Gabinete do Senador Tasso Jereissati - Assessoria Econômica
Análise Crítica da Nota do IPEA sobre Produtividade do Governo x Setor Privado
O IPEA divulgou o Comunicado da Presidência no. 27, sob o título Produtividade na Administração Pública Brasileira: Trajetória Recente, em 19/08/2009. O trabalho, em resumo, calcula a produtividade da administração pública pelo conceito valor agregado (extraído das contas nacionais elaboradas pelo IBGE) dividido pelo número de pessoas ocupadas no mesmo setor (pela PNAD).
De acordo com esses cálculos, o texto conclui que:
I. ao longo do período de estabilidade monetária considerado, a produtividade na administração pública manteve-se superior à do setor privado, em média, acima de 35%;
II. a produtividade da administração pública entre 1995 e 2004 foi puxada pelo crescimento de 39,8% no Nordeste e de 49,3% no Centro-Oeste (nas outras regiões, o crescimento foi negativo); e
III. os estados da federação que terminaram focando nas medidas de ajuste da administração pública (como os chamados choque de gestão ou administrativo) não foram aqueles, por exemplo, que terminaram registrando a aceleração nos ganhos de produtividade.
Apesar da boa vontade do instituto em contribuir para o debate, todas as conclusões acima estão viciadas (para não dizer, erradas grosseiramente) porque o conceito de valor agregado das administrações públicas pela contabilidade das contas nacionais não permite que se calcule a produtividade das administrações públicas.
Este problema não deveria ser novidade. O manual das contas nacionais do IBGE, que segue a metodologia do system of national account de 1993 da ONU, deixa claro o problema aqui abordado. (Para mais detalhes sobre tal cálculo no Brasil, ver a Nota Metodológica n.11, “Administração Pública”, editada pelo IBGE sobre o Sistema de Contas Nacionais – Referência 2000).
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/pib/pdf/11_APU.pdf
O calculo do valor adicionado na metodologia das contas nacionais resulta do cálculo do valor da produção menos o valor gasto com a compra de insumos. Outra forma de dizer o mesmo é que o valor adicionado corresponde à remuneração líquida dos fatores de produção (pagamento de salários, juros, aluguel, lucro, etc.). Acontece que a forma de cálculo do valor adicionado do setor privado e das administrações públicas é diferente.
* * *
No caso do setor privado, pode-se mensurar de fato o valor das transações com bens e serviços finais e, em seguida, retirar os valores gastos com as compra de insumos (consumo intermediário) para se chegar ao valor adicionado. Por exemplo, o IBGE sabe quanto as empresas compram de insumos, o valor final da produção a preços de mercado. Assim, o valor adicionado pode ser efetivamente calculado (apenas para tornar a análise mais simples, vamos desconsiderar impostos e subsídios):
Valor Adicionado (VA) = valor da produção final dos bens e serviços – consumo intermediário – consumo do capital fixo = salários + superávit operacional liquido (dividendos, aluguel, etc.).
Dito isso o que acontece se vários empresários decidirem contratar 10 mil trabalhadores para que esses trabalhadores fiquem em casa sem trabalhar? Nesse caso, como os trabalhadores não iriam trabalhar, a produção não aumentaria e logo a produtividade dos trabalhadores do setor privado, medida pelo valor adicionado dividido pelo numero de trabalhadores, iria diminuir. No caso do setor público, como explicaremos em seguida, esse mesmo exemplo leva a um resultado diferente.
