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quarta-feira, 27 de agosto de 2014

No mato sem coelho

Há momentos em que minha fé no debate econômico de alto nível, já não muito profunda, confesso, desaparece de vez e frequentemente por conta dos mesmos culpados. No caso, trata-se de mais um artigo de Yoshiaki Nakano (Valor Econômico, 12/agosto) em que o autor, mantendo a característica de opinar sobre o que pouco entende, produziu a seguinte gema: “Numa política monetária (sic) de metas de inflação é muito mais razoável considerar as taxas médias dos últimos três meses como medida de inflação do que a taxa acumulada de inflação dos últimos 12 meses, como faz o Banco Central do Brasil”.

Minha impressão seria levemente menos negativa se o autor tivesse perpetrado tal afirmação em qualquer período de três meses ao longo de 2014 que não fosse este terminado em julho.

De fato, segundo a peculiar medida proposta pelo professor, a inflação do primeiro semestre teria registrado um mínimo de 6,3% ao ano em junho e máximo de 9,0% ao ano em fevereiro e março, muito acima da meta.

Imagino, portanto, que o silêncio de Nakano sobre o assunto na primeira metade do ano e a materialização da proposta precisamente no único mês de 2014 em que a inflação acumulada no trimestre ficou abaixo de 4,5% deva ser mera coincidência e jamais manifestação de oportunismo sobre a sazonalidade mais favorável da inflação no terceiro trimestre.

De qualquer forma, o problema com a ideia é bem mais sério do que a escolha a dedo do período e a desconsideração de fatores sazonais.

Para começar porque nenhum BC que siga o regime de metas para a inflação toma decisões com base na inflação passada, seja em 3, 6 ou 12 meses. O máximo que um BC pode fazer acerca da inflação acumulada nos últimos 12 meses é avaliar se suas escolhas anteriores de política monetária foram adequadas ou não. Pode ser surpreendente para Nakano, mas decisões sobre taxas de juros hoje não conseguem mudar a inflação passada. O tempo, este ser voraz, insiste em correr numa única direção...

Ademais, os efeitos da política monetária costumam se manifestar sobre a inflação com defasagem considerável.  BCs tomam decisões hoje que irão afetar a inflação alguns trimestres à frente, o intervalo preciso dependente das características particulares de cada economia.

Não é, portanto, o passado, mas a perspectiva sobre o futuro, considerando inclusive a própria ação do BC, que guia as decisões acerca da taxa de juros. Aliás, é por este motivo que BCs adeptos do regime de metas costumam publicar suas previsões acerca do comportamento futuro da inflação (no caso do Brasil, por exemplo, por meio do Relatório Trimestral de Inflação, RTI). É também por conta disto que as expectativas inflacionárias dos agentes desempenham papel central na operação do regime.

Obviamente previsões estão sujeitas a vários tipos de problemas. Mesmo que um BC soubesse com exatidão todos os parâmetros relevantes da economia (o que não é o caso), restam elementos imponderáveis, como clima, crises externas, etc., que podem mudar o comportamento da inflação independentemente da postura da política monetária.

É como se o arqueiro lançasse hoje a seta, mas esta só chegasse ao alvo meses depois e sujeita a todo tipo de interferência. Diga-se, aliás, que é precisamente por esta razão que o arqueiro deve mirar o centro do alvo; caso mire muito acima, ou muito abaixo, aumentam as chances que as interferências acabem jogando a seta para fora dele.


Nada do que foi dito aqui está além do bê-á-bá do funcionamento de um regime de metas para a inflação. Qualquer um que acompanhe um mínimo do debate e tenha gastado um tanto de seu tempo para ler o RTI está a par destes temas, mas, como se viu, não se trata do caso de Nakano. Mais estudo e menos palpite poderiam contribuir muito para o debate, mas este parece ser um mato de onde coelho algum há de sair um dia.



(Publicado 20/Ago/2014)

21 comentários:

Acho que se tivermos uma taxa de juros nominal negativa conseguiríamos sim mudar a inflação do passado. A se pensar.

Só uma palavra: Sensacional.

Alexaner Forsberg

Nakano é uma fábrica de gemas.

Alexandre, sei que você não é muito de responder a comentários dos seus leitores, mas adoraria ler o que você pensa sobre o Mantega, no Estadão, criticar o Armínio Fraga (na verdade, gostaria de ver a sua cara):
"O ministro da Fazenda, Guido Mantega, criticou nesta quinta-feira 28 o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga, que apoia a candidatura do tucano Aécio Neves à presidência, e disse ter medo de um governo diferente e das propostas que têm ouvido de candidatos da oposição que concorrem com a presidente Dilma Rousseff (PT).

