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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Análise Crítica da Nota do IPEA sobre Produtividade do Governo x Setor Privado

Graças a uma indicação do Pablo Vilarnovo (ver caixa de comentários do "post" abaixo), fiquei sabendo deste trabalho divulgado ontem (o "link" para o trabalho original encontra-se no fim do "post"). Muitos pediram que eu comentasse o texto do Ipea, mas acho que este trabalho vai direto ao ponto. É algo longo para o padrão do blog, mas vale a pena.
Nota Técnica – 26/08/2009
Gabinete do Senador Tasso Jereissati - Assessoria Econômica
Análise Crítica da Nota do IPEA sobre Produtividade do Governo x Setor Privado

O IPEA divulgou o Comunicado da Presidência no. 27, sob o título Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente, em 19/08/2009. O trabalho, em resumo, calcula a produtividade da administração pública pelo conceito valor agregado (extraído das contas nacionais elaboradas pelo IBGE) dividido pelo número de pessoas ocupadas no mesmo setor (pela PNAD).

De acordo com esses cálculos, o texto conclui que:

I. ao longo do período de estabilidade monetária considerado, a produtividade na administração pública manteve-se superior à do setor privado, em média, acima de 35%;
II. a produtividade da administração pública entre 1995 e 2004 foi puxada pelo crescimento de 39,8% no Nordeste e de 49,3% no Centro-Oeste (nas outras regiões, o crescimento foi negativo); e
III. os estados da federação que terminaram focando nas medidas de ajuste da administração pública (como os chamados choque de gestão ou administrativo) não foram aqueles, por exemplo, que terminaram registrando a aceleração nos ganhos de produtividade.

Apesar da boa vontade do instituto em contribuir para o debate, todas as conclusões acima estão viciadas (para não dizer, erradas grosseiramente) porque o conceito de valor agregado das administrações públicas pela contabilidade das contas nacionais não permite que se calcule a produtividade das administrações públicas.

Este problema não deveria ser novidade. O manual das contas nacionais do IBGE, que segue a metodologia do system of national account de 1993 da ONU, deixa claro o problema aqui abordado. (Para mais detalhes sobre tal cálculo no Brasil, ver a Nota Metodológica n.11, “Administração Pública”, editada pelo IBGE sobre o Sistema de Contas Nacionais – Referência 2000).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pdf/11_APU.pdf

O calculo do valor adicionado na metodologia das contas nacionais resulta do cálculo do valor da produção menos o valor gasto com a compra de insumos. Outra forma de dizer o mesmo é que o valor adicionado corresponde à remuneração líquida dos fatores de produção (pagamento de salários, juros, aluguel, lucro, etc.). Acontece que a forma de cálculo do valor adicionado do setor privado e das administrações públicas é diferente.

* * *

No caso do setor privado, pode-se mensurar de fato o valor das transações com bens e serviços finais e, em seguida, retirar os valores gastos com as compra de insumos (consumo intermediário) para se chegar ao valor adicionado. Por exemplo, o IBGE sabe quanto as empresas compram de insumos, o valor final da produção a preços de mercado. Assim, o valor adicionado pode ser efetivamente calculado (apenas para tornar a análise mais simples, vamos desconsiderar impostos e subsídios):

Valor Adicionado (VA) = valor da produção final dos bens e serviços – consumo intermediário – consumo do capital fixo = salários + superávit operacional liquido (dividendos, aluguel, etc.).

Dito isso o que acontece se vários empresários decidirem contratar 10 mil trabalhadores para que esses trabalhadores fiquem em casa sem trabalhar? Nesse caso, como os trabalhadores não iriam trabalhar, a produção não aumentaria e logo a produtividade dos trabalhadores do setor privado, medida pelo valor adicionado dividido pelo numero de trabalhadores, iria diminuir. No caso do setor público, como explicaremos em seguida, esse mesmo exemplo leva a um resultado diferente.