Ao contrário do setor privado, como não é possível que seja medido o valor de mercado dos produtos da administração pública, como, por exemplo, os serviços de defesa ofertados pelo estado à nação, a produção de serviços não-mercantis das administrações públicas é calculada pelo somatório do consumo intermediário, remuneração dos empregados, outros impostos (líquidos de subsídios) sobre a produção e o consumo de capital fixo. Em outras palavras, a produção do setor público é determinada pelos custos de produção:
consumo intermediário + consumo do capital fixo + pagamento de salários (ativos e inativos) = valor da produção da administração púbica
ou de outra forma:
pagamento de salários (ativos e inativos) = [valor da produção da administração púbica - consumo intermediário - consumo do capital fixo] equivalente à:pagamento de salários (ativos e inativos) = valor adicionado
Sempre que a folha de salário aumenta no governo (e exatamente ao contrário do que ocorre nas empresas), o seu valor adicionado cresce independente de os trabalhadores estejam de fato trabalhando ou meramente dormindo, pois a produção do setor público e o valor adicionado são determinados pelos custos. Para deixar mais claro esse ponto, imagine que o governo resolva aumentar os salários de todos os funcionários públicos e, no extremo, mande vários desses trabalhadores para casa para “dormir”.
Por mais absurdo que pareça, pela metodologia de cálculo do valor adicionado das administrações públicas, a produtividade do setor público iria aumentar, pois o que importa é o valor da folha salarial e não se os trabalhadores estão trabalhando ou dormindo. Logo, é impossível e sem sentido medir a produtividade do setor público com base nos dados das contas nacionais como fez o Comunicado da Presidência no 27 do IPEA.
* * *
Outros aspectos metodológicos acentuam ainda mais a crítica. O caso mais pitoresco envolve os inativos da administração pública. Pela metodologia das contas nacionais, o mesmo tratamento dispensado a folha salarial dos servidores ativos é dado ao gasto com inativos não cobertos por contribuição (denominado de “contribuições sociais imputadas” naquela contabilidade). Ou seja, quanto maior o déficit do regime próprio de previdência dos servidores, maior é o valor adicionado pelas administrações públicas e, assim, maior seria sua produtividade.
Fernando Montero comentou ainda a desatenção às mudanças no sistema de contas nacionais realizadas pelo IBGE há poucos anos:
“A nova metodologia das contas públicas no PIB implicou trocar uma hipótese de um consumo constante per capita do bem público por uma hipótese de produtividade constante por trabalho na oferta do bem público. É uma deficiência –produtividade constante- que se aceita nas contas nacionais para o tratamento de bens públicos que carecem de um deflator (i.e. carecem de um preço) e que não possuem um indicador quantitativo próprio como educação (matrículas) e saúde públicas (internações). No texto em questão, o IPEA compara o valor agregado do setor público no PIB com o emprego público extraído do PNAD. As variações mediriam mudanças de produtividade. Ora, se o VAPB medido pelo IBGE baseia-se no emprego público, qualquer alteração de valor agregado/PNAD refletirá uma discrepância na medição de emprego público (entre o IBGE e o IPEA) mais que variações de produtividade.”
* * *
Existem outros estudos que investigam a eficiência do setor público. É forçoso reconhecer que utilizam metodologia muito diversa, mas nenhum utiliza a mesma lógica do citado comunicado do IPEA e o Brasil também não aparece bem na foto. Vamos citar apenas três fontes.
Uma análise internacional recente é a de Antonio Afonso, Ludger Schuknecht e Vito Tanzi, sob título Public Sector Efficiency – Evidence for New EU Member Status and Emerging Markets, publicado pelo European Central Bank, como Working Paper Series n.581, de janeiro de 2006. Mesmo sem contar os países ricos, o Brasil aparece entre os mais mal avaliados. Por exemplo, no caso do indicador de eficiência do setor público, entre 2001/2003 (ver Tabela 3, na página 31), o Brasil alcançou 0,69, ficou em penúltimo lugar num ranking de 24 países (superou apenas os 0,63 da Turquia) e muito distante da média de 1,09.
Dentre as avaliações nacionais, chama-se a atenção que o próprio IPEA já editou, dentre outros, um documento recente, dedicado a avaliar a eficiência do setor público e que atendia seu reconhecido padrão de qualidade técnica –caso do Boletim de Desenvolvimento Fiscal, n. 03, de dezembro de 2006, com cinco artigos sobre o tema, inclusive com abordagens e focos diferenciados.