Segundo ele, "tem gente" que diz que vai mudar o rumo atual da economia e que "isso é motivo de grande preocupação". "Tem um candidato aí que era presidente do Banco Central e não entregou a meta da inflação", afirmou, em referência à candidatura de Aécio, que anunciou que seu ministro da Fazenda será Arminio Fraga caso seja eleito presidente.

Mantega também disse que os personagens "são os mesmos" e que muito lhe preocupa a política monetária que tem ouvido nas propostas dos candidatos. Na avaliação do ministro, podemos voltar aos "juros estratosféricos", uma vez que "estão falando que vão combater a inflação de forma radical. "Impedimos a valorização cambial porque muita gente usou a valorização como âncora para baixar inflação, e nós não fizemos isso, que eu chamo de populismo cambial", criticou."

Por coisas assim que estamos num mato sem cachorro

Não entendi bem o que li. Era isso que Milton Friedman pregava lá em Chicago ?

"... Na campanha de 2010, Marina foi assessorada na política social por Ricardo Paes de Barros, grande especialista na área, e hoje na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Barros, que participou da criação do Bolsa-Famíia, é doutor em Economia pela liberal Universidade de Chicago e tem grande interlocução com economistas de linha mais ortodoxa, como os da PUC-Rio ou da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV-Rio. Na verdade, Barros é intensamente admirado pela grande maioria dos economistas ortodoxos brasileiros, e já sofreu restrições de acadêmicos com inclinações mais heterodoxas e desenvolvimentistas ..."

fonte: http://blogs.estadao.com.br/fernando-dantas/por-que-o-mercado-comprou-marina/

O Sr faz parte da equipe da Marina Silva?

Sr. Alexandre,
Por ser leigo em economia, tenho várias dúvidas.

A política monetária é baseada (entre outras coisas) nas previsões de inflação, as quais são feitas por modelos econométricos. Mas esses modelos não usam a inflação passada como dado de entrada?

O modelo do BC em 2000 (WPS 1 - 07/2000) não usava uma especificação “backward-forward” para curva de Phillips? Se sim, com a inflação em t-1 e t-2 como entradas do modelo, a frase do Prof. Nakano faz sentido.

Ele não estaria argumentando que os modelos de previsão baseados em médias trimestrais são mais razoáveis por responderem às variações da inflação mais rapidamente que os baseados na acumulada anual?

Isto não seria um debate econométrico de alto nível, haja vista a complexidade desses modelos?

Abs,
O Poeta

Alex, o PIB perto de zero. Quase que você acertou. Poderia fazer um artigo mostrando o motivo pelo qual estamos quase em estagflação.

"Isto não seria um debate econométrico de alto nível, haja vista a complexidade desses modelos?"

Ahn, não...

A propósito, a inflação passada nos modelos do BC é trimestral...

Mas, nao. Foi só uma proposta oportunista e desinformada. Bem típica dele.

" Não entendi bem o que li"

Não me surpreende.

"Acho que se tivermos uma taxa de juros nominal negativa conseguiríamos sim mudar a inflação do passado. A se pensar."

Genial! 😃

"O Sr faz parte da equipe da Marina Silva?"

Não.

"O Sr faz parte da equipe da Marina Silva?"

Não.

Eu respeito o comentário do economista Nakano pois, além de doutor é professor de instituição nacional renomada, mas, na minha opinião de leigo, não vejo razoabilidade em sobrevalorizar o curto frente ao médio prazo quanto ao comportamento da inflação e suas consequências.
Ângelo

Alex no dia 9 você vai debater com Ron Paul?

"Alex no dia 9 você vai debater com Ron Paul?"

Ahn, não!

Alex ou alguém da turma,

já viu o vídeo do Felipe Miranda da Empiricus? Ele traça um cenário catastrófico para o Brasil nos próximos dois anos, inclusive ele cita e elogia o Alex em parte do vídeo. Esse cara tem credibilidade? No final das contas, no término do vídeo, para vc saber o que fazer com os seus investimentos nesse período de crise teríamos que assinar os relatórios da empresa dele, as respostas estariam neles, segundo ele.

Ao @2 de setembro de 2014 13:11

Quer saber da credibilidade deste cara? Ele lançou um fundo que perdeu 80% do valor e teve que rebatizá-lo para não sujar o nome. Essa é sua credibilidade.