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terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

O Império da Falta de Sentido

Foram vários comentários interessantes dos leitores. Não sei se conseguirei fazer justiça a todos.

Sem dúvida, não há qualquer noção de trade-off nas análises campineiras/heterodoxas/”keynesianas de quermesse”. Quase tudo se resolve (ou não) por vontade política (ou ausência dela, quando não se resolve, já que o “Estado” é sempre dominado pelo interesse dos “rentistas”). Em geral o problema de todas estas propostas me parece ser a existência de mais objetivos que instrumentos. Em outros casos variáveis endógenas são tratadas como exógenas, às vezes se transformando em instrumento de política.

A taxa real de câmbio é, em particular, vítima contumaz deste tipo de “análise”. Parte-se do pressuposto que alguns iluminados conseguem saber qual é a taxa de câmbio “correta” e, além disto, que há alguma forma da autoridade fixar a taxa real, presumivelmente fixando a taxa nominal. Como apoio a esta tese costuma-se também invocar o exemplo asiático para mostrar como a estratégia de câmbio fraco implica alto crescimento. Um ou outro mais sofisticado vai atrás da conversa do Rodrik (“The Real Exchange Rate and Economic Growth: Theory and Evidence”. The Kennedy School of Government, Harvard, agosto de 2007), que acredita ter achado uma relação sólida e positiva entre câmbio fraco e crescimento elevado.

Sem querer entrar muito a fundo neste assunto, minha impressão é que o Rodrik simplesmente não considerou a possibilidade um terceiro fator levar simultaneamente a crescimento acelerado e câmbio real fraco. Taxas elevadas de poupança, incluindo, é claro, superávits fiscais parrudos, têm exatamente a propriedade de, ao mesmo tempo, levar a taxas elevadas de crescimento e taxas reais de câmbio fracas.

Isto me lembra de uma crônica de anos atrás, do Luís Fernando Veríssimo, na qual o Analista de Bagé, assistindo “O Império dos Sentidos”, propõe à moça ao lado fazer o que se faz no filme, ao que a moça responde: “Topo, mas onde a gente arranja os japoneses?”.

No Brasil querem seguir a estratégia de desenvolvimento asiático, desde que (1) se prescinda da elevada taxa de poupança; (2) não sejamos obrigados a elevar o superávit fiscal; (3) possamos manter o perfil de gasto público direcionado ao gasto corrente em oposição ao gasto de capital; (4) seja permitido manter a carga tributária nos seus níveis e complexidade atuais; (5) também não tenhamos que fazer um esforço brutal de acumulação de capital humano.

Para este pessoal, a estratégia asiática de crescimento se resume a manter o câmbio fraco! É o “Império da Falta de Sentido”...

De quando em vez alguém resolve aparecer com uma história de controle de capitais. Uns mais cretinos (como o secretário do Torquemada) vêm com proposta de controle na saída de capitais, ou ainda de retrocesso na liberalização das regras cambiais, em particular a referente à obrigatoriedade do ingresso das receitas de exportação. Obviamente o efeito seria o inverso (assim como seria o efeito de aumentar a proteção à indústria local), caracterizando um exemplo claro daquilo que o “O” Anônimo chamou “não entender mesmo do riscado”...

Os menos cretinos entendem que controle de capitais na entrada daria algum grau de liberdade a mais para a política monetária, embora este grau de liberdade se manifeste no poder do BC subir (!) a taxa de juros para combater a inflação, presumivelmente com menor impacto sobre a taxa nominal de câmbio e, a depender da eficácia do controle, sobre a taxa real também (uma redução no ingresso de capitais mudaria, ceteris paribus, a condição de equilíbrio do balanço de pagamentos, implicando uma taxa real de câmbio mais fraca, mas apenas se o controle for eficaz, o que é matéria controversa). Obviamente, com o canal de câmbio (ao menos parcialmente) obstruído, muito provavelmente o BC teria que fazer um esforço maior, mas este aspecto é solenemente ignorado.

Voltando ao tema principal, acho que o problema destas “análises” é a recusa ideológica de tratar os assuntos de uma forma mais analítica, explicitando restrições orçamentárias e funções de reação dos agentes às medidas de política. Todas as variáveis são exógenas (lembro-me de um destes economistas, hoje em elevado cargo no governo, dizendo que a solução para os problemas brasileiros era aumentar o PIB; eu sempre imaginei que o problema de qualquer economia seria aumentar o PIB), não há trade-off, e tudo vira questão de “economia política”.

