Não é a primeira vez
que reclamo da qualidade do debate econômico. Qualquer um se acha capacitado
para opinar acerca de assuntos que não domina, chegando a conclusões
definitivas sobre o tópico muito antes de ter sequer examinado o problema. O
caso do PEC 241, que propõe um teto de gastos para o governo federal, não é
exceção a esta regra universal.
Vejam, por exemplo, a
pérola de Vladimir Safatle, aqui na Folha: “o Brasil gasta 3.000 dólares por
aluno do ensino básico, enquanto os outros países da OCDE (...) gastam, em
média, 8.200 dólares”, concluindo que a situação piorará nos próximos 20
anos, por conta e obra da PEC 241.
À parte comparar o
Brasil (renda per capita ao redor de US$ 15 mil) com países bem mais
ricos (renda per capita média na casa de US$ 37 mil), Safatle se “esquece”
de mencionar que: (1) o gasto com educação básica (¾ da despesa pública com educação
em geral)
é de responsabilidade de estados e municípios, que não estão sujeitos ao teto (assim como o Fundeb); (2) este gasto representa 18% da despesa
pública total, o que colocaria o Brasil em terceiro lugar entre países da OCDE,
bem acima da média; (3) o gasto total com educação no
Brasil é de 5,6% do PIB, pouco superior à média da OCDE (5,2% do PIB); (4) apesar disto, os resultados do país
são lamentáveis (58º entre 65 países no exame PISA); e, finalmente, (5) a PEC não limita o gasto
com educação, que pode subir mais do que a inflação, desde que outras despesas cresçam
menos.
Alguns destes pontos
requerem 15 minutos de pesquisa; outros seriam esclarecidos com a mera leitura da PEC 241, que anuncia
sua aplicação apenas para o governo federal no artigo 101, enquanto o artigo
104 deixa claro haver piso (mas não teto) de gasto em saúde e educação. Isto
dito, para que se dar ao trabalho de ler a proposta e pesquisar se a conclusão
está tomada a priori?
Fosse apenas Safatle, não
haveria porque perder tempo com a questão, mas está longe de ser o caso. Eu
poderia apontar incongruências, esquecimentos e falácias (quando não pura e
simples desonestidade) perpetrados por vários outros que se manifestaram a
respeito cometendo essencialmente o mesmo pecado, qual seja, atirar primeiro e
“pesquisar” depois apenas para justificar o disparo. Não é por outro motivo que
tanto o IPEA quanto o IBRE/FGV, dois institutos de
respeito, tiveram que vir a público recentemente para desautorizar o
posicionamento de alguns pesquisadores.
Já os que se baseiam em
dados (não estatísticas escolhidas a dedo) e simulações com base em premissas
razoavelmente realistas acerca do desempenho econômico possível acabam chegando
a certo consenso que pode ser resumido da seguinte maneira.
Em primeiro lugar o
ajuste proposto é extraordinariamente gradual. Se tudo funcionar a contento (e
enfatizo o “se”), o gasto federal só retornaria aos níveis (já elevados) de
2014 entre 2019 e 2020, enquanto o endividamento não se estabilizaria até
2022-2024.
Em segundo lugar, é só
começo. Sem a reforma da previdência o teto se tornará insustentável bem antes
da revisão prevista para o décimo ano de sua vigência.
Finalmente, como muito bem exposto por Samuel
Pessoa,
trata-se de nossa última oportunidade: sem o teto o que nos sobra é ficar na
chuva inflacionária que conhecemos como poucos.
(Publicado 19/Out/2016)