Até agora a principal
diretriz anunciada pela equipe econômica é a ideia de um teto para as despesas
federais, corrigido pela inflação passada. A mecânica da proposta é simples: o
valor do PIB aumenta de acordo com a inflação e com o crescimento real do
produto; assim, desde que o segundo componente seja positivo, o teto das
despesas cairia relativamente ao PIB.
Em particular, caso os
números da Lei de Diretrizes
Orçamentárias aprovada na semana passada estejam corretos, as
despesas atingiriam R$ 1,2 trilhão este ano (18,7% do PIB), enquanto as
receitas, líquidas de transferências a estados e municípios, se limitariam a
16% do PIB, ou seja, um déficit primário equivalente a 2,7% do PIB.
Neste caso, segue o
raciocínio, se o PIB crescer a uma média de, digamos, 2% ao ano, mesmo mantendo
a receita líquida na casa de 16% do PIB, em 2020 o governo federal voltaria a produzir
um modesto superávit. Já se a receita líquida retornasse ao patamar de
17,5-18,0% do PIB dos últimos anos, seria possível gerar superávits ainda em
2018.
No entanto, como deve
ter ficado claro na construção do parágrafo anterior, há um bocado de “ses” amparando esta conclusão, alguns
deles explícitos (“se o PIB crescer x%”; “se a arrecadação se recuperar”); outros
implícitos.
Nesta última categoria
se enquadra a correção do teto de despesas pela inflação passada. De fato, num
cenário de inflação mais ou menos constante (talvez válido no longo prazo) podemos
tomar como verdadeiro o raciocínio acima, mas, caso busquemos uma inflação em
queda ao longo dos próximos anos, teremos um problema não contemplado pela
proposta governamental.
Imagine, por exemplo,
que as previsões de inflação para este ano (7,1% segundo a pesquisa Focus)
e para o próximo (5,5%) se concretizem. Isto significaria que em 2017 o teto
seria reajustado em 7,1%, mas a inflação seria apenas 5,5%, ou seja, as
despesas teriam autorização para crescer 1,5% acima da inflação. O mesmo
fenômeno se repetiria (em menor escala) em 2018, caso a previsão do Focus
(5,0%) se verifique.
Considerando ademais
que o crescimento deverá ser baixo em 2017 (o consenso é 0,5%), o teto de
despesas provavelmente aumentaria mais que o PIB no ano que vem.
Posto de outra forma,
ainda que esta sistemática possa ajudar a conter as despesas ao longo de vários
anos, nos próximos dois, precisamente quando mais necessário, sua eficácia
seria bastante reduzida caso a inflação retorne, mesmo gradualmente, à meta.
Idealmente, portanto, o
teto não deveria ser reajustado pela inflação do ano anterior, mas do próprio
ano, que, inconvenientemente, insiste em se manter desconhecida até o início do
período seguinte. Na prática, portanto, o reajuste deveria seguir a previsão
de inflação para o ano. Mas qual?
Acredito que esta
tarefa deveria recair sobre as projeções já preparadas pelo BC em seus Relatórios
de Inflação.
O BC não teria
incentivo para produzir estimativas exageradas (que elevariam gastos), pois
teriam efeitos nefastos sobre expectativas de inflação. Já se forem
subestimadas (como normalmente são), sua própria correção ao longo do ano
poderá atualizar o reajuste, evitando maiores distorções.
O tema ainda merece
outros comentários, que, por falta de espaço, ficam para as próximas semanas.
(Publicado 1/Jun/2016)
7 comentários:
O governo Temer só vai até 2018. Não existe nada no horizonte que aponte com segurança que partido governaria o pais.
Ontem saiu uma matéria que mostra juizes e promotores perseguindo jornalistas, por divulgarem os valores pagos a estes funcionários publicos.
Existe algum fator que possa nos animar?
O raciocinio dos economistas é algo como: "Se você fizer um pouco de atividade fisica seu colesterol baixa, você ganhando massa muscular naturalmente vai melhorar seu metabolismo, mas tudo vai depender de você"
Professor Alexandre. Você compartilha da opinião que com a mudança de governo ficou claro que o problema é muito pior,por que a Dilma era uma parte do problema, ou você consegue ver alguma coisa positiva no horizonte?
A confusão,pelo menos para mim, é que alguns apontam alguma melhora imediata, enquanto outros identificam problemas estruturais de muito mais dificil solução.
Alex,
Tenho uma dúvida que não tem nada a ver com teu artigo, que está ótimo. Veja se consegue me ajudar.
As concessões de crédito direcionado representam um pouco mais de 10% das concessões totais da economia na média de 2012 pra cá.
Como compatibilizar isto com seu argumento de que a Selic é alta no Brasil por causa do crédito direcionado, que representa uma parcela tão pequena das concessões?
A única forma que vejo é dizendo que o importante é o estoque (e não as concessões) de crédito, onde o direcionado representa cerca de 50%. Mas nesse caso é bem menos intuitivo o raciocínio. Se existe pressão de demanda na economia vinda de setores que tem acesso a crédito direcionado, então deveríamos tratar das concessões e não do estoque, pois as concessões que representam a demanda criada naquele momento.
O que pensa a respeito?
Abs,
Economista X
"Você compartilha da opinião que com a mudança de governo ficou claro que o problema é muito pior,por que a Dilma era uma parte do problema, ou você consegue ver alguma coisa positiva no horizonte?"
Temos uma equipe econômica que entendeu o problema, primeiro (e essencial) passo para resolvê-lo; mas no contexto de um governo fraco, cujo apoio no Congresso é incerto e dependente de barganhas políticas complicadas, para dizer o mínimo. Sigo pessimista.
Oi, Alexandre, tudo bom?
Gostaria de saber como você chegou à conclusão segundo a qual o saldo primário será positivo a partir de 2020. Se você descontar 2% do valor 18,7% a partir de 2017, então a despesa primária como proporção do PIB só cairá abaixo de 16% a partir de 2024.
Poderia me explicar?
Um abraço,
Rafael.
"O que pensa a respeito?"
Boa pergunta. Tenho que refletir com mais cuidado, mas, ao menos tentativamente, será que o estoque passado não tem influência em variáveis correntes, por exemplo, volume inicial de financiamento superior ao montante inicial de dispêndio, e as sobras usadas para dispêndio posterior?
Abs
"Se existe pressão de demanda na economia vinda de setores que tem acesso a crédito direcionado, então deveríamos tratar das concessões e não do estoque, pois as concessões que representam a demanda criada naquele momento."
Os bancos têm custos, que são cobertos pelo rendimento do estoque de créditos no ativo. Por isso, o que realmente importa é o estoque. Se o bancos são obrigados a praticar juros artificialmente baixos numa ponta, eles recompõem subindo a remuneração na outra (crédito livre).
As concessões no crédito direcionado são proporcionalmente menores provavelmente porque o prazo médio dos financiamentos é mais longo.
"Como compatibilizar isto com seu argumento de que a Selic é alta no Brasil por causa do crédito direcionado, que representa uma parcela tão pequena das concessões?"
Perdão. Agora vi que você se referia à Selic, e não aos "spreads" no mercado de crédito livre.
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