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terça-feira, 25 de setembro de 2018

Era uma vez...


Em entrevista recente ao Pravda, perdão Valor Econômico, Armínio Fraga argumenta que a situação econômica atual é ainda pior do que a enfrentada há 16 anos, durante a eleição de 2002. Concordo plenamente, porém, noto que, se isto for mesmo verdade, há o que explicar do ponto de vista dos preços no mercado financeiro.

É fato que o dólar anda na casa de R$ 4,15-4,20, pouco acima do observado lá atrás, mas, ajustando o valor à diferença entre a inflação brasileira e a americana, o dólar na média de outubro de 2002 seria equivalente a algo perto de R$ 6,50, bem mais caro do que agora. Da mesma forma, o risco-país (o tanto a mais de juros que o Brasil precisa pagar comparado aos EUA) anda alto, na casa de 3,0-3,5% ao ano; em 2002, todavia, chegava a impensáveis 24% ao ano. Por fim, também ajustada à inflação, a bolsa hoje vale praticamente três vezes mais do que no pior momento daquela crise.

Em suma, pela ótica fria dos preços de mercado a coisa não parece tão feia quanto Armínio e eu (entre tantos) acreditamos.

Houve, é bom dizer, melhora em algumas fragilidades importantes. Quase metade de tudo o que governo devia à época (algo como R$ 1,3 trilhões de R$ 3 trilhões a preços de hoje) era denominado em moeda estrangeira, principalmente dólares.

Assim, qualquer balançada no dólar, não muito diferente da que observamos recentemente, tinha efeitos negativos que realimentavam o problema: com o dólar mais caro a dívida crescia, o que aumentava a percepção acerca da nossa incapacidade para manter os pagamentos em dia, levando à fuga adicional de capitais e nova pressão sobre o dólar. Hoje, em contraste, o governo tem mais dólares do que deve, ou seja, ganha quando o dólar sobe, quebrando o círculo vicioso anterior.

Algo parecido se passa com o setor privado: graças aos investimentos externos, o encarecimento do dólar não gera receio de que a dívida externa das empresas brasileiras em seu conjunto se torne impagável (ao contrário do que ocorre com, por exemplo, a Turquia).

Como os mecanismos de realimentação da crise via dólar e dívida não mais estão presentes, o dólar não explode, nem o risco-país, e o balanço mais saudável das empresas transparece num mercado acionário mais forte do que àquela época.

Apesar disso as contas públicas pioraram muito. Em 2002 o setor público apresentava superávit primário ao redor de R$ 130 bilhões (a preços de hoje); prevê-se agora déficit de R$ 159 bilhões este ano e R$ 139 bilhões no próximo. O gasto federal, corrigido pela inflação, era então pouco superior a R$ 600 bilhões; hoje supera R$ 1,3 trilhão, dos quais o governo controla efetivamente menos do que 10%.

Já a dívida pública (usando a definição existente em 2002) equivalia a 65% do PIB e vinha em trajetória decrescente; hoje ultrapassa 85% do PIB e cresce desde o final de 2013.

Naquele momento, portanto, bastou que o novo governo mantivesse a política econômica do anterior para que as coisas se acalmassem.

Hoje, porém, a tarefa é bem mais difícil: não se trata de manter o que existe, mas reformá-lo profundamente contra a ação de grupos de interesse que não aceitam serem privados de suas meias-entradas.

O mundo político, contudo, não se mostrou à altura da tarefa. Se persistirmos no erro, é até possível que os preços no mercado financeiro não voltem aos patamares de 2002, mas não tenham dúvidas que teremos muita saudade dos preços de 2018.



(Publicado 19/Set/2018)

2 comentários:

O cenário "estagnação japonesa" (com uma faixa de renda muito inferior) é uma possibilidade para o Brasil?

Uma dívida pública crescente, mas detida por seus próprios cidadãos. Um escudo de reservas e um potencial exportador poderoso em setores modernos tecnologicamente (no nosso caso commodities agrícolas), que afastam do horizonte um colapso da moeda.

A população rejeita medidas de aumento da produtividade para o grosso da economia, e não há lideranças políticas que a convençam do contrário, dada a tradição de consenso para as decisões.

A dívida pública chega a 200% do PIB e continua crescendo.

citando: O cenário "estagnação japonesa"...

A pergunta não foi pra mim, mas devo lembrar que se há estagnação nos grandes números, é uma "estagnação dinâmica", internamente é uma economia vibrante.

Se olhar os números no per capita e no perfil de idade veremos evolução forte