Semana passada
analisamos os efeitos da política comercial de Donald Trump, cujo objetivo
declarado é repatriar a produção de manufaturas transferida para o exterior. Se
levada adiante, teria consequências negativas para a economia americana.
Como o país se encontra
próximo ao pleno-emprego, o espaço para a expansão não inflacionária é
reduzido. O aumento de postos de trabalho resultante da maior produção local teria
que ser compensado por redução em outros setores, através da elevação da taxa
de juros. Adicionalmente, a realocação de mão-de-obra contrária às forças de
mercado levaria à redução da produtividade geral, agravando a questão
inflacionária.
Estes efeitos, contudo,
são modestos face aos provenientes da proposta de política fiscal. Em grandes
linhas, esta consiste de uma drástica simplificação de impostos para indivíduos
e empresas, reduzindo incentivos fiscais, assim como um corte expressivo das
alíquotas. Há também a possibilidade de um aumento de gastos com infraestrutura
na casa de US$ 500 bilhões distribuídos ao longo de quatro anos.
De acordo com análise do Tax Policy Center, as medidas
tributárias teriam efeitos positivos em termos de “incentivos para trabalhar,
poupar e investir, bem como potencial para simplificar o código tributário”. Seus
impactos sobre a distribuição de renda, porém, seriam pesadamente regressivos.
Ainda que a redução de
impostos beneficiasse todos os segmentos de renda (média de US$ 5.100, ou 7% da
renda líquida), os maiores ganhos se materializariam nas faixas de renda mais
elevada. Assim, o corte de impostos para famílias de renda média (os 20% abaixo
dos 40% mais ricos e acima dos 40% mais pobres) elevaria seus rendimentos após
impostos em quase 5%; já para os 20% mais ricos o ganho seria da ordem de 10%,
enquanto para aqueles no topo da pirâmide (1% mais ricos), o impacto seria
equivalente a 18% da renda líquida.
Por outro lado
estima-se que tais cortes produziriam um déficit adicional da ordem de US$
11,2 trilhões nas contas públicas nos 10 anos posteriores à sua adoção, o que,
mesmo sem elevação das taxas de juros, aumentaria a dívida pública em quase 80%
do PIB até 2036, praticamente o dobro das projeções mais recentes do Congressional Budget Office.
Haveria, portanto, um
estímulo de demanda da ordem de 5-6% do PIB, que poderia ser ainda maior caso os
investimentos em infraestrutura se tornem realidade. Todavia, conforme notado
no início desta coluna, há fortes razões para crer que a economia americana
opera hoje próxima a seu potencial. Sob estas circunstâncias, como pudemos
aprender com a experiência brasileira recente, o estímulo fiscal se traduz, em
larga medida, em novas tensões inflacionárias, assim como maior demanda por
importados, mesmo sob mais proteção.
Neste contexto não
chega a ser surpreendente o comportamento do mercado de juros, que passou a
indicar aumento mais agressivo das taxas após a eleição, processo que pode se
agravar caso a proposta seja de fato adotada. Assim, o fortalecimento do dólar, pelo
menos no curto prazo, também não é surpresa.
Já do nosso ponto de
vista estes desenvolvimentos sugerem que a janela para o Brasil se ajustar está
se fechando. Sem uma ação decidida agora, teremos problemas mais à frente.
(Publicado 23/Nov/2016)