Ao contrário do setor privado, como não é possível que seja medido o valor de mercado dos produtos da administração pública, como, por exemplo, os serviços de defesa ofertados pelo estado à nação, a produção de serviços não-mercantis das administrações públicas é calculada pelo somatório do consumo intermediário, remuneração dos empregados, outros impostos (líquidos de subsídios) sobre a produção e o consumo de capital fixo. Em outras palavras, a produção do setor público é determinada pelos custos de produção:

consumo intermediário + consumo do capital fixo + pagamento de salários (ativos e inativos) = valor da produção da administração púbica

ou de outra forma:

pagamento de salários (ativos e inativos) = [valor da produção da administração púbica - consumo intermediário - consumo do capital fixo] equivalente à:pagamento de salários (ativos e inativos) = valor adicionado

Sempre que a folha de salário aumenta no governo (e exatamente ao contrário do que ocorre nas empresas), o seu valor adicionado cresce independente de os trabalhadores estejam de fato trabalhando ou meramente dormindo, pois a produção do setor público e o valor adicionado são determinados pelos custos. Para deixar mais claro esse ponto, imagine que o governo resolva aumentar os salários de todos os funcionários públicos e, no extremo, mande vários desses trabalhadores para casa para “dormir”.

Por mais absurdo que pareça, pela metodologia de cálculo do valor adicionado das administrações públicas, a produtividade do setor público iria aumentar, pois o que importa é o valor da folha salarial e não se os trabalhadores estão trabalhando ou dormindo. Logo, é impossível e sem sentido medir a produtividade do setor público com base nos dados das contas nacionais como fez o Comunicado da Presidência no 27 do IPEA.

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Outros aspectos metodológicos acentuam ainda mais a crítica. O caso mais pitoresco envolve os inativos da administração pública. Pela metodologia das contas nacionais, o mesmo tratamento dispensado a folha salarial dos servidores ativos é dado ao gasto com inativos não cobertos por contribuição (denominado de “contribuições sociais imputadas” naquela contabilidade). Ou seja, quanto maior o déficit do regime próprio de previdência dos servidores, maior é o valor adicionado pelas administrações públicas e, assim, maior seria sua produtividade.
Fernando Montero comentou ainda a desatenção às mudanças no sistema de contas nacionais realizadas pelo IBGE há poucos anos:

“A nova metodologia das contas públicas no PIB implicou trocar uma hipótese de um consumo constante per capita do bem público por uma hipótese de produtividade constante por trabalho na oferta do bem público. É uma deficiência –produtividade constante- que se aceita nas contas nacionais para o tratamento de bens públicos que carecem de um deflator (i.e. carecem de um preço) e que não possuem um indicador quantitativo próprio como educação (matrículas) e saúde públicas (internações). No texto em questão, o IPEA compara o valor agregado do setor público no PIB com o emprego público extraído do PNAD. As variações mediriam mudanças de produtividade. Ora, se o VAPB medido pelo IBGE baseia-se no emprego público, qualquer alteração de valor agregado/PNAD refletirá uma discrepância na medição de emprego público (entre o IBGE e o IPEA) mais que variações de produtividade.”

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Existem outros estudos que investigam a eficiência do setor público. É forçoso reconhecer que utilizam metodologia muito diversa, mas nenhum utiliza a mesma lógica do citado comunicado do IPEA e o Brasil também não aparece bem na foto. Vamos citar apenas três fontes.

Uma análise internacional recente é a de Antonio Afonso, Ludger Schuknecht e Vito Tanzi, sob título Public Sector Efficiency – Evidence for New EU Member Status and Emerging Markets, publicado pelo European Central Bank, como Working Paper Series n.581, de janeiro de 2006. Mesmo sem contar os países ricos, o Brasil aparece entre os mais mal avaliados. Por exemplo, no caso do indicador de eficiência do setor público, entre 2001/2003 (ver Tabela 3, na página 31), o Brasil alcançou 0,69, ficou em penúltimo lugar num ranking de 24 países (superou apenas os 0,63 da Turquia) e muito distante da média de 1,09.

Dentre as avaliações nacionais, chama-se a atenção que o próprio IPEA já editou, dentre outros, um documento recente, dedicado a avaliar a eficiência do setor público e que atendia seu reconhecido padrão de qualidade técnica –caso do Boletim de Desenvolvimento Fiscal, n. 03, de dezembro de 2006, com cinco artigos sobre o tema, inclusive com abordagens e focos diferenciados.

