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terça-feira, 29 de maio de 2018

As (más) ideias imortais


Enquanto escrevo, caminhoneiros protestam contra o aumento do diesel, poucos dias depois de o ministro de Minas e Energia, Moreira Franco, afirmar que o governo quer discutir a política de preços dos combustíveis. Segundo o ministro, “está subindo demais”, aventando a possibilidade de reavaliação dos impostos, além da política de preços da Petrobras. São ambas péssimas ideias, embora possam, como é infelizmente comum no Brasil, prosperar ambas.

A origem da questão é o aumento dos preços internacionais de petróleo e derivados. O barril de Brent subiu de US$ 45 para perto de US$ 80 de meados do ano passado para cá, na esteira de problemas geopolíticos (a crise com o Irã), bem como o colapso da produção na Venezuela. A ele se soma a valorização global do dólar, cujas repercussões domésticas analisamos na semana passada.

Neste contexto deveria a Petrobras ignorar o ocorrido e manter os preços de derivados isolados dos mercados internacionais? A resposta é um sonoro não, por pelo menos dois motivos.

Do ponto de vista da empresa, esta política seria ruinosa. Não se trata de especulação, mas simples observação dos efeitos destrutivos desta mesma postura adotada durante o governo anterior para evitar aceleração ainda maior da inflação. Foram anos de perdas multibilionárias para a empresa, R$ 81 bilhões (a preços de 2017), acumuladas entre 2014 e 2016, que contribuíram para transformá-la na empresa de petróleo mais endividada do mundo.

Já do ponto de vista de funcionamento de mercados há problemas com esse tipo de política. Preços mais elevados de uma mercadoria sinalizam a necessidade de reduzir seu consumo em nome da eficiência econômica. Quando se impede o funcionamento desta sinalização o consumo não cede e precisamos entregar mais mercadorias em troca daquela, mercadorias que poderiam ser destinadas à aquisição de produtos que entregassem o mesmo bem-estar, ou ainda mais.

Note-se que esta mesma crítica se aplica a medidas de redução da carga tributária sobre combustíveis fósseis, pois interferem com a reação de mercado. Sim, há sempre a possibilidade de argumentar que a tributação em si já afeta o funcionamento do mercado, mas noto que: (a) há consequências negativas no uso de combustíveis fósseis (poluição, por exemplo) que não são integralmente capturadas nos preços, justificando em alguns casos a tributação; e (b) uma coisa é discutir o nível correto da tributação de combustíveis, outra, bastante distinta, é alterar impostos para mascarar a flutuação de preços sem maiores ponderações sobre seus efeitos colaterais.

Por fim, muito embora os R$ 5,7 bilhões/ano arrecadados pela CIDE representem parcela irrisória (cerca de 0,5%) da receita do governo federal, o quadro fiscal é grave o suficiente para não justificar medidas de renúncia tributária, ainda mais no caso da gasolina, que beneficiaria desproporcionalmente a parcela mais rica da população.

Mesmo que estas propostas não se concretizem, esta discussão é reveladora a fragilidade do ambiente institucional brasileiro.

Regras existem precisamente para dar previsibilidade, e não apenas econômica, para quem vive em sociedade. Se formos discutir mudança de regras em reação a cada evento que nos contrarie, não é difícil concluir que o quadro institucional não é estável.

E ainda há quem procure a razão do baixo investimento no país...




(Publicado 23/Mai/2018)

terça-feira, 22 de maio de 2018

O dólar e a viagem a Portugal


Por que o dólar subiu tanto? Fácil: porque passei 10 dias no exterior (Portugal, participei de prova de ciclismo no Douro, incrível, obrigado por perguntar) e sempre que viajo para fora o dólar dá um jeito de subir, pelo menos até que pague a fatura do cartão do crédito...

Entendo, porém, que nem todo mundo compartilhe minha opinião. Neste caso, o melhor é olhar o que está acontecendo globalmente com o dólar, que tem se valorizado face às demais moedas mundiais, embora, é claro, não na mesma proporção. Um euro, por exemplo, comprava cerca de US$ 1,24 há cerca de um mês; hoje compra menos do que US$ 1,20.

Parte do fortalecimento da moeda norte-americana se deve às tensões geopolíticas. O dólar costuma ser visto como um porto seguro para aplicações, mesmo quando os EUA estão no centro da turbulência, seja ela política, como hoje, seja econômica, como, por exemplo, durante a crise financeira no final de 2008.

