A análise dos cenários para a inflação
divulgados pelo BC sugere haver condições para redução da Selic até 4% ao ano.
Para que isto se materialize, porém, o BC precisa dirimir dúvidas sobre a
potência da política monetária.
O
Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação na
semana passada, detalhando o raciocínio por trás das decisões de política
monetária e, crucialmente, incluindo suas projeções de inflação até o final de
2022. Tais previsões são construídas com base em quatro cenários no que diz
respeito à evolução da Selic e da taxa de câmbio e, além de balizarem as
escolhas do BC, também contêm informações relevantes para os analistas, em
particular o espaço disponível para a redução adicional da taxa de juros, que
poderia, a princípio, cair para 4% ao ano.
Para
entender isto, consideremos inicialmente as premissas que embasam cada cenário
contemplado pelo BC. O primeiro deles se pergunta o que ocorreria com a
inflação caso a tanto a Selic quanto a taxa de câmbio ficassem constantes daqui
até o Juízo Final (ou quando o Palmeiras finalmente ganhar um mundial, o que vier
primeiro, se bem que o Juízo Final é favorito), respectivamente em 5% ao ano (o
nível que prevalecia antes da última reunião do Copom) e R$ 4,20/US$ (a média
na semana que antecedeu o Copom).
Premissas
Dez-19
|
Dez-20
|
Dez-21
|
Dez-22
|
|
R$/US$
|
4,15
|
4,10
|
4,00
|
4,00
|
% no ano
|
(1,2)
|
(2,4)
|
(2,4)
|
0,0
|
Selic
|
4,50
|
4,50
|
6,25
|
6,50
|
Pontos base
|
(50)
|
(50)
|
125
|
150
|
O
segundo cenário projeta a inflação sob a suposição que tanto a Selic quanto a
taxa de câmbio sigam as trajetórias esperadas pelos economistas que contribuem
para a pesquisa Focus. A tabela acima resume a evolução esperada
de ambas as variáveis, em particular sugerindo que a Selic, já reduzida para
4,5% ao ano na semana passada, se encontraria no mesmo patamar ao final do ano
que vem, mas com redução para 4,25% entre fevereiro e agosto de 2020.
Projeções
de inflação
4Q19
|
1Q20
|
2Q20
|
3Q20
|
4Q20
|
1Q21
|
2Q21
|
3Q21
|
4Q21
|
1Q22
|
2Q22
|
3Q22
|
4Q22
|
|
(1) Selic e câmbio constantes
|
4,0
|
3,8
|
3,7
|
3,8
|
3,6
|
3,3
|
3,4
|
3,7
|
3,7
|
3,8
|
3,8
|
3,9
|
3,9
|
(2) Selic e câmbio de mercado
|
4,0
|
3,7
|
3,7
|
3,8
|
3,5
|
3,2
|
3,3
|
3,5
|
3,4
|
3,4
|
3,4
|
3,4
|
3,4
|
(3) Selic de mercado
|
4,0
|
3,8
|
3,8
|
3,9
|
3,7
|
3,4
|
3,5
|
3,7
|
3,7
|
3,7
|
3,6
|
3,6
|
3,5
|
(4) Câmbio de mercado
|
4,0
|
3,7
|
3,6
|
3,7
|
3,4
|
3,1
|
3,2
|
3,4
|
3,4
|
3,5
|
3,6
|
3,7
|
3,8
|
Efeito da Selic (3) – (1)
|
0,0
|
0,0
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,1
|
0,0
|
0,0
|
(0,1)
|
(0,2)
|
(0,3)
|
(0,4)
|
Efeito do câmbio (4) – (1)
|
0,0
|
(0,1)
|
(0,1)
|
(0,1)
|
(0,2)
|
(0,2)
|
(0,2)
|
(0,3)
|
(0,3)
|
(0,3)
|
(0,2)
|
(0,2)
|
(0,1)
|
Efeito combinado (2) – (1)
|
0,0
|
(0,1)
|
0,0
|
0,0
|
(0,1)
|
(0,1)
|
(0,1)
|
(0,2)
|
(0,3)
|
(0,4)
|
(0,4)
|
(0,5)
|
(0,5)
|
O
terceiro cenário é uma mistura: considera a trajetória da Selic embutida na primeira
tabela, mas mantém a taxa de câmbio “congelada” a R$ 4,20/US$. O último cenário
é também híbrido, mas, no caso, “congela” a Selic a 5% ao ano e permite que a
taxa de câmbio siga as previsões dos analistas.
