Por mais meritório que seja o objetivo de elevar o emprego entre os mais
jovens, a forma escolhida é ruim, com efeitos negativos sobre a produtividade
da economia e na contramão da agenda de reformas microeconômicas.
Acredito
que a direção geral das propostas de emendas constitucionais para o ajuste
fiscal é correta, mas, para ser honesto, ainda devo uma análise mais detalhada
do conjunto de medidas ali proposta, por ser lá que o diabo reside. Já o projeto
de incentivo ao emprego dos mais jovens, ainda que meritório (quem pode ser
contra o objetivo?), me parece uma má ideia, pelo menos na forma que foi
apresentada.
Em
grandes linhas, o que se propõe é uma redução nos encargos (contribuições previdenciárias,
FGTS e multa do FGTS em caso de demissão), que tornarão mais barato empregar
jovens de 18 a 29 anos sem experiência de emprego formal por até dois anos. Vale
para postos de trabalho cuja remuneração não supere um salário mínimo e meio, apenas
para novos postos e limitada a 20% do total de funcionários. O resultado,
provável, é a elevação do emprego desta faixa etária.
O
problema, como quase sempre nas propostas de políticas públicas, é que o foco
só se dá nos benefícios do programa; raramente se mencionam os custos.
A
primeira pergunta a fazer é a seguinte: por que, em situação como a existente,
em que encargos são os mesmos para todos, as empresas preferem empregar
trabalhadores acima desta faixa etária? A resposta é também óbvia: porque eles
são mais produtivos que os mais jovens, dispondo de mais treinamento e
experiência. Assim, para o mesmo gasto com salários e encargos, a empresa
espera produzir mais com os mais experientes, o que, repito, não deveria soar
como nenhuma surpresa, imagino.
A
redução dos encargos deve, como notado, criar um incentivo para a contratação
dos mais jovens (vamos presumir, provisoriamente, que apenas para novas
contratações, sem substituição daqueles já empregados). Vale dizer, a medida encoraja
empresas a contratarem trabalhadores menos produtivos. A empresa em si deve até
ganhar no processo (senão não empregaria o mais jovem), mas a economia como um
todo perde.
Isto
não é diferente do que ocorre, por exemplo, quando, por força de incentivos
fiscais (tipicamente ligados ao ICMS), empresas decidem a localização de sua
atividade apenas pela redução de impostos, muitas vezes gerando custos de logística
que recaem sobre a sociedade, ainda que a empresa possa ser beneficiada. Aliás,
muito do projeto de reforma tributária formulada pelo Centro da Cidadania Fiscal
(C.CiF), coordenado por Bernard Appy tem como objetivo precisamente eliminar
este tipo de distorção, que tem efeitos negativos sobre a produtividade da
economia.
Neste
sentido, a política sugerida seria um retrocesso na agenda de produtividade. Os
impactos negativos não se encerram aí, contudo, tema que vi explorado pela
primeira vez por Roberto Ellery, da UnB.
Até
agora, como notado, demos de barato que a letra da lei será respeitada e que, de
fato, empresas não se aproveitarão para substituir trabalhadores mais velhos
por mais novos para aproveitar a redução de encargos. Não devemos presumir que isto
será verdadeiro sempre e, claro, imaginamos que haja mecanismos de fiscalização
e controle para impedir o abuso das novas regras.
Não
é difícil também concluir que estes mecanismos de fiscalização e controle imporão
novos custos. Empresas podem, por exemplo, demitir um trabalhador mais velho
porque não tem um bom desempenho; ele deverá ser substituído por outro na mesma
faixa etária, ou é possibilitada a contratação de um mais jovem. Se sim, como
distinguir entre este caso e uma situação em que, por oportunismo, a empresa decide
mandar o mais velho para casa e trocá-lo pelo mais jovem?
Este
tipo de medida também caminha na contramão da própria reforma trabalhista,
gerando novos potenciais de conflitos (multas, processos, etc.), com efeitos negativos
sobre a produtividade em geral.
Por
fim, o financiamento da redução dos encargos pela imposição de contribuição
previdenciária sobre o seguro-desemprego, além de um erro político de
proporções colossais, é injustificado. É verdade que, caso se queira contar o
período de recebimento do seguro-desemprego para fins de aposentadoria, a consequência
óbvia seria exigir a contribuição para a previdência (por que não deixar a
critério de quem recebe o seguro-desemprego?), mas não é esta a discussão.
Faltou, acredito, um exame mais aprofundado de alternativas para financiar a
renúncia fiscal, por exemplo, a redução de outras renúncias fiscais.
Enfim,
entendo que medida provisória seja inconsistente com os objetivos gerais de
elevar a produtividade e o grau de liberdade econômica, por meritório que seja
seu objetivo.
Há
alternativas, que passam por mudanças educacionais, com ênfase em treinamento
profissional, cujos resultados podem ser melhores, em prazo obviamente mais
largo, mas com a imensa vantagem de não aumentarem as já consideráveis distorções
que hoje impedem um ritmo de crescimento sustentável mais elevado. Isto, porém,
requer trabalho, não xingamentos no Twitter,
um obstáculo bastante significativo nos dias de hoje.
(Publicado 20/nov/2019)