Na
semana passada o presidente eleito se manifestou sobre as estatísticas de
desemprego no país afirmando: “vou querer
que a metodologia para dar o número de desempregados seja alterada no Brasil,
porque isso daí é uma farsa. Quem, por exemplo, recebe Bolsa Família é tido
como empregado. Quem não procura emprego há mais de um ano é tido como
empregado. Quem recebe seguro-desemprego é tido como empregado.”
Errou
em todos os exemplos mencionados, refletindo ignorância comum sobre a matéria.
Vale a pena entender os conceitos, virtudes e limitações desta estatística para
não cometer os mesmos equívocos.
Segundo
o IBGE a população brasileira em setembro deste ano era aproximadamente 209
milhões de pessoas. Nem todos, porém, estão aptos a trabalhar. O IBGE define a População
em Idade Ativa, PIA, como aqueles com mais de 14 anos, em torno de 170 milhões
de pessoas.
Obviamente,
apenas parte dos maiores de 14 anos estão no mercado de trabalho. Alguns, por
exemplo, estudam (ainda bem!), outros já se aposentaram e há quem decida não tomar
parte no mercado por uma série de motivos, alguns dos quais trataremos à
frente. Os que participam, seja trabalhando, seja buscando por emprego, são
definidos como “força de trabalho”, ou População Economicamente Ativa (PEA), e
montavam a 105 milhões de pessoas em setembro.
Desses
92,6 milhões estavam ocupados e 12,5 milhões desempregados. Assim a taxa de
desemprego atingiu 11,9% (12,5÷105).
Esta
é a definição internacional da taxa de desemprego, adotada por todos os países
com boas estatísticas na área. No caso, se a pessoa recebe o Bolsa-Família (sem
estar empregada), ou o seguro-desemprego, ela obviamente não conta como empregada.
Caso esteja procurando trabalho contará como desempregada (e participante da
PEA); caso contrário não aparecerá nesta estatística de desemprego.
Ocorre que
a taxa de desemprego descrita acima não esgota o conjunto de estatísticas sobre
o mercado de trabalho. O IBGE também discrimina
dentre os ocupados aqueles que trabalham menos do que desejam e calcula a taxa
de desempregados (12,5 milhões) e subocupados (6,9 milhões) com relação à PEA:
18,4% (19,4÷105).
Há,
por outro lado, dentre as pessoas que estão fora da PEA, as que gostariam de
trabalhar, mas não estão buscando emprego, a chamada “força de trabalho
potencial”, 8 milhões de pessoas.
A
estatística mais ampla do IBGE a respeito (a taxa de subutilização da força de
trabalho) junta os desempregados, os subocupados e a força de trabalho
potencial, um conjunto de pouco mais de 27 milhões de pessoas como proporção da
“PEA ampliada”, isto é, os 105 milhões da PEA mais os 8 milhões da força de
trabalho potencial (123 milhões), revelando uma taxa de subutilização na casa
de 24%.
A
coexistência de várias medidas de desemprego não é uma jabuticaba. Nos EUA, por
exemplo, o Bureau of Labor Statistics
publica a cada mês nada menos do que seis alternativas:
a taxa denominada U3, calculada de forma similar à nossa, é a mais disseminada,
3,7% no mês passado; a taxa mais ampla, U6, se encontrava em 7,4%, o
dobro da oficial, por incorporar também os que gostariam de trabalhar mais e os
participantes da força de trabalho potencial.
Economia,
apesar das aparências em contrário, não é para aspirantes. Como regra, antes de
falar do assunto, não custa nada dar uma passada no posto Ipiranga.
(Publicado 14/Nov/2018)
3 comentários:
Grande Alex,
Só uma continha besta que passou: "os 105 milhões da PEA mais os 8 milhões da força de trabalho potencial (*113* milhões, e não 123 milhões), revelando uma taxa de subutilização na casa de 24%.
Adorei o artigo, didático e direto.
Você realmente não quer escrever um livro? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
abs
Alberto
Valeu!
Alexandre, você é a favorável a um salário mínimo? Eu nunca havia me questionado sobre isso, até perceber a importância do Custo Unitário do Trabalho. Podemos reduzir o principal motor do crescimento, essencialmente, ao aumento da produtividade, que tem, entre todos os benefícios, o efeito de elevar os salários reais. No entanto, a imposição de um salário mínimo me parece que pode causar justamente o efeito contrário. Se este aumento dos salários nominais for maior do que a produtividade alcançada em determinadas empresas ou setores, o efeito será uma inflação localizada, que poderá se propagar para o restante da economia. Isso, claro, considerando que estas empresas estejam em condições de elevar seus preços sem serem forçadas a fechar as portas - situação que também implica inflação, pela decorrente redução da capacidade de oferta.
Nos EUA, o salário mínimo é o mesmo desde Julho de 2009, e o poder de compra apresenta uma tendência de alta ao longo de todo este período - o que, obviamente, se traduz em crescimento sustentável da demanda. No Brasil, talvez por influência exagerada de sindicatos, parece que tentamos forçar este crescimento do salário real via aumentos do salário mínimo. Isso, penso eu, tem como resultado o que procurei descrever acima. E, quando vejo a trajetória dos salário reais no Brasil, penso que há fundamento para esta hipótese: https://i.imgur.com/chJbuWl.jpg
Percebe-se como absolutamente todos os aumentos anuais do salário mínimo são sucedidos por uma queda do poder de compra no transcorrer do ano, o que sempre conduz a novos aumentos. Não vejo como um país possa conquistar competitividade afetando os custos unitários do trabalho desta forma.
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