Já sobre a comparação no desempenho dos governos estaduais, uma boa alternativa é o estudo apresentado no XII Prêmio do Tesouro Nacional de 2007, por Júlio Brunet, Ana Bertê e Clayton Borges, sob título “Estudo Comparativo das Despesas Públicas dos Estados Brasileiros: um índice de Qualidade do Gasto Público”. Aliás, qualidade do gasto é uma das áreas temáticas dessa iniciativa da STN e também podem ser encontrados outros trabalhos com o devido rigor técnico.

* * *

Em resumo, é impossível e sem sentido calcular produtividade das administrações públicas pelo dado do valor agregado das contas nacionais, pois esse valor é determinado pelos custos da administração pública, inclusive salários. O mesmo vale para questionar o ajuste fiscal de governos regionais, ainda mais quando chegam ao ponto de reduzir o valor real da folha ou até mesmo demitir funcionários – caso em que foram automaticamente tachados de menos produtivos e ineficientes porque diminuíram o valor que adicionam.

Nem é preciso estudar ou lecionar economia para concluir que esse raciocínio não faz o menor sentido. Não se trata de uma divergência de opinião, nem de leituras diferentes de uma evidência estatística, o que seria natural numa democracia e diante das diferentes visões da economia. Aqui, se trata de ignorar o mínimo significado de uma variável e tentar inferir dela algo que ela não informa. O que as contas nacionais brasileiras demonstram é o encarecimento relativo do bem público uma vez que, a preços correntes, o valor agregado da administração pública cresceu mais que o PIB.

Resta a questão de saber o que move dirigentes de instituição tão séria e respeitada, inclusive internacionalmente, a cometer equívocos tão grosseiros.

Será que a intenção seria tentar justificar que se pode gastar cada vez, sem se preocupar com a receita, com as conseqüências para o futuro, desde que seja possível eleger sucessores e se perenizar no poder?

O Comunicado da Presidência no 27 do IPEA não observa o mínimo critério econômico, nem o bom senso mais elementar e trabalhos como esse podem prejudicar a reputação dessa instituição construída ao longo de mais de quatro décadas de atuação em pesquisas e análises econômicas.


http://www.tassojereissati.com.br/attachments/151_IPEAProdutividadePublicaII.pdf

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E a humilhação continua.


O objetivo do senador Tasso Jereissati é sempre contribuir para o bom debate técnico. Causou-nos surpresa a nota enviada elo IPEA ao seu blog, pois não há a mínima justificativa técnica para a nota da presidência de número 27 que é objeto da controversa. Apenas para dar um exemplo, a réplica do IPEA enviada ao blog da jornalista Miriam Leitão afirma que:


"A consulta à literatura especializada ou à própria Assessoria de Comunicação do Instituto permitiria constatar que o método de aferição da produtividade na administração pública e privada no Brasil – utilizada no estudo – encontra-se em plena conformidade com aquele adotado por outras instituições de pesquisa aplicada, como, por exemplo, Centre for the Measurement of Government Activity (Inglaterra), Partnership and Productivity in the Public Sector (Nova Zelândia) e National Center for Public Productivity (Estados Unidos), entre outras. Todas de referência internacional. Como o Ipea."


Infelizmente, a assessoria do presidente do IPEA se enganou mais uma vez. Por exemplo, o Centre for the Measurement of Government Activity (Inglaterra) faz exatamente o oposto do que o IPEA fez. O Professor Atkinson coordenou um grupo de trabalho e escreveu um relatório final em 2005 justamente alertando sobre os problemas do calculo da produção do setor público como estava sendo feito pelo governo Britânico.

(...)


" For many years, the contribution of the public sector to national income was measured by simply assuming that output = input. It was taken for granted that you get out what you put in. This assumption is clearly unsatisfactory, since it tells us nothing about how the productivity of the public sector is changing over time. "

http://www.tassojereissati.com.br/attachments/151_CartaMiriamleitao.pdf

terça-feira, 25 de agosto de 2009

A volta do feijãozinho

"Tirando o feijão, o feijãozinho que todo mundo come, nós teríamos uma inflação de 4,4%" (Guido Mantega, 29/Abr/2008) http://oglobo.globo.com/economia/mat/2008/04/29/tirando_feijaozinho_que_todo_mundo_come_inflacao_seria_de_4_4_diz_mantega-427117291.asp Alguém ouviu o ministro afirmar agora "Tirando o feijão, o feijãozinho que todo mundo come, nós teríamos uma inflação de 4,7%"?

