Como sempre, a
presidente não desperdiçou a chance de perder uma oportunidade. Ao publicamente
advertir seu recém-empossado ministro do Planejamento acerca das mudanças nas
regras que determinam o reajuste anual do salário mínimo (SM) ela conseguiu a
proeza de cometer erros econômicos e políticos absolutamente primários.
De acordo com a norma
vigente o SM é reajustado pela inflação do ano anterior (medida pelo INPC, o
“irmão pobre” do índice oficial de inflação, o IPCA), combinada ao crescimento
do PIB de dois anos atrás.
Por exemplo, o INPC de
2014 deve ter atingido em torno de 6,2%, enquanto o crescimento do PIB de 2013
ficou em 2,5%. Assim, o reajuste do SM foi acertado (provisoriamente, pois
ainda precisamos saber o INPC de dezembro) em 8,8%, o que o trouxe de R$ 724,00
para R$ 788,00 por mês.
A regra atual implica,
portanto, aumento do SM persistentemente acima da inflação (o crescimento do
PIB pode ser negativo, mas, na prática, quando isto ocorre o reajuste fica
igual à inflação), o que, aliás, se observa desde a estabilização da economia
em 1994. No governo FHC o SM aumentou 4% ao ano acima da inflação, enquanto nos
governos Lula e Dilma este ganho atingiu 4,8% ao ano. De 1994 para cá,
portanto, houve aumento real superior a 140%.
O problema, no caso, é
que boa parte do gasto federal está de alguma forma ligado à evolução do SM, em
particular as despesas previdenciárias. Estima-se que a cada 10% de aumento do
SM os gastos subam cerca de R$ 25 bilhões/ano (0,5% do PIB), ou seja, em 2015 a
elevação já definida adiciona algo como R$ 22 bilhões (0,4% do PIB) às despesas
federais.
À luz disto, qualquer
economista que tenha estudado as contas públicas sabe que a política de aumento
persistente do SM acima da inflação é insustentável. O atual ministro do
Planejamento – que aparentava desconhecer o problema enquanto esteve na equipe
de Guido Mantega – parece ter finalmente se convencido de sua relevância. Daí
seu anúncio, rapidamente desmentido, sobre as alterações das regras atuais.
No entanto, a bronca
presidencial pública parece não ter considerado uma série de questões.
A mais óbvia diz
respeito à autonomia da equipe econômica. Como já tive oportunidade de explorar
neste espaço, a única forma de a
presidente persuadir o público que não pretende manter a desastrosa “nova
matriz macroeconômica” requer uma equipe que não se sujeite ao papel de
marionetes, como foi o caso do primeiro mandato. Há dúvidas consideráveis a
este respeito (eu, por exemplo, sigo longe de convencido) e o episódio da
bronca apenas adiciona ao clima de incerteza. Isto implica custos mais elevados
em termos de produto para ajustar a economia.
Não bastasse isto, as
regras vigentes já resultariam numa elevação muito modesta do SM em 2016 e
2017, pois o crescimento do PIB em 2014 e 2015 deve ser muito baixo, conforme
expresso na versão mais recente da pesquisa Focus do BC, que sugere
expansão de 0,15% e 0,50% respectivamente.
Posto de outra forma, a
presidente diminuiu de graça a estatura de seu ministro, pagando um custo
elevado em termos de credibilidade em troca da sugestão de manter uma política
que implicaria ganho real do SM inferior a 1% nos próximos dois anos.
É compreensível que a
presidente esteja na defensiva após ter quebrado as promessas de não mexer nos
direitos trabalhistas (“nem que a vaca tussa”), mas isto não é
desculpa para ter incorrido em erro tão elementar.
Neste aspecto é
revelador que a presidente não pareça ter refletido sobre a melhor resposta a
um problema que, no final das contas, seria trivial em face das circunstâncias
esperadas. Ela ainda não caiu em si sobre a enormidade da tarefa que enfrenta e
segue tentada a manter a atitude centralizadora, deixando pouco espaço para sua
nova equipe formular o ajuste necessário. Um péssimo sinal sobre o que nos
aguarda à frente.
Ops! |
(Publicado 7/Jan/2015)
7 comentários:
Salário mínimo é uma das coisas mais nefastas já inventadas e propagada como grande benefício.
O aumento acima da inflação associado a um governo gastador só agrava o problema das contas públicas.
Mas todos sabemos para quem vai a conta de todo esse populismo.
Alex, finalmente encontrei algo do qual discordo.
O SM é definido por lei, não por ministro, nem mesmo o presidente sozinho determina isso.
Pela sua própria lógica quem perdeu a grande chance foi o ministro em questão; por esmola de 1% ele acabou tomando mordida do cachorrão pra lembrar quem manda lá. Bem ou mal, ela que foi eleita.
Mas fora isso concordo contigo, essa autonomia está na coleira, resta saber o comprimento da corrente.
"O SM é definido por lei, não por ministro, nem mesmo o presidente sozinho determina isso."
Sim, mas:
a) Basta a presidente mandar uma MP e mudar a lei, que, aliás, foi criada por MP;
b) A lei vale até 2016 (pode ser 2017, agora não lembra). A discussão seria para depois.
A coleira parece curta.
Abs
Como se as leis valessem alguma coisa nesse país.
“Estima-se que a cada 10% de aumento do SM os gastos subam cerca de R$ 25 bilhões/ano (0,5% do PIB), (...). À luz disto, (...) a política de aumento persistente do SM acima da inflação é insustentável.”
No texto, não está claro se o valor estimado é gasto ou uma espécie de “gasto líquido”?
Pergunto isso, pois para se chegar à conclusão acima se deve considerar também o aumento de arrecadação para cada 10% de aumento do SM. Não está claro como esse aumento é considerado ou se ele é desprezível comparado ao aumento de gastos.
Abs,
Qual a razão de um ministro desses aceitar essas e outras?
Anônimo (14h24),
Chama-se ego, a vontade de ser chamado de ministro, não importa o que aconteça.
Quando ele voltar pra FGV vai ganhar uns 10k a mais só por ter sido ministro.
Abs.
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