Desde que o Conselho
Monetário Nacional (CMN) começou a reduzir paulatinamente as metas para a
inflação reapareceu a crença, equivocada, porém frequente, que a escolha de uma
meta mais baixa requereria que o desemprego permanecesse elevado. Há 50 anos se
sabe que não há uma troca permanente entre inflação e desemprego, mas restam exemplares
no Brasil que insistem em ignorar o óbvio.
Vejam, por exemplo,
este comentário de Nelson Marconi, um dos gurus de Ciro Gomes: “reduzir a meta de
inflação [para 2021] neste momento significa inviabilizar um aumento
significativo do nível de emprego, que possivelmente pressionaria moderadamente
a inflação. (…) Será mais uma justificativa para interromper o processo de
redução da taxa de juros”
É cristalino que
Marconi crê na troca persistente entre inflação e desemprego, como ocorria na
década de 60 até que Milton Friedman e Edmund Phelps, de forma
independente, corrigiram a questão.
A ideia por trás desta
relação parecia óbvia, pois com menor desemprego as demandas salariais aumentariam,
pressionando a inflação (e vice-versa). Contudo, como mostrado pelos dois
autores, havia ali uma confusão: partia-se do pressuposto que os trabalhadores
brigam por aumentos salariais sem levar em conta a inflação e podiam, portanto,
ser enganados persistentemente por uma inflação mais elevada, que reduziria o
valor real dos salários, induzindo empresas a aumentar o nível de emprego.
Caso, porém, os
trabalhadores se preocupem com o poder de compra do salário embutirão nas
demandas salariais a reposição por conta da inflação esperada ao longo do
período de vigência do salário acertado. À parte, portanto, o erro das
expectativas (não há previsão perfeita!), o poder de compra dos salários se
mantêm e, portanto, empresas não seriam induzidas sistematicamente a contratar
mais.
Posto de outra forma,
não haveria uma relação negativa permanente entre inflação e desemprego,
proposição que encontra um enorme apoio nos dados, bem como na experiência dos bancos centrais nos últimos 40
anos.
O corolário desta
conclusão é igualmente relevante: tentativas de reduzir o desemprego por meio
da aceleração da inflação podem até ter efeito por algum tempo; ao longo de
horizontes mais longos, porém, se tranformam apenas em inflação mais elevada,
sem ganhos permanentes de emprego, como mostra, aliás, a história recente do
país.
O papel da política
monetária nesse contexto fica claro: ela deve ser usada para manter a inflação
sob controle.
Todos os países que
adotam o regime de metas para a inflação (nada menos que 36 em abril de 2015, desmentindo Ciro
Gomes, para quem o regime só
existiria no Brasil) partem dessa visão.
Pode haver uma troca de
curto prazo, quando as expectativas de inflação se distanciam da meta,
indicando perda de credibilidade do banco central. A este respeito, todavia,
nota-se que, assim que o CMN anunciou as metas de inflação para 2019 e 2020, as
expectativas de inflação se ajustaram rapidamente àqueles objetivos, sugerindo
que mesmo no curto prazo não há razões para imaginar a necessidade de
desemprego alto para a convergência à meta.
No final da história,
faz sentido, sim, reduzir um pouco mais a meta para 2021, até para alinhá-la
aos países bem sucedidos da América
Latina, mas, se não dermos um jeito nas contas públicas até lá, a nova meta
será apenas uma curiosidade acadêmica.
(Publicado 4/Jul/2018)
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