Há momentos em que
minha fé no debate econômico de alto nível, já não muito profunda, confesso,
desaparece de vez e frequentemente por conta dos mesmos culpados. No caso,
trata-se de mais um artigo de Yoshiaki Nakano (Valor Econômico, 12/agosto)
em que o autor, mantendo a característica de opinar sobre o que pouco entende, produziu
a seguinte gema: “Numa política monetária (sic) de
metas de inflação é muito mais razoável considerar as taxas médias dos últimos
três meses como medida de inflação do que a taxa acumulada de inflação dos
últimos 12 meses, como faz o Banco Central do Brasil”.
Minha impressão seria
levemente menos negativa se o autor tivesse perpetrado tal afirmação em
qualquer período de três meses ao longo de 2014 que não fosse este terminado em
julho.
De fato, segundo a
peculiar medida proposta pelo professor, a inflação do primeiro semestre teria registrado
um mínimo de 6,3% ao ano em junho e máximo de 9,0% ao ano em fevereiro e março,
muito acima da meta.
Imagino, portanto, que
o silêncio de Nakano sobre o assunto na primeira metade do ano e a
materialização da proposta precisamente no único mês de 2014 em que a inflação
acumulada no trimestre ficou abaixo de 4,5% deva ser mera coincidência e jamais
manifestação de oportunismo sobre a sazonalidade mais favorável da inflação no
terceiro trimestre.
De qualquer forma, o
problema com a ideia é bem mais sério do que a escolha a dedo do período e a
desconsideração de fatores sazonais.
Para começar porque
nenhum BC que siga o regime de metas para a inflação toma decisões com base na
inflação passada, seja em 3, 6 ou 12 meses. O máximo que um BC pode fazer
acerca da inflação acumulada nos últimos 12 meses é avaliar se suas escolhas anteriores
de política monetária foram adequadas ou não. Pode ser surpreendente para
Nakano, mas decisões sobre taxas de juros hoje não conseguem mudar a inflação
passada. O tempo, este ser voraz, insiste em correr numa única direção...
Ademais, os efeitos da
política monetária costumam se manifestar sobre a inflação com defasagem
considerável. BCs tomam decisões hoje
que irão afetar a inflação alguns trimestres à frente, o intervalo preciso
dependente das características particulares de cada economia.
Não é, portanto, o
passado, mas a perspectiva sobre o futuro, considerando inclusive a própria
ação do BC, que guia as decisões acerca da taxa de juros. Aliás, é por este
motivo que BCs adeptos do regime de metas costumam publicar suas previsões
acerca do comportamento futuro da inflação (no caso do Brasil, por exemplo, por
meio do Relatório Trimestral de Inflação, RTI). É também por conta
disto que as expectativas inflacionárias dos agentes desempenham papel central
na operação do regime.
Obviamente previsões
estão sujeitas a vários tipos de problemas. Mesmo que um BC soubesse com
exatidão todos os parâmetros relevantes da economia (o que não é o caso),
restam elementos imponderáveis, como clima, crises externas, etc., que podem
mudar o comportamento da inflação independentemente da postura da política
monetária.
É como se o arqueiro
lançasse hoje a seta, mas esta só chegasse ao alvo meses depois e sujeita a
todo tipo de interferência. Diga-se, aliás, que é precisamente por esta razão
que o arqueiro deve mirar o centro do alvo; caso mire muito acima, ou muito
abaixo, aumentam as chances que as interferências acabem jogando a seta para
fora dele.
Nada do que foi dito
aqui está além do bê-á-bá do funcionamento de um regime de metas para a
inflação. Qualquer um que acompanhe um mínimo do debate e tenha gastado um
tanto de seu tempo para ler o RTI está a par destes temas, mas,
como se viu, não se trata do caso de Nakano. Mais estudo e menos palpite
poderiam contribuir muito para o debate, mas este parece ser um mato de onde
coelho algum há de sair um dia.
(Publicado 20/Ago/2014)