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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ausência


O debate econômico nas eleições passadas conseguiu ser ainda mais raso do que o observado em 2014, feito que muitos acreditavam impossível. Se, por um lado, as propostas do PT foram de uma leviandade absoluta (congelar o preço do gás depois do desastre da administração Dilma?), por outro, as ideias do campo vencedor foram extraordinariamente vagas, ainda mais depois que o então candidato impôs silêncio obsequioso a seu futuro ministro da Fazenda.

Deixar de lado os problemas, contudo, não os faz desaparecer. Pelo contrário, se há algo que aprendi nestes anos todos, é que ignorá-los só os faz maiores e mais difíceis de resolver no futuro.

Há, para começar, um enorme desequilíbrio fiscal. Estimo que o déficit recorrente do setor público, já deduzido o impacto da inflação, se encontra próximo a R$ 320 bilhões (4,7% do PIB) nos 12 meses até setembro. Destes R$ 170 bilhões resultam do déficit primário recorrente, enquanto R$ 150 bilhões refletem o pagamento dos juros reais sobre a dívida pública, hoje na casa de R$ 5,2 trilhões (77% do PIB).

Mesmo levando em conta a melhora visível de desempenho fiscal de 2016 para cá, deve ficar claro que a situação exposta acima é insustentável, pois implica expansão persistente da dívida pública com relação ao PIB (e, portanto, à capacidade de pagamento).

É bem verdade que a dívida é, quase toda, denominada em moeda nacional, ao contrário dos exemplos grego e argentino, em que a incapacidade de pagamento levou ao calote explícito. No caso brasileiro uma “solução” possível para o problema seria a fixação de taxas de juros inferiores à inflação, provavelmente acompanhada de mecanismos de repressão financeira. A dívida cairia, mas à custa de aceleração forte da inflação, ou seja, da volta a velhos problemas, dos quais escapamos há menos de um quarto de século.

Se quisermos evitar este cenário não há alternativa à austeridade fiscal, o que foi explicitamente reconhecido pelo futuro ministro logo após a remoção do silêncio obsequioso. Bem menos claro, contudo, é como se pretende chegar lá.

Em que pesem juras de eliminação do déficit primário no ano que vem, é conhecimento comum que, sem reformas de grande porte, tais promessas são inexequíveis. Como tenho notado há muito, o governo federal controla de fato menos de 10% do que gasta. Mesmo que conseguisse cortar toda esta despesa (sem, por milagre, paralisar a administração pública) não chegaria próximo de cumprir a promessa.

Para este fim é essencial reformar a previdência, bem como repensar e reduzir o grau de vinculação das demais despesas do orçamento.

Nada disto, porém, foi explicado ao distinto público, que possivelmente ainda crê na balela que o combate à corrupção resolverá nossos desequilíbrios. Não é por outro motivo que, apesar da renovação inesperada no Congresso, o apoio a causas como esta é bastante inferior ao requerido, ainda mais quando se explicitam os efeitos das mudanças requeridas sobre a população em geral.

Omitir os reais problemas do país do debate eleitoral pode ser uma medida acertada no sentido de chegar ao poder, mas certamente criará dificuldades apreciáveis para aprovar medidas que, a rigor, não chegaram a passar pelo crivo do voto popular.

Para quem se vangloria da sinceridade, a ausência de um debate econômico sério foi mais que sentida.




(Publicado 31/Out/2018)

8 comentários:

Alex,

Pelas minhas contas, para uma inflação de 4% ao ano, juros reais de 150 bi sobre uma dívida de 5,2 tri, resultam em juros nominais medios de 7%. Parece baixo em relação à média atual e dos últimos anos dos juros dos títulos públicos. Tem algo a ver com a divisão entre títulos em poder do público e em poder do BC?

A Selic nominal nos 12 meses até setembro ficou em 6,7%; a inflação (IPCA) no mesmo período atingiu 4,5%. Na minha conta o juro implícito sobre a dívida bruta deu um pouco mais alto: 7,8%.

1,078/1,045 = 1,0315, ou seja, taxa real de juros (ex-post) 3,15%.

Off Topic:
Krugman analisou os motivos da crise no Brasil. O que vc acha?

A ida do joaquim levy se confirmada e mais uma prova da política liberal que Bolsonaro tentará implementar.

O juro é mesmo, seja da dívida mobiliária ou dos papéis alocados junto ao 'ativo circulante' do Banco Central.

"A ida do joaquim levy se confirmada e mais uma prova da política liberal que Bolsonaro tentará implementar."

Ajuda aqui: não teve um Joaquim Levy que foi ministro da Fazenda?

Combate à corrupção e todos os demais crimes engedrados pela Orcrim não é balela, nem nunca vi ser prometido a solução de todos os problemas, mas um fim em si.

Minimizar a corrupção é negar efeitos nefastos adversos, como a politização da economia, do empresariado, dos movimentos sociais, ..., a lista é imensa, todos eles agem no sentido de consumir produtividade, impedir reformas estruturais e manter o Estado-babá.

A impressão que eu tenho, o senhor ainda está tentando justificar uma posição política errada, o que pode se aceitar, quem não erra???
Porém, agora, Alex, vc entra em novos campos, e entra com o pé esquerdo.

Que tal falar mal do rota 2045??? e outras pautas-bomba?
Que tal assumir que o velho sistema já está girando suas engrenagens para saborar o novo governo e manter mais do mesmo?

Aí sim, não sabemos como iremos vencer o ancient regime do qual andrade era o queridinho sedutor lobo em pele de ovelha.
Neste campo, as Promessas declaradas em campanha são realmente apenas vagas, mas boas, intenções de cunho muito moral e pouco prático
Mas iremos, passo a passo.

Abraço

Eu pergunto: elas são vagas porque são boas ou boas porque vagas?