A
primeira conclusão importante da tabela diz respeito à inflação projetada para
2020 e 2021: em todos os cenários a inflação se encontra abaixo da meta
para aqueles anos (4,00% e 3,75%), embora no caso de 2021 a diferença seja
muito pequena nos dois cenários que mantêm a taxa de câmbio parada em R$
4,20/US$. Tomadas ao pé da letra, tais previsões sugerem que a taxa de juros
pode continuar caindo. Mas quanto?
O
efeito da taxa Selic sobre a inflação nos modelos do BC pode ser inferido pela
diferença entre o cenário (3) e o cenário (1): em ambos os casos a trajetória
da taxa de câmbio é a mesma (parada em R$ 4,20/US$), logo a diferença na
projeção de inflação só pode se originar da diferença na trajetória da taxa
Selic. Em 2020 a diferença na projeção de inflação atinge 0,1% e em 2022 chega
a 0,4%.
No
cenário (3) a taxa Selic fecha 2020 em 4,50%, 50 pontos base abaixo da considerada
no cenário (1), 5,00%, e passa seis meses 75 pontos base abaixo deste nível (de
fevereiro a agosto, como notado acima), atingindo 6,25% no final de 2021, 125 pontos
base acima da taxa de juros que prevalecia até a semana passada. É possível,
portanto, concluir que o efeito de um aumento de 1% na taxa Selic, tudo o mais
constante, reduza a inflação em algo como 0,2-0,3% (e vice-versa).
Já
a comparação entre o cenário (4) e o cenário (1) isola o efeito da taxa de
câmbio sobre a inflação, visto que a trajetória da Selic é a mesma em ambos.
Fazendo um exercício similar ao exposto no parágrafo anterior podemos inferir
que o efeito da desvalorização de 1% do real frente ao dólar eleva a inflação
em algo como 0,08-0,09% no horizonte relevante.
Mantendo,
pois, a interpretação literal das projeções do Copom para a inflação,
considerando que no cenário (2) a inflação se encontra 0,5% abaixo da meta para
2020 (3,5% versus 4,0%) e 0,35% abaixo da meta para 2021 (3,4% versus 3,75%),
haveria espaço para o BC reduzir a Selic para 4% ao ano e, ainda assim, se
manter alinhado à trajetória de metas.
Há,
porém, mais coisas entre o céu e a terra do que os modelos conseguem capturar,
fatores que o BC inclui em seu chamado “balanço de riscos”. São fenômenos que puxam
a inflação acima ou abaixo do indicado pelas previsões do modelo, mas que, seja
por sua natureza recente, seja por limitações dos dados, não podem ser
devidamente incorporados a ele.
Em
sua comunicação o BC enfatizou desenvolvimentos nos mercados de crédito e de
capitais que podem aumentar a potência da política monetária. Neste caso, o
impacto sobre a inflação de uma redução adicional da Selic seria maior do que
os 0,2-0,3% hoje implicado pelos modelos. Não é por outro motivo que o último
parágrafo da ata do Copom abre com “O Copom entende que o atual estágio do ciclo econômico recomenda cautela
na condução de política monetária”.
Dado,
porém, que a próxima decisão sobre a Selic só ocorrerá em fevereiro, creio
haver tempo suficiente para dirimir boa parte das dúvidas do comitê acerca do
impacto da redução adicional da taxa de juros sobre a inflação. Estamos perto
do fim do longo ciclo de afrouxamento monetário, mas parece ainda haver espaço
para que a Selic ainda caia sem prejuízo para o controle da inflação.
(Publicado 26/Dez/2019)