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quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Democracia e mercado

Tempos atrás o consultor político James Carville (autor da estratégia “é a economia, estúpido!”, que elegeu Bill Clinton em 1992) afirmou o seguinte: “Eu imaginava que, se houvesse reencarnação, eu quereria voltar como presidente, ou papa (...). Mas agora quero voltar como o mercado de títulos. Você consegue intimidar todo mundo”.

A declaração bem-humorada é precisa para motivar a discussão sobre a relação ainda mal compreendida entre mercado e democracia, como exemplificado há pouco pelo caso Santander.

De maneira geral me parece que os mais familiarizados com temas econômicos e financeiros não viram grande problema na atitude do banco (depois renegada) de mandar a seus clientes análise apontando um dado corriqueiro: uma relação negativa entre o desempenho da presidente nas pesquisas de intenção de voto e o mercado acionário. Concretamente, ações se valorizam quando a presidente cai nas pesquisas e vice-versa.

Vista pela ótica dos mais afeitos à política do que economia ou finanças, a análise não foi percebida desta forma, mas sim como um estímulo à especulação.

A verdade, porém, é que mercados financeiros tendem a reagir muito rápido a qualquer informação nova. Preços de ações, moedas, títulos, etc. refletem promessas de pagamento futuro com maior ou menor grau de certeza. Títulos públicos oferecem um fluxo conhecido de juros, mas o verdadeiro valor deste fluxo só será sabido depois de conhecida a inflação do período. O preço das ações reflete as expectativas de lucros das empresas, por definição ignorados no momento de aquisição do papel.

As atitudes de qualquer governo afetam estas expectativas. Um melhor controle da inflação, por exemplo, aumenta a atratividade (portanto os preços) dos títulos públicos, reduzindo taxas de juros de prazo mais longo. Já perspectivas de políticas que reduzam lucros de um determinado segmento, por exemplo, reduzindo tarifas de importação de produtos estrangeiros similares, devem derrubar os preços das companhias que nele operam.

Note-se que em ambos os exemplos acima o governo adotaria políticas que muito provavelmente elevariam o bem-estar da população como um todo (ainda que a distribuição destes ganhos seja tema bem mais complexo), mas no primeiro caso com repercussões positivas para o mercado de títulos, enquanto no segundo o impacto seria negativo para o mercado acionário, ao menos para empresas do setor em questão.

Colocado de outra forma, o mercado financeiro julga políticas governamentais o tempo inteiro, mas por uma métrica bastante bem definida, a saber, os efeitos destas políticas sobre os preços de ativos. Não é seu papel avaliar se tais medidas elevam ou reduzem o bem-estar, muito menos como tais efeitos são sentidos por cada segmento da população. Quem o faz são os eleitores, em frequência bem distinta do mercado (no caso do Brasil uma vez a cada quatro anos; não várias vezes ao longo de um dia de transações).

No caso Santander, esta distinção foi perdida. A análise não era um julgamento sobre as medidas do governo pela ótica do bem-estar, portanto com um viés político-eleitoral; mas sim, como vimos, pela perspectiva do comportamento dos preços de ativos. Da mesma forma, a confusão aparece no caso da consultoria Empiricus, cuja análise sobre perspectiva de mercados foi censurada com se fosse propaganda partidária.

Isto dito, minha avaliação é que a continuidade da atual política econômica terá efeitos negativos tanto sobre o bem-estar (crescimento baixo, inflação alta) como sobre preços de ativos, em particular no mercado de ações, em que prevalecem empresas controladas pelo governo, cujos resultados têm sido prejudicados por políticas equivocadas, como controles de preços, por conta da incapacidade de lidar com a inflação.


Por sorte, porém, posso dizer o que penso, sem temer patrão subserviente ou governo imperial.

Não é bem assim...