Aliás, alguém ouviu o pessoal que explicava a inflação em elevação no ano passado pelos preços de alimentos reclamar agora que a inflação sem alimentos está em 5%, acima da inflação cheia?




Ninguém? Ainda bem. Achei que tinha ficado surdo.
P.S. Antes de aparecer um comentário cretino sobre taxa de juros noto que nossa previsão é de estabilidade da Selic até o final do ano que vem (a curva de juros, ao contrário, projeta aumentos desde o começo de 2010). Mas só porque nossa análise é simétrica, é claro.

P.S.2 A pedido do "campeão ae" segue o índice de difusão (do IPCA, claro) total e sem alimentos.



P.S. 3 Segue abaixo, para acalmar a mocinha histérica, o CRB em reais, assim como os preços dos bens importados e exportados pelo Brasil (bens de consumo e o total dos bens importados e exportados). A base é agosto de 2008. Até o final daquele ano todos estavam em patamares superiores aos registrados em agosto, exatamente antes da desvalorizaçao da moeda. O conjunto das coisas que o Brasil importou e exportou ficaram só 23% mais caras em moeda local... (Mas como não fez a conta vai ter que comer o feno sem o torrão de açúcar).

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Uma tese com substâncias

Começo este artigo algo constrangido. Voltar a temas que já visitei me parece falta de imaginação, mas, acreditem, não é minha culpa. Se há – independente da avassaladora evidência empírica acumulada no período – quem ainda insista em teses rejeitadas pelos dados, só me resta continuar apontando as incongruências entre estas e a crua realidade.

Refiro-me, é claro, aos faniquitos sobre a taxa de câmbio. A acreditar no que certa corrente de economistas afirma, a apreciação do câmbio real nos levará a crescimento medíocre, desindustrialização e espinhela caída. Por outro lado, câmbio fraco curaria tudo, de unha encravada a coração partido.

Não é a primeira vez que ouvimos esta conversinha. Quem se interessar pode encontrar no meu blog um levantamento que fiz no começo do ano passado sobre afirmações de ilustres “keynesianos de quermesse” alertando sobre a iminente destruição do nosso parque industrial (maovisivel.blogspot.com/2008/02/cmbio-internacionalizao-e.html#comments) feitas em 2006 e 2007. O curioso é ouvi-la de novo, logo após a previsão ter se mostrado completamente errada pelo desenvolvimento do país nos últimos anos até a eclosão da crise.

De fato, o crescimento, não só da produção industrial, mas do PIB, acelerou-se consideravelmente até setembro de 2008. No que se refere à primeira, a taxa média de expansão em quatro anos atingiu algo como 4,5% ao ano, quase três vezes superior à registrada em períodos anteriores. Além disto, como já destacado aqui, o crescimento foi liderado pelos setores de maior intensidade exportadora, fenômeno difícil de conciliar com a afirmação acerca da influência negativa do câmbio sobre a atividade industrial.

É verdade que o melhor desempenho destes setores poderia resultar da maior demanda global por commodities, mas há dois fatos que sugerem não ser este o motivo. Primeiro porque o peso de commodities nos setores mais e menos expostos à exportação é muito semelhante. Além disso, um exame mais detalhado do desempenho industrial nos últimos anos mostra predomínio de segmentos não produtores de commodities entre os que mais cresceram.

Observa-se também uma aceleração apreciável da produção de bens de capital para uso industrial, indicando aumento do investimento no setor. Vale dizer, enquanto certas lideranças do setor vaticinavam a decadência inevitável da indústria brasileira, os industriais propriamente ditos tratavam de modernizar e ampliar suas instalações, um desenvolvimento também incompatível com a noção de desindustrialização.

Por fim, se é verdade que houve queda da participação de manufaturados na pauta exportadora, tal queda não resultou da redução (ou desempenho medíocre) das exportações de manufaturados, que cresceram além do comércio internacional nos últimos anos (até a crise), mas sim da expansão excepcional dos produtos primário, impulsionados pelo aumento extraordinário dos preços internacionais de commodities.

Tiro disto duas conclusões. A primeira, mais simples, é que a tese da desindustrialização simplesmente não sobrevive ao confronto com os dados.

