto (interessados podem explorar o capítulo do livro acima
referido), quero chamar a atenção para as seguintes:
a. Enquanto
na metodologia tradicional os gastos com pessoal compreendem tanto o que é pago
a trabalhadores na ativa quanto inativos, a remuneração de empregados refere-se
apenas aos funcionários ativos (inativos estão incluídos na conta de benefícios
sociais);
b. Por
outro lado, inclui-se nesta remuneração as contribuições feitas para a
aposentadoria do funcionalismo, da mesma forma que se inclui na folha de
pagamento de uma empresa privada não apenas os salários, mas também os encargos
(dentre os quais contribuições previdenciárias);
c. A
nova metodologia separa o pagamento de juros do recebimento de juros (por
exemplo, sobre reservas internacionais, ou empréstimos ao BNDES), enquanto a
antiga contabiliza o resultado líquido de despesas menos receitas de juros;
d. Segundo
a nova metodologia, os investimentos não são contabilizados como despesas
(aparecem como aquisição de ativos não-financeiro), isto é, o número de
quase 50% do PIB não contempla os investimentos dos três níveis de governo; por
outro lado as estimativas da “depreciação” do bens públicos (consumo de capital
fixo) são incluídas entre as despesas, embora não representem saída do caixa.
Isto
dito, o que há para destacar?
Em
primeiro lugar a trajetória de alta constante dos gastos públicos, mesmo após a
promulgação da emenda constitucional 95, o “teto de gastos”. Em 2016, quando a
emenda foi aprovada, o governo geral gastava R$ 3,37 trilhões; no ano passado,
R$ 3,46 trilhões (e R$ 3,44 trilhões nos 12 meses até junho deste ano).
Note-se
que houve queda do gasto com juros no período (de R$ 692 bilhões para R$ 605
bilhões). Já os gastos primários (sem investimento e, no caso, sem considerar o
consumo de capital fixo) aumentaram de R$ 2,57 trilhões (37,2% do PIB) para R$
2,73 trilhões (38,4% do PIB).
Duas
despesas representam praticamente a totalidade do aumento observado de 2016 a
meados de 2019: R$ 55 bilhões se originam do aumento dos gastos com
funcionalismo; R$ 100 bilhões vêm de maiores despesas com benefícios sociais,
que representam principalmente aposentadorias e pensões pagas tanto aos
egressos do setor privado como a funcionários inativos (e pensionistas), embora
também capture programas assistenciais como o Bolsa-Família. À luz, contudo, da
evolução deste último, o aumento dos benefícios sociais reflete na prática
gastos maiores com pensões e aposentadorias.
Em
contrapartida, o uso de bens e serviços, que se relaciona aos serviços providos
pelo governo (medicamentos, suprimentos, merenda escolar, etc.) permaneceu
praticamente inalterado de 2016 para cá e bem inferior ao registrado em 2014,
revelando piora na prestação de serviços.
É
também contra este pano de fundo que se observa a forte queda do investimento
público: R$ 11 bilhões a menos entre 2016 e 2019. Todavia, comparado a 2014,
quando o investimento bruto ultrapassou R$ 181 bilhões (2,4% do PIB), o nível
atual (pouco superior a R$ 90 bilhões, ou 1,3% do PIB) revela a natureza do
problema do gasto público no país.
A
verdade é que a elevação persistente do dispêndio público obrigatório, como
funcionalismo e previdência (principalmente) vem expulsando o gasto com a
provisão de serviços à população, bem como levando o investimento do governo
abaixo dos níveis estimados para a reposição do capital público consumido pela
depreciação, como mostram tristemente os viadutos paulistanos.
É
neste contexto que se inserem as reformas fiscais. Iniciamos com a
previdenciária, mas, como sugerido pelos números acima, isto não esgota o
assunto. As novas propostas, que pretendo examinar nas próximas colunas, tentam
lidar precisamente com a elevação persistente das despesas obrigatórias e abrir
espaço no orçamento do governo, em seus três níveis, para a prestação de
serviços e investimentos, em detrimento dos gastos que até agora beneficiaram
principalmente uma parcela reduzida da população: o funcionalismo.
Quem
argumenta que o objetivo seja precisamente o de promover o “estado mínimo”
precisa urgentemente entender a mensagem que os técnicos do Tesouro Nacional
têm se esforçado para levar à sociedade.
Apêndice: Despesa do governo
geral – % PIB
Despesa
do governo geral – % PIB
2010
|
2011
|
2012
|
2013
|
2014
|
2015
|
2016
|
2017
|
2018
|
2019
|
|
Despesa
|
40,7
|
41,1
|
41,0
|
41,8
|
43,4
|
49,1
|
48,7
|
49,0
|
48,9
|
48,4
|
Remuneração de empregados
|
11,9
|
11,8
|
11,8
|
12,1
|
12,3
|
12,9
|
13,0
|
13,3
|
13,3
|
13,4
|
Uso de bens e serviços
|
5,6
|
5,4
|
5,5
|
5,4
|
5,5
|
5,4
|
5,4
|
5,3
|
5,4
|
5,4
|
Consumo de capital fixo
|
1,3
|
1,3
|
1,3
|
1,3
|
1,4
|
1,5
|
1,5
|
1,5
|
1,6
|
1,6
|
Juros
|
7,0
|
7,6
|
6,9
|
7,0
|
7,5
|
11,9
|
10,0
|
9,0
|
9,0
|
8,5
|
Subsídios
|
0,2
|
0,3
|
0,3
|
0,5
|
0,5
|
0,4
|
0,5
|
0,4
|
0,4
|
0,4
|
Transferências / Doações
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,0
|
0,1
|
0,0
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,0
|
Benefícios sociais
|
13,7
|
13,6
|
13,9
|
14,2
|
14,8
|
15,6
|
16,8
|
18,3
|
17,8
|
17,8
|
Outras despesas
|
1,0
|
1,1
|
1,3
|
1,3
|
1,3
|
1,4
|
1,4
|
1,2
|
1,3
|
1,3
|
Investimento líquido em ativos não
financeiros
|
1,4
|
0,7
|
0,8
|
0,8
|
0,9
|
0,1
|
-0,1
|
-0,5
|
-0,3
|
-0,4
|
Aquisição de ativos não financeiros
|
2,7
|
2,2
|
2,2
|
2,2
|
2,4
|
1,7
|
1,5
|
1,2
|
1,4
|
1,3
|
Alienação de ativos não financeiros
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
0,2
|
0,1
|
0,1
|
Consumo de capital fixo
|
1,3
|
1,3
|
1,3
|
1,3
|
1,4
|
1,5
|
1,5
|
1,5
|
1,6
|
1,6
|
Memo:
|
||||||||||
Despesa
primária (ex-consumo de capital fixo)
|
32,3
|
32,2
|
32,8
|
33,5
|
34,5
|
35,7
|
37,2
|
38,5
|
38,3
|
38,4
|
* 12 meses até junho de
2019
Fonte: Secretaria do
Tesouro Nacional
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