(Publicado 13/Ago/2014)

18 comentários:

Alex, que avaliação você faz do PAC (até imagino qual!), uma vez que o "programa" completa 07 anos em 2014, o que se observa é uma "desaceleração" do crescimento econômico do país. De outro lado, nem sei como avaliar se houve ou não desenvolvimento econômico sustentável em nosso país.

Alex

Do modo que vai a carruagem sua liberdade não dura muito. A sua e a de todos aqueles que ousarem discordar das teses governistas.
Esperar pra ver.

Abrs

As pessoas precisam entender que, ao notar que uma sucessão de fatos sugere antes uma conexão causal do que uma mera coincidência nao é acusar ninguém e nem ser um inimigo. Quando as pessoas com poder nao entende isto é um problemao.

"As pessoas precisam entender que, ao notar que uma sucessão de fatos sugere antes uma conexão causal do que uma mera coincidência nao é acusar ninguém e nem ser um inimigo. Quando as pessoas com poder nao entende isto é um problemao."

Amigo, falta sentido e português no seu post.

Saudações Rubro-Negras

Sr. Alex,
Sou leigo no assunto e por isso tenho dúvidas.

1- O fato empírico irrefutável é que as ações se valorizaram.
2- Que exista uma relação causal entre essa valorização e a queda nas pesquisas da Pres. é uma tese, até que esta seja comprovada cientificamente.

Como é feita essa comprovação? Pesquisa com corretores? Qual a metodologia e o nível de confiança?

Não existe a possibilidade que os investidores tenham achado que as ações chegaram a um mínimo e viram a oportunidade de lucrar, independentemente das pesquisas? É claro que esta tese não rende manchete de jornal.

Até não ver os resultados dessas pesquisas, desconfio que esse “dado corriqueiro” não passa de uma mera opinião (sem base científica) de meia dúzia de oráculos do mercado, a qual ao ser manchete passa a ser uma verdade explorada politicamente.

Abs,
O Poeta

anonimo 16:43 saudacoes alvinegras

Poeta, interessantes suas colocacoes. No Brasil a frase nao sei de quem (B, Clinton ?) "é a economia estupido", nao funciona. Se funcionasse, nem no segundo turno esta senhora chegaria.
E o menor dos problemas deste país é o economico.

"1- O fato empírico irrefutável é que as ações se valorizaram."

Bem...então não tem mais discussão, pois o fato é irrefutável, afinal de contas as ações da Petrobras se valorizaram desde que a Dilma foi eleita. É faz sentido mesmo, pois a empresa está super saudável, baixo endividamento, preços de seus produtos ajustados...

Para o "anonimo"16 de agosto de 2014 10:26 O ECONOMISTA DO LINK DETALHA A SITUAÇÃO DA PETROBRÁS: http://veja.abril.com.br/blog/rodrigo constantino/investimentos/petrobras-credores-ja-sao-os-maiores-socios-da-estatal/
O "anonimo" poderá discutir com ele esse assunto específico, isto é; se o "anonimo" não pertencer ao MAV. Se pertencer sei que não vai perder seu tempo que está bem pago pelo PT e faça uma boa aplicação do dinheiro recebido pelo serviço pois tenho certeza que não irá comprar ações da Petrobrás ou qq outra controlada por Dilma SE ELE GANHAR AS ELEIÇÕES....kkkkk

Grande Alex,

Em seu livro "Complacência", em co-autoria com o excelente economista Fabio Giambiagi, vocês interpretam a economia brasileira como restrita pelo lado da oferta.

Como uma das soluções para esse quadro, apontam os investimentos em infraestrutura, que tem potencial para melhorar a produtividade e, com isso, fazer a economia voltar crescer.

Como você analisa, então, o recente paper do FMI, que afirma que os ciclos de investimento em infra raramente são um motor para o crescimento?

Acho que tende a ser um excelente ponto para o debate.

Forte abraço,
Economista X

Investimento em infra no curto prazo não afeta o tamanho do PIB, mas a qualidade dele.