A segunda, mais importante, é que certas correntes de pensamento econômico local insistem em formular teses cuja correspondência com os fatos varia do tênue ao inexistente. Não à toa, têm se provado consistentemente equivocadas, e continuarão a sê-lo até abandonar o apriorismo e mostrar um mínimo de respeito à realidade. Pelo que vejo, apenas o abuso de substâncias liberadas na Holanda poderia explicar o apreço incompreensível à tese da “doença holandesa”.

(Publicado 19/Ago/2009)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Blog novo na parada

O Carlos Eduardo (Dudu) Soares Gonçalves e o Mauro Rodrigues acabaram de lançar seu blog (Sob a Lupa do Economista, o link já está na minha lista de blogs), já dizendo a que vieram, revelando mais um dos muitos disparates cometidos pelo Torquemada de Campinas.

Pelo que conheço do trabalho de ambos, não será apenas bom. Vai ser muito divertido.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

A conta da gastança

Quando falamos em taxas de juros no Brasil tipicamente pensamos na taxa Selic, cuja meta é determinada nas reuniões do Copom, mas, a bem da verdade, a Selic é apenas a taxa que remunera as aplicações de curtíssimo prazo. Há várias outras taxas, remunerando aplicações de prazos que vão de poucos meses a alguns anos, cuja expressão gráfica é conhecida como “curva de juros. A chamada “inclinação da curva” é a diferença entre as taxas de juros longas e as curtas.

Um dado interessante da curva de juros é que sua inclinação, depois de longo período próxima a zero (ou negativa), se tornou fortemente positiva. Os futuros de juros com vencimento no começo de 2011 mostram taxas superiores às que vencem no começo de 2010, e o mesmo ocorre no que se refere aos futuros de 2012 relativamente aos de 2011. Além disto, esta inclinação tem se mostrado crescente, mesmo para os segmentos mais distantes da curva. O que explica isto?

Para responder esta pergunta necessitamos entender como se determina a taxa longa de juros, em oposição à taxa curta, tipicamente fixada pelo BC. Simplificando o raciocínio, imagine que haja apenas duas alternativas de investimento na economia: por um período (renovável para o período seguinte), ou por dois períodos diretamente, de modo que, neste mundo imaginário, haja também duas taxas de juros, uma “curta” e outra “longa”.

Suponha ademais que a investidora saiba, com certeza, a taxa curta que vigorará no primeiro período (10%), bem como no segundo (5%). Assim, caso ela aplique por um período e renove no seguinte obterá um rendimento total de 15,5%. Isto dito, ela não aplicará por dois períodos, a menos que obtenha o mesmo rendimento ao final, equivalente a uma taxa anual de 7,5% ao ano por dois períodos. Vale dizer, num mundo de certeza, a taxa longa (7,5%) nada mais é que a média das taxas curtas (10% e 5%).

É claro que no mundo real há vários períodos e não sabemos as taxas curtas para cada um deles, mas o raciocínio ainda segue válido: a taxa longa será a média da taxa curta hoje e das expectativas acerca das taxas curtas que prevalecerão nos períodos à frente (devidamente acrescidas de algum prêmio de risco).

Assim, interpretamos a inclinação positiva da curva de juros como sinal de expectativas de aumentos da taxa Selic. Já a maior inclinação observada de meados do segundo trimestre para cá sugere que o mercado tem reavaliado para cima o tamanho do aperto monetário futuro. Ambos os desenvolvimentos parecem resultar de sinais de recuperação da economia, mais nítidos à medida que o tempo passa. No entanto, parece haver algo mais.

Com efeito, fosse apenas a recuperação mais vigorosa da economia, o aumento da inclinação da curva tenderia a se limitar a seus segmentos mais próximos, antecipando a reação do BC. Todavia, o aumento da inclinação dos segmentos mais longos da curva (particularmente num bom momento do mercado internacional) parece sugerir que o BC terá que reagir ainda mais do que se imaginava, e por um período mais longo.

Muito provavelmente o que observamos agora no mercado de juros é a reação à deterioração da qualidade da política fiscal. Fica claro que, a despeito da retórica da ação anticíclica, a política fiscal terá efeitos persistentes, por estar associada à expansão do gasto corrente. O maior impulso fiscal terá que ser compensado do lado monetário, e quem acha que esta preocupação é só “ladainha” de um “discurso surrado” ainda não percebeu que a conta da gastança já começou a ser paga pelo Tesouro Nacional.

(Publicado 5/Ago/2009)