Elvis não morreu. Encontrei-o no Senado ontem.
Convidei-o para tomar uma cachaça. É difícil de acreditar, mas ele recusou. Não bebe nem cheira mais. Virou especialista em contabilidade. Acompanhou-me ao bar e pediu um copo de água sem gelo. Elvis me garantiu:
— É possível afirmar, com convicção, que inexiste déficit da Previdência Social ou da Seguridade Social.
Explicou-me que quando o Tribunal de Contas da União (TCU), usando metodologia reconhecida, aponta um déficit de 226 bilhões de reais em 2016, está apresentando apenas uma abstração.
— Você já viu 226 bilhões de reais? Lembra o apartamento do Geddel? Eram malas e malas e só tinha uns 50 milhões. Atenção: milhões, não bilhões. Estou lhe dizendo: não existem 226 bilhões de reais. Nem você nem ninguém vai me provar o contrário.
Achei que fazia sentido. Eu, por exemplo, nunca vi mais do que 20 mil reais na minha conta… E isso foi quando recebi a herança da tia Cotinha, que Deus a tenha.
Mas fiquei intrigado. Por que então o governo, a imprensa, o TCU, as instituições internacionais, praticamente todos os economistas batem na tecla da necessidade de reformar a Previdência?
Já ouvi por aí que o gasto da Previdência estaria crescendo e iria sufocar outras despesas. E que o Brasil gasta com Previdência o mesmo que países muito mais velhos.
Elvis explicou-me:
— Conspiração! São as mesmas pessoas que insistem que eu morri. Não sei as intenções… Talvez queiram vender planos de Previdência privada! O boato de meu passamento foi para vender seguros de vida… Aumenta 10% a venda de apólices sempre que a mídia sugere que não estou vivo!
É um ângulo interessante. Faz algum sentido.
— Os poderosos querem fazer as pessoas acreditarem que a morte é inevitável. É uma mentira milenar! Sustenta igrejas, especuladores de terras, cemitérios. A indústria de caixões movimenta bilhões de dólares todo ano. E olha eu aqui, 82 anos, mesma aparência que tinha em 1960! Eu disse “não” aos mentirosos e aqui estou.
Entendi, pela primeira vez em minha vida: a morte não é inevitável. Basta olhá-la nos olhos e dizer “você não existe”. Aos alarmistas de sempre: o déficit da Previdência não existe.
Lembrei-me das minhas aulas de sociologia. O déficit é uma construção social, como a aritmética. Certamente não foi criado para melhorar a vida das pessoas – ao contrário! Quais os interesses escondidos? Dominação por extraterrestres? Ou meramente eles… os ianques!?
Eu sei que você não deve estar acreditando em mim. Negar o déficit da Previdência parece algo absurdo. Afinal, a aritmética não nega. É também um erro arriscado. Já vimos como o Rio de Janeiro está sofrendo em grande parte por causa dos custos da aposentadoria dos servidores lá. Ok, admito, não vou insistir em convencê-los de que o déficit não existe.
Mas que eu encontrei o Elvis… juro que encontrei.