Já sobre a comparação no desempenho dos governos estaduais, uma boa alternativa é o estudo apresentado no XII Prêmio do Tesouro Nacional de 2007, por Júlio Brunet, Ana Bertê e Clayton Borges, sob título “Estudo Comparativo das Despesas Públicas dos Estados Brasileiros: um índice de Qualidade do Gasto Público”. Aliás, qualidade do gasto é uma das áreas temáticas dessa iniciativa da STN e também podem ser encontrados outros trabalhos com o devido rigor técnico.
* * *
Em resumo, é impossível e sem sentido calcular produtividade das administrações públicas pelo dado do valor agregado das contas nacionais, pois esse valor é determinado pelos custos da administração pública, inclusive salários. O mesmo vale para questionar o ajuste fiscal de governos regionais, ainda mais quando chegam ao ponto de reduzir o valor real da folha ou até mesmo demitir funcionários – caso em que foram automaticamente tachados de menos produtivos e ineficientes porque diminuíram o valor que adicionam.
Nem é preciso estudar ou lecionar economia para concluir que esse raciocínio não faz o menor sentido. Não se trata de uma divergência de opinião, nem de leituras diferentes de uma evidência estatística, o que seria natural numa democracia e diante das diferentes visões da economia. Aqui, se trata de ignorar o mínimo significado de uma variável e tentar inferir dela algo que ela não informa. O que as contas nacionais brasileiras demonstram é o encarecimento relativo do bem público uma vez que, a preços correntes, o valor agregado da administração pública cresceu mais que o PIB.
Resta a questão de saber o que move dirigentes de instituição tão séria e respeitada, inclusive internacionalmente, a cometer equívocos tão grosseiros.
Será que a intenção seria tentar justificar que se pode gastar cada vez, sem se preocupar com a receita, com as conseqüências para o futuro, desde que seja possível eleger sucessores e se perenizar no poder?
O Comunicado da Presidência no 27 do IPEA não observa o mínimo critério econômico, nem o bom senso mais elementar e trabalhos como esse podem prejudicar a reputação dessa instituição construída ao longo de mais de quatro décadas de atuação em pesquisas e análises econômicas.
http://www.tassojereissati.com.br/attachments/151_IPEAProdutividadePublicaII.pdf
* * *
E a humilhação continua.
O objetivo do senador Tasso Jereissati é sempre contribuir para o bom debate técnico. Causou-nos surpresa a nota enviada elo IPEA ao seu blog, pois não há a mínima justificativa técnica para a nota da presidência de número 27 que é objeto da controversa. Apenas para dar um exemplo, a réplica do IPEA enviada ao blog da jornalista Miriam Leitão afirma que:
"A consulta à literatura especializada ou à própria Assessoria de Comunicação do Instituto permitiria constatar que o método de aferição da produtividade na administração pública e privada no Brasil – utilizada no estudo – encontra-se em plena conformidade com aquele adotado por outras instituições de pesquisa aplicada, como, por exemplo, Centre for the Measurement of Government Activity (Inglaterra), Partnership and Productivity in the Public Sector (Nova Zelândia) e National Center for Public Productivity (Estados Unidos), entre outras. Todas de referência internacional. Como o Ipea."
Infelizmente, a assessoria do presidente do IPEA se enganou mais uma vez. Por exemplo, o Centre for the Measurement of Government Activity (Inglaterra) faz exatamente o oposto do que o IPEA fez. O Professor Atkinson coordenou um grupo de trabalho e escreveu um relatório final em 2005 justamente alertando sobre os problemas do calculo da produção do setor público como estava sendo feito pelo governo Britânico.
(...)
" For many years, the contribution of the public sector to national income was measured by simply assuming that output = input. It was taken for granted that you get out what you put in. This assumption is clearly unsatisfactory, since it tells us nothing about how the productivity of the public sector is changing over time. "
http://www.tassojereissati.com.br/attachments/151_CartaMiriamleitao.pdf