A fórmulinha Keynesiana de investir em tapa/destapa buraco é apenas uma versão medíocre do efeito óbvio disso.

O SR nunca leu Friedman ? Porque em seu livro capitalismo e liberdade ele argumenta que sem liberdade econômica nao existe liberdade política.

"O SR nunca leu Friedman ? Porque em seu livro capitalismo e liberdade ele argumenta que sem liberdade econômica nao existe liberdade política."

O que adianta ter lido sem entender?

Anônimo,

"Investimento em infra no curto prazo não afeta o tamanho do PIB, mas a qualidade dele."

Então isso não é solução para a restrição de oferta, sua mula!

"Como você analisa, então, o recente paper do FMI, que afirma que os ciclos de investimento em infra raramente são um motor para o crescimento?

Acho que tende a ser um excelente ponto para o debate.

Forte abraço,
Economista X"

Onde infra não é escassa, provavelmente é verdade (o produto marginal de uma estrada paralela a outra deve ser próximo a zero); no Brasil hoje as indicações são que o retorno marginal do investimento deve ser alto.

A propósito, o investimento em infra não precisa ser realizado pelo poder público; o setor privado pode fazê-lo,

Abs

Saneamento básico é a infraestrutura mais escassa no Brasil.

De acordo com a OMS, para cada US$ 1 gasto em saneamento são economizados US$ 4 com saúde pública.

32 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao abastecimento de água (rede geral de abastecimento)

85 milhões de brasileiros não têm acesso adequado ao esgotamento sanitário (rede coletora nas zonas urbanas e rede coletora ou fossa séptica nas zonas rurais),

134 milhões não têm os esgotos de suas casas tratados

6,6 milhões não têm nem sequer banheiro.

A estação do rio Guandu trata 48 metros cúbicos (48 mil litros) por segundo.

São retirados do Paraíba do Sul para o Guandu 160 metros cúbicos por segundo. Por quê? Porque a água do Paraíba é usada para diluir os esgotos do Guandu, de áreas urbanas e industriais que lançam o esgoto sem tratamento nenhum diretamente no rio.

De acordo com o Plansab (Plano Nacional de Saneamento Básico/Ministério das Cidades), os investimentos em serviços de saneamento básico necessários para a universalização dos serviços até 2033 é de R$ 304 bilhões, uma média de R$ 15,2 bilhões anuais, praticamente o dobro do
observado entre 1995 e 2011.

Nelson Barbosa, que não pode ser acusado de "neoliberal", estima que a diferença entre as taxas de juro de captação e aplicação dos recursos federais nas Instituições Financeiras Oficiais (IFOs), especialmente no BNDES representa um gasto financeiro de (11%-5%) x 500 = 30 bilhões por ano (+- 0,6 PIB.

Quanto desse subsídio bancado com nossos impostos foi destinado aos amigos do rei e quanto foi destinado a investimento em saneamento básico?

Em 2007, a versão do Marco Legal do Saneamento aprovada pelo Congresso Nacional previa que os investimentos em ativos imobilizados de serviços de saneamento seriam aceitos como crédito para pagamento do
PIS/PASEP-COFINS.

Lula vetou sob a seguinte justificativa:

“a desoneração de tributos significaria dificuldades para a manutenção das despesas sociais em níveis satisfatórios, reduziria a capacidade de o Estado investir e geraria riscos adicionais para o cumprimento das metas fiscais compatíveis com a redução da dívida pública.”

Mas para o governo a desoneração seletiva para empresas de 40 setores da economia é medida justificada porque os apaniguados, coitadinhos, estão prejudicados pela concorrência internacional.

Alexandre,

Aproveitando o debate: por que motivo, em média, os investimentos em infra seriam realizados sem necessidade? Um caso ou outro, a gente é capaz de conceber, mas ter isso como comportamento típico, não me parece fazer muito sentido...

Diria que na maioria das vezes, o investimento em infra surge para acabar com um gargalo... Mas é só um palpite...

abs
João