Abraços,

Alex

Comentários de leitores

Para facilitar a discussão reproduzo abaixo três comentários. Volto em outro post.

Pedro

Sugestão para post, relacionada ao tema "por que devemos combater a desindustrialização, quer ela exista, quer não".

O Luciano Coutinho repete há anos um mantra sobre macroeconomia e política industrial, resumida num texto escrito, se não me engano, em 2002.

Na tentativa de defender P.I., ele divide regimes macroeconômicos em dois tipos: os benignos (juros baixos e câmbio desvalorizados, que permitiriam P.I. eficiente) e os malignos (juros altos e - advinhe - cambio valorizado). Só isso, nada mais.

É impressionante como sobrevive a idéia de que existe um "atalho" para o crescimento econômico rápido (a combinação benigna), no qual a inflação seria magicamente controlada com alguma pirotecnia do Sicsú (de brinde, não haveria déficit público, pois os juros pagos seriam insignificantes, nem crise cambial, por conta dos superávits que tal política permite).

Parece claro que esse atalho passa por alguma forma de substituição de importações (e, portanto, estímulo à indústria, daí a relação com P.I.), por ser baseado na restrição às compras externas.

De minha parte, não conheço nenhum trabalho que indique relação positiva e causal entre tal combinação de políticas e crescimento econômico de longo prazo quando é feito o controle ao menos para poupança doméstica e amplitude do sistema financeiro (noves fora qualidade das instituições, nível de concentração em mercados importantes, abertura comercial, investimento em educação,...).

Referência:
http://www.bndes.gov.br/conhecimento/livro_debate/2-PolitIndustrial.pdf

Anônimo:

Meus caros,

Um pequeno comentário que uso com meus alunos sobre esta suposta dicotomia expressa pelo Luciano Coutinho. O BC poderia escolher entre dois pontos, um com baixo juros, alto crescimento, câmbio desvalorizado e baixo desemprego. O outro ponto apresentaria altos juros, câmbio valorizado, desemprego alto e baixo crescimento. Maldosamente, os caras sempre escolhem o segundo ponto. O que digo aos meus alunos é muito simples. Neste tipo de análise não existe trade-off. Ou escolhemos um ponto com tudo bom (apesar de ser controverso esta questão do câmbio) ou outro onde tudo é ruim. E sempre escolhemos o ponto errado. Como assim? Será que esta análise está correta? Cadê os trade-offs? É isto que me cansa.

Saudações.

PS: Alguns anos atrás, durante meu doutorado em uma escola do Rio, uma aluna de centro heterodoxo saiu conosco. A moça era muito simpática. Lá pelas tantas, começamos a falar de nossos projetos de tese. Ao ouvi-la, um colega meu (de forma muito educada) perguntou para ela qual era o trade-off envolvido no trabalho desta (eu não lembro qual era o assunto) e ela simplesmente não entendeu a pergunta. Têm cabimento uma coisa destas?

“O” Anônimo:

O atalho da estrategia passa por controles de capitais. A ideia eh que com controles de capitais (saida principalmente), os policymakers podem baixar os juros a la Venezuela, e portanto liberar toda a poupanca que teima em financiar o setor publico para oportunidades de investimento produtivas... Problemas de inflacao sao sempre pontuais e podem ser lidados com persuasao e politicas setoriais...

Eh dificil de dizer quantas idiotices estao contidas nessa estrategia:

- como assim liberar a poupanca se superavit nominal do setor publico nao faz parte da estrategia?

- como assim, o gasto do governo eh improdutivo? Entao porque eles teimam em sempre gastar mais?

- como assim, e a inflacao?

E vai longe...

Mas nao pense que eles sao todos desonestos, o sicsu (assim mesmo, com s minusculo), o cardim de carvalho etc nao entendem mesmo do riscado.

"O" Anonimo

terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

Pequeno esclarecimento

Uma nota aos freqüentadores do blog. O artigo abaixo é muito parecido com o post anterior. Acontece que eu preciso escrever a cada duas semanas para a Folha e não é sempre que me vêm idéias novas. Além disto, o tema é bacana e eu achei que valia a pena dividir com o público leitor do jornal, que não necessariamente é o mesmo do blog (imaginem só, milhões de leitores ávidos pelos meus artigos; quem diz que economista não sonha?).