Outra parte da história se deve à percepção que a inflação americana, ainda que permaneça em patamares relativamente baixos, finalmente começou a se mover.

Assim, o IPC, deduzidos alimentos e combustíveis, ultrapassou a marca de 2% nos últimos 12 meses pela primeira vez desde fevereiro do ano passado. A medida favorita do Federal Reserve, o deflator do consumo (também livre de alimentos e combustíveis) segue um pouco abaixo disto (1,9% nos 12 meses até março), mas a tendência de elevação é também visível.

Obviamente não se trata de aceleração descontrolada, longe disto, mas tais números se traduzem em probabilidades mais elevadas de aumentos da taxa de juros americana além do que era esperado no começo do ano. Assim, a taxa de juros de 10 anos do Tesouro americano, que embute as perspectivas de alterações das taxas de juros mais curtas, veio de 2,5% aa para 3,0% aa do começo do ano para cá.

Aos poucos, portanto, as condições financeiras vão finalmente se normalizando, 10 anos depois da crise de 2008. Isto significa que a enorme liquidez mundial que caracterizou este período deve declinar gradualmente, processo liderado pela economia cuja recuperação foi mais longe, os EUA, o que, naturalmente, implica dólar mais forte.

A reação de cada moeda, contudo, não deve ser, a princípio, a mesma, muito embora o impulso original o seja. Características específicas de cada país, como a extensão do seu desequilíbrio externo (portanto a necessidade de recorrer a capitais internacionais), ou problemas fiscais, modulam a resposta das moedas à mudança internacional.

Assim, moedas de países com elevados desequilíbrios externos, como a lira turca, sofreram forte desvalorização.

Já no caso do Brasil o problema é, como de praxe, fiscal. A dívida governamental já ultrapassou 75% do PIB e o déficit operacional recorrente do setor público permanece na casa de 5% do PIB.

Mais relevante, porém, do que os números é a noção que o quadro político não colabora para a solução dos desequilíbrios nas contas públicas. Pelo contrário, o que se vê é o predomínio da hostilidade ao processo reformista e, portanto, a desvalorização da moeda.

Prevalece, apesar disto, o fato do país ser credor em moeda estrangeira, fenômeno que limita a realimentação da fraqueza do real para os balanços dos setores público e privado. Isto não soluciona a questão fiscal, mas ganha tempo para o país decidir se irá (ou não) tomar o rumo correto.




(Publicado 9/Mai/2018)

terça-feira, 15 de maio de 2018

Picaretagem mutante


Uma das maiores picaretagens do debate econômico brasileiro é a tal “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, conceito inventado pelos que hoje se denominam “novo desenvolvimentistas”, mas a quem considero apenas como uma mutação dos tradicionais keynesianos de quermesse, os mesmos que jogaram o país da pior recessão dos últimos 40 anos, da qual estamos, aos poucos, nos desvencilhando.

Pergunte a um dos membros da seita qual é a “taxa de câmbio de equilíbrio industrial” e a resposta virá na ponta da língua, como fez recentemente o “consigliere” econômico de Ciro Gomes, Nelson Marconi: “entre R$ 3,80 e R$ 4,00”, inclusive com um intervalo de confiança para dar a impressão de um cálculo a sério desta grandeza.

Pergunte a um dos membros da seita como chegaram a este número (e, claro, também o intervalo de confiança) e a resposta será um silêncio constrangedor, pois nada mais é do que a taxa de câmbio observada em 1988, trazida a valor de hoje pelo diferencial de inflação entre o Brasil e os EUA.

E por que 1988? Porque naquele momento, segundo o autor da estimativa, o mesmo Marconi, a taxa de câmbio estava próxima à média observada entre 1968 e 1979 (juro que é o que está escrito), período em que sua relativa estabilidade é tomada como sinal da capacidade dos gestores de política econômica no sentido de evitar a sobrevalorização da moeda.

Curiosamente não se faz qualquer menção aos maciços desequilíbrios externos do período, que testemunhou déficits externos crescentes (medidos a preços de hoje), de US$ 4 bilhões (31% das exportações) em 1968 para US$ 36 bilhões (70% das exportações) em 1979, levando ao crescimento da dívida externa (também a preços de hoje) de US$ 28 bilhões para US$ 188 bilhões...

