Samuel Pessoa, para
variar, publicou mais uma excelente
coluna no domingo (sempre começo a leitura dominical da Folha
por suas colunas e as de Marcos Lisboa) sobre a necessidade do ajuste fiscal,
concluindo que, independentemente de quem seja eleito este ano, ele virá.
Seu argumento é simples
e direto. Caso a próxima administração não ponha as contas públicas em ordem
enfrentará sérias dificuldades na economia: a dívida pública continuará
crescendo mais rápido que o PIB, levando a uma situação em que o Banco Central
não mais será capaz de manter a inflação controlada. Neste cenário, não só a
inflação acelerará, mas também o desemprego permanecerá elevado, combinação que
eliminará quaisquer chances de reeleição em 2022.
Assim, conclui, “os
incentivos da política conspiram para que o próximo (ou a próxima) presidente
empregue todos os instrumentos ao seu alcance para ajustar a política fiscal”.
Não tenho qualquer
reparo a fazer ao raciocínio econômico do Samuel: se não arrumarmos a casa
teremos um sério desarranjo ainda no mandato do eleito em 2018. Por outro lado,
não tenho tanta certeza quanto à alta probabilidade (ia escrever
“inevitabilidade”, mas não foi isto que ele afirmou) de que algum ajuste, mesmo
de baixa qualidade, nos espera.
Da forma como vejo o
problema, não se trata apenas do incentivo ao ajuste, mesmo dando de barato que
o ocupante da cadeira a partir de janeiro do ano que vem compartilhe da mesma
visão que eu e o Samuel temos sobre a dimensão fiscal (é sempre bom lembrar que
não falta quem se
oponha ao óbvio); o ponto central da história, no meu
entendimento, está intimamente ligado ao mandato que emergirá das urnas em
outubro.
É essencial, ainda mais
em cenário de um Congresso ainda fragmentado e muito semelhante ao atual (que
acabou de aprovar
um conjunto de medidas econômicas sem qualquer sentido), que a (o)
presidente obtenha da população um claro mandato popular a favor de reformas no
campo fiscal, envolvendo, entre outras coisas, mudanças profundas nas regras de
aposentadorias, bem como redução substancial das vinculações orçamentárias. Sem
isto, a margem de manbora do governo federal seguirá limitada a menos de 10% de
seus gastos, insuficiente para recolocar a dívida numa trajetória sustentável.
Todavia, para obter o
mandato reformista, esses temas não poderão ser omitidos da campanha, como fez
Dilma Roussef em 2014, sob pena de reprodução da instabilidade política que
marcou seu segundo mandato. Será difícil, senão impossível, explicar à
população mais um estelionato eleitoral sem perda substancial de seu apoio.
O governo Dilma era
aprovado por mais de metade da população em dezembro de 2014; em março 78% dos
entrevistados pelo Ibope o desaprovavam. (Pautas-bomba, como a que acabamos de
testemunhar, não se criam no vácuo, mas resultam da impopularidade da liderança
do Executivo).
Se estiver correto,
será então necessário que o eleitorado decida ungir alguém que prometa sangue,
suor e lágrimas e não aqueles que prometem o paraíso terrestre sem qualquer
esforço. Podem me chamar de pessimista; algo, contudo, me diz que se trata de
um cenário muito pouco provável.
É a essência da
tragédia: há um caminho virtuoso a seguir, mas, de alguma forma, não
conseguimos fazê-lo.
Torço muito (mesmo!)
para o Samuel estar certo; não creio, porém, que seja o caso desta vez.
(Publicado 18/Jul/2018)
2 comentários:
Donald Trump conseguiu um acordo para zerar as tarifas com a Europa.
Claro, claro... da mesma forma com que conseguiu desnuclearizar a Coréia do Norte.
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