Como regra, tudo que sai na Folha, sai também no blog. Aí ficou repetitivo. Mas prometo buscar uns assuntos novos para os próximos posts e artigos.

Abraço a todos,

Alex

P.S. Ao anônimo que sugeriu o termo "keynesianos de quermesse": fica aqui registrado não só que gostei da expressão (e vou adotá-la permanentemente), mas também que o verdadeiro autor não sou eu.

“Doença holandesa” ou amnésia?

Dizem que o Brasil não tem memória. Não sei se é verdade, nem é este o meu assunto, pois hoje quero discutir um outro caso de amnésia: a que afeta os economistas e líderes empresariais que, com grande fanfarra, anunciaram aos quatro ventos a morte iminente (e prematura) da indústria brasileira vitimada pela “doença holandesa”. Os suspeitos de sempre proclamavam há pouco que a taxa de câmbio abaixo de R$ 2,00 faria a indústria perder participação no PIB, além de inibir os investimentos privados (apesar do barateamento dos bens de capital), e que a taxa de juros não permitiria que o país retomasse o rumo do crescimento acelerado.

No entanto, lendo os jornais deste fim-de-semana, descobri surpreso que vários destes profetas, na esteira da divulgação dos bons resultados da produção industrial no ano passado, vêm agora a público celebrar o que diziam que não iria ocorrer, e afirmar sorridentes que mais ainda está por vir. Refletindo um pouco sobre estas afirmações vi que só me restam duas alternativas para explicar esta súbita conversão: ou os profetas padecem de amnésia, ou acreditam que o digníssimo público sofra.

Os números mostram que, além de a expansão industrial ter sido bastante elevada em 2007 (6%, atingindo média de 5% a.a. nos últimos quatro anos), foi também muito difundida (65 dos 76 segmentos industriais cresceram, desempenho muito similar ao de 2004, quando 67 segmentos cresceram), mostrando que o crescimento não ficou restrito a poucas indústrias, presumivelmente ligadas às commodities.

Ainda mais interessante, nenhum dos 5 segmentos que mais se expandiram (máquinas e equipamentos, veículos, computadores, material elétrico, outros equipamentos de transporte) mostra qualquer relação mais profunda com o setor produtor de commodities. Pelo contrário, falamos de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de médio para alto. Em contraste, entre os segmentos com pior desempenho (fumo, madeira, calçados, diversos, eletrônicos) apenas o último se qualificaria como tal.

Não bastasse isto, a produção de bens de capital para fins industriais cresceu 17%, à qual se soma uma expansão de 32% da importação de bens de capital, mostrando que os empresários propriamente ditos preferiram ignorar os alertas de seus “líderes” – segundo quem “a interpretação de que a alta da produção de bens de capital é sinal de revigoramento da indústria é questionável” (Folha de S. Paulo, 26/05/2007) – e investiram na modernização e ampliação de suas fábricas.

Em linha com este desenvolvimento, a criação de empregos industriais atingiu a marca de 395 mil novos postos (aumento de 60% sobre 2006), correspondentes a um em cada quatro novos empregos, desempenho certamente inconsistente com a tese da perda de participação da indústria na economia.

Em face desta avalanche de evidências deve ficar claro que o Brasil não padece de desindustrialização, ou “doença holandesa”, ou qualquer outro nome que os “desenvolvimentistas” possam ter criado para batizar um fenômeno inexistente. E, em face deste artigo, espero, deve ficar claro também que o público também não tem motivos para sofrer de amnésia. Mas, fica minha sugestão, caso nossos “keynesianos de quermesse” não queiram confessar amnésia, podem alegar privação momentânea de sentidos. No mínimo ajudaria a explicar como conseguiram ignorar esta montanha de dados.

(Publicado 20/02/2007)

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Os profetas da desindustrialização e a encarniçada defesa da realidade

Destaco abaixo alguns excertos das profecias acerca da iminente destruição do parque industrial brasileiro. Volto depois para comentá-las.