O valor mágico obtido no estudo publicado no final de 2012 era R$ 2,67, que, ajustado ao diferencial de inflação, equivaleria hoje a R$ 3,80. Apesar de todo blábláblá sobre a evolução do custo unitário do trabalho em cada economia (basicamente a comparação do salário industrial ajustado pela produtividade), não há nenhum esforço no sentido de, na prática, incorporar esta informação.

Se não fui bem claro, permitam-me sê-lo: a estimativa original é um chute sem qualquer base empírica; já sua atualização é outro chute, que ignora inclusive aquilo que o autor considera essencial (o custo unitário do trabalho).

No campo das elucubrações acadêmicas é uma monstruosidade. Se levado a cabo como base da política econômica, sentiremos saudades do tempo em que era apenas uma curiosidade acadêmica.

Como mostrado pela análise pioneira de Afonso Pastore e Maria Cristina Pinotti em seu livro Inflação e Crise, muito do descontrole inflacionário observado no final dos anos 70 e durante os anos 80 resultou precisamente de políticas que tentaram fixar a taxa de câmbio real (isto é, corrigida pela inflação), postura que implicava o abandono de qualquer âncora nominal para os preços, seja a taxa de câmbio, seja a política monetária.

Não há razão para esperar que novas tentativas de fixar a taxa real de câmbio no nível mágicos tragam consequências distintas, ainda mais num ambiente de desequilíbrio fiscal, que os mutantes pretendem combater eliminando desperdícios.

Sim, eu sei que já usei a frase “não aprenderam nada e não esqueceram nada”, mas como evitá-la, quando os mutantes se encaixam tão bem nesta descrição?



(Publicado 9/Mai/2018)

quarta-feira, 9 de maio de 2018

Amai, para entendê-los


Quando falamos do mercado de trabalho no Brasil há números para todos os gostos: a taxa de desemprego, que havia caído a 11,8% em dezembro, subiu para 13,1% em março, culpa, claro, da reforma trabalhista. Por outro lado, houve criação de 195 mil postos de trabalho formal no primeiro trimestre do ano, prova inequívoca que a reforma trabalhista teve resultados extraordinariamente positivos. Onde está a verdade?

Ora (direis), se buscamos a verdade nos dados, é preciso entendê-los. A começar porque, como escrevi uns meses atrás, o comportamento do mercado de trabalho não é uniforme ao longo do ano, o que, aliás, é uma característica de quase tudo que interessa na economia.

Não tenho dúvida, por exemplo, que ririam de quem afirmasse que a economia estava “bombando” no final do ano passado porque as vendas no varejo em dezembro cresceram 23% na comparação com novembro (“e o Natal, cara-pálida?”), ou de quem tomasse a queda de quase 11% da produção industrial no mesmo intervalo como evidência de uma profunda recessão em curso (“e o Natal, cara-pálida?”).

Fato óbvio, mas negligenciado quando se fala do mercado de trabalho, é que há um comportamento sazonal visível nas variáveis econômicas: vendas crescem no Natal, a produção industrial cai durante o carnaval e, no caso do emprego e do desemprego, as coisas não são diferentes.

Tipicamente a taxa de desemprego sobe de dezembro a março e aí cai gradualmente para atingir o menor nível do ano em dezembro, quando então reinicia o ciclo. Processo semelhante ocorre com a criação de empregos formais, exceto que, por questões de registro, é em dezembro que costuma haver forte queda do emprego formal, mesmo em anos de grande expansão (em 2010, por exemplo, ano em que foram criados mais de 2 milhões de postos, houve retração de cerca de 400 mil em dezembro).

Há duas formas de lidar com o problema. Ou comparamos sempre com o mesmo mês do ano anterior (e perdemos a informação do que ocorreu no meio do caminho), ou fazemos o que se convencionou chamar de ajuste sazonal, isto é, “limpamos” por meios estatísticos as flutuações puramente sazonais, o que nos permite concentrar no comportamento “real” da série.

No caso, o desemprego de 13,1% em março deste ano compara-se a 13,7% no mesmo mês de 2017, redução de 487 mil no número de desempregados. Já fazendo o ajuste sazonal notamos que o desemprego atingiu um pico de 12,9% no primeiro trimestre de 2017, caiu para 12,8% no segundo trimestre, 12,6% no terceiro, registrou um leve aumento para 12,7% no quarto, e voltou a cair para 12,3% no primeiro trimestre deste ano.

