O desempenho da produtividade tem sido ruim
e reflete queda disseminada entre setores. Não é um obstáculo agora, mas será para
a retomada mais forte à frente.
Não
há dúvida que vivemos a recuperação mais fraca de todas as registradas desde
1980, conforme indica o imprescindível trabalho do Comitê
de Datação de Ciclos Econômicos (CODACE). Em 9
trimestres, desde o fim da Grande Recessão, o PIB cresceu pouco mais do que 3%.
Na
média das 7 recuperações anteriores o produto havia crescido 9,5% no mesmo intervalo
e, mesmo se limitarmos as observações às duas recessões longas e profundas
(iniciadas em 1981 e 1989), o desempenho é também bastante inferior ao
observado. Assim, no primeiro trimestre deste ano o produto (medido pelo Valor Adicionado a Preços Básicos e,
portanto, livre do efeito de tributos indiretos) ainda se achava 5% abaixo do registrado
no primeiro trimestre de 2014, último do ciclo anterior de expansão.
Há,
todavia, um aspecto relativamente pouco explorado. Em que pese a queda lenta do
desemprego no período (de 13% para pouco menos de 12% em termos
dessazonalizados), o nível de emprego supera hoje o vigente antes da crise.
Na
série livre de influências sazonais estimamos que o nível de emprego em maio
deste ano atingiu 93 milhões de postos, não apenas bastante superior ao
registrado no pior momento da crise (na casa de 89 milhões no começo de 2017),
mas também acima do observado primeiro trimestre de 2015, 92 milhões. Mesmo com
flutuações ao longo do caminho, os números da PNAD sugerem a criação líquida de
algo como 3,9 milhões de empregos de março de 2017 para cá.
É
bem verdade que a imensa maioria (3 milhões) dos empregos líquidos gerados
desde então se encontra nos segmentos informal
(sem carteira assinada, 1,1 milhão) e conta
própria (1,9 milhão), mas, de qualquer forma, trata-se de expansão da ordem
de 3% sobre o pior momento do mercado de trabalho e 1% sobre o vigente no
início de 2014, o fim do último ciclo de crescimento.
Isto
ilustra um ponto crucial para nossas perspectivas de expansão à frente: o
emprego cresceu, mesmo com o valor adicionado ainda 5% abaixo do registrado
naquele momento, o que sugere forte queda da produtividade, concentrada ao
longo do período recessivo.
A
redução do produto por trabalhador durante a recessão não é surpreendente. Naturalmente
empresas evitam diminuir seus quadros na mesma proporção da queda da produção
por conta dos custos envolvidos. Aqui não falamos apenas dos custos
trabalhistas propriamente ditos (indenizações, etc.), mas também da perda de
mão-de-obra (arduamente) qualificada. Assim, empresas podem optar (e
frequentemente o fazem) por manter pessoal, à espera da próxima recuperação, o
que leva ao menor produto por trabalhador.
Todavia,
uma vez que a recuperação se inicia, esperamos que o contrário ocorra, isto é,
durante algum tempo empresas não precisam contratar trabalhadores porque
preservaram seus quadros, mas a produção aumenta, de modo que o produto por
trabalhador tenderia a subir.
É
este o grande ausente da recuperação atual. Na prática, o valor adicionado por
trabalhador não se distingue do observado ao fim da recessão, isto é, não
parece haver qualquer aumento da produtividade.
Uma
explicação possível seria a mudança da composição da economia, ou seja, trabalhadores
saindo de setores de produtividade mais alta para os menos produtivos (onde
presumivelmente se concentraria o trabalho não-formal), de tal maneira que a
produtividade média seja “puxada” para baixo. Não é o caso, porém.
Com
efeito, calculamos o valor adicionado por trabalhador em oito setores da
economia buscado conciliar os dados das contas nacionais trimestrais com os
dados de emprego da PNAD. Observamos que, dos 8, houve aumento do produto por
trabalhador em apenas três desde 2016 (agropecuária, construção e comércio),
enquanto os demais registraram queda de produtividade.
Decompondo
a evolução da produtividade média em dois efeitos (variações da produtividade
por setor e mudança na distribuição da mão de obra entre setores), concluímos
que a queda da média se deve ao primeiro fator. A mudança no perfil de ocupação
por setores contribuiu na direção oposta, sem compensar, contudo, o efeito da
redução disseminada da produtividade.
Este
fenômeno ajuda a compreender a (modesta) queda da taxa de desemprego, mesmo
contra um pano de fundo de baixa expansão do PIB, sugerindo que o crescimento
potencial da economia seria também pequeno em função do comportamento da
produtividade.
Olhando
à frente, isto não parece ser um problema para a redução da taxa de juros, uma
vez que a folga hoje existente no país (desemprego alto, baixa ocupação da
capacidade instalada) aponta para a capacidade de expansão além do potencial
ainda por alguns anos.
Trata-se,
no entanto, de problema sério quanto ao crescimento de longo prazo. Por
enquanto temos nos ocupado, por motivos óbvios, com reformas de natureza
fiscal, mas o foco deverá mudar, tão cedo quanto possível, para uma agenda de
produtividade, da qual a reforma tributária deverá ser peça central, embora não
a única.
Seguimos
assim condenados à reforma, tema seguramente menos divertido que a discussão
sobre embaixadas, Ancine, a prisão e tortura de Miriam Leitão, bem como a
relação com os governadores do Nordeste, mas, acredito, infinitamente mais relevante.
(Publicado 24/Jul/2019)