Da mesma forma, a geração de empregos formais foi negativa até o terceiro trimestre do ano passado, voltando a terreno positivo no quarto trimestre (134 mil postos) e no começo deste ano (106 mil).

Houve, portanto, redução modesta do desemprego desde o começo de 2017, e retomada, também moderada, das contratações formais, esta última fenômeno mais recente, desenvolvimentos que reforçam a percepção de uma economia que se recupera lentamente.

A propósito, nada disto guarda qualquer relação com a reforma trabalhista, cujos efeitos só devem se materializar em prazos bem mais longos, mas serve para ilustrar como o debate econômico não progride se não houver um pouco mais de entendimento dos números e um pouco menos de desonestidade por parte de alguns analistas.



(Publicado 2/Mai/2018)

terça-feira, 1 de maio de 2018

As reservas desconhecidas


A acumulação de reservas ajudou o país a se tornar mais estável. O processo que se iniciou em janeiro de 2004 dotou o país de um volume expressivo de divisas que podem ser usadas em caso de alterações bruscas nas condições financeiras globais.

No final de 2008, por exemplo, o BC ofertou dólares, inclusive para o financiamento das exportações, quando os bancos internacionais se retraíam. Isto limitou o contágio e permitiu a recuperação mais rápida da economia naquele momento em comparação a um cenário em que empresas não tivessem acesso a esta modalidade de crédito.

Há, obviamente, uma discussão ainda em curso sobre os benefícios e os custos das reservas, o que naturalmente desemboca na pergunta do nível ótimo de reservas, mas não é deste assunto que pretendo tratar aqui.

Menos conhecida, mas não menos importante, é a acumulação privada de ativos estrangeiros, principalmente na forma de investimentos diretos. Em parte pela liberação a partir de abril de 2005 (empresas tinham antes que obter permissão para investirem mais do que US$ 50 milhões no exterior), em parte por sua maior integração à economia global, houve um aumento apreciável do estoque de investimentos brasileiros no exterior.

Considerando apenas a participação no capital, ao final de 2017 o investimento brasileiro atingiu US$ 333 bilhões (contra US$ 54 bilhões em 2004). Somado aos empréstimos a subsidiárias e controladoras, isto chegou a US$ 359 bilhões no final do ano passado, pouco inferior às reservas (US$ 375 bilhões).

Tal desenvolvimento tem consequências importantes. Embora o país ainda apresente um passivo externo (dívidas e investimentos estrangeiros) superior ao seu ativo (US$ 1,6 trilhão contra US$ 861 bilhões), a composição de passivos e ativos em termos das moedas se tornou bem mais favorável ao Brasil.

Colocado de forma bastante simples, “devemos” a estrangeiros em reais (o equivalente a US$ 1 trilhão) e somos seus “credores” em dólares (US$ 320 bilhões). Assim, quando o real perde valor, tanto o governo quanto o setor privado veem seus ativos em dólares protegidos, enquanto seus passivos encolhem.

Isto não é uma teoria. Entre junho e dezembro de 2008, quando o dólar saltou de R$ 1,60 para R$ 2,40 (desvalorização de 50%) o passivo externo total caiu de US$ 1 trilhão para US$ 665 bilhões. Da mesma forma, quando o real se depreciou quase 50% ao longo de 2015 o passivo externo encolheu de US$ 1,5 trilhão no final de 2014 para US$ 1,2 trilhão no final de 2015. Em ambos os eventos, os ativos externos ficaram praticamente inalterados.

No caso do setor privado, embora empresas brasileiras tenham dívidas no exterior, o balanço do conjunto delas mostra ativos em dólares um pouco maiores do que passivos (algo como US$ 22 bilhões). Para o setor público, a diferença é ainda maior: quase US$ 300 bilhões.

Assim, ao contrário do que ocorreu em outros momentos, a desvalorização da moeda nacional não deve piorar a situação de endividamento do setor privado, nem do setor público. O primeiro, em seu conjunto, registraria ganhos modestos, enquanto o segundo teria ganhos bem mais expressivos.

A liberação do mercado de câmbio em 2005 tornou as empresas menos vulneráveis aos movimentos do dólar, movimento voluntário e que, portanto, reflete o balanço de incentivos e riscos do setor privado.

Mais uma lição a ser estudada, num país que resiste como poucos ao aprendizado.




(Publicado 25/Abr/2018)