Câmbio, internacionalização e desindustrialização
A opinião é de empresários, aliás, de grandes empresários: o câmbio está levando o Brasil a uma desindustrialização. Não confundir o processo que os empresários estão apontando com a internacionalização da empresa brasileira, a qual, já vinha ocorrendo e ganhou força nos últimos anos em função de uma importante reestruturação empresarial ocorrida no país.

(...)

Seja da indústria, agroindústria ou agropecuária, ninguém falou em exportar menos no curto prazo, mas todos concordaram que o emprego, assim como a produção industrial local, já está arcando com o ônus de tantos desajustes. A médio prazo, as exportações deverão declinar, senão em termos absolutos, pelo menos em termos comparativos ao avanço do comércio mundial.

(Júlio Gomes de Almeida, 11/Mai/2006)

Carta IEDI n. 252 - Desindustrialização e Dilemas do Crescimento Econômico Recente

Podemos dizer que a desindustrialização está aumentando e indicamos como causas:

a) A política de altas taxas de juros que afeta a demanda agregada de 3 formas: inibindo o investimento e o gasto público, componentes da demanda que geram renda e emprego, e as exportações pelo efeito que elevadas taxas de juros exercem sobre a conta financeira e de capital. Inibir o crescimento implica em comprometer o crescimento da produtividade industrial e conseqüentemente da competitividade da economia.

b) A tendência à valorização do câmbio, resultado da política de elevadas taxas de juros doméstica, é reforçada pela valorização internacional do preço das commodities. Essa excessiva apreciação cambial e aquecimento no mercado de commodities desestimulam a exportação de outros produtos que perdem competitividade.

c) A valorização cambial provoca a substituição de produção doméstica por produtos importados, o que se observa em especial no setor produtor de bens duráveis de consumo nos períodos mais recentes.

d) O ambiente de política econômica pouco propício ao crescimento não tem estimulado o investimento privado, mesmo com o câmbio favorável à importação de máquinas e equipamentos.

e) Em síntese, mesmo dotado de um parque industrial amplo e diversificado, verifica-se nos últimos anos um processo de desindustrialização no País, fruto da combinação perversa de taxa de juros elevada e câmbio valorizado. Tal combinação restringe a expansão do investimento e das exportações, corroendo a competitividade e levando a perdas de produtividade na indústria.

Belluzzo adverte para real supervalorizado e desindustrialização

O economista Luiz Gonzaga Belluzzo afirmou que o "forte declínio da participação da indústria manufatureira" no PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro – situação revelada a partir da nova fórmula de cálculo da riqueza nacional – e no emprego revela um processo de desindustrialização. "Há fortes indícios, ademais, de que a valorização do real está promovendo o rompimento dos nexos inter-industriais das principais cadeias de produção", assinalou, em artigo para a "Folha de S. Paulo".

(Hora do Povo, 13/Abr/2007)

Negociações comerciais e desindustrialização

Embora bem menos do que a Argentina e a maioria dos latino-americanos, o Brasil já sofre de desindustrialização precoce, que pode se agravar se cairmos na armadilha que se prepara nas negociações da OMC (Organização Mundial do Comércio). O que se trama para o final da Rodada Doha é a refilmagem do "happy end" (para os desenvolvidos) da Rodada Uruguai. Começando pela reunião de Hong Kong, de 12 de dezembro, para culminar, provavelmente em junho de 2006, prazo limite para as negociações, os europeus estão articulando, como em "O Poderoso Chefão", uma "oferta que não poderemos recusar". Isto é, a oferta em agricultura será irrisória, mas virá embrulhada em embalagem publicitária para nos fazer assumir o ônus de enfraquecer a OMC, se a rejeitarmos.

(Rubens Ricupero, 27/Nov/2005)

Economistas alertam para desindustrialização

Apesar do crescimento de 6,8% da indústria apontado pelo PIB (Produto Interno Bruto) no segundo trimestre do ano, economistas e entidades ligadas ao setor afirmam que a chamada “desindustrialização” do país está se aprofundando.

“É o câmbio, estúpido!”, afirmou ontem o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, coordenador do 4º Fórum de Economia, promovido pela FGV (Fundação Getulio Vargas), ao discutir os motivos que estariam agravando o problema. Bresser-Pereira afirmou que o governo Lula vem praticando “populismo cambial” para segurar a inflação por meio do real valorizado, o que faz os preços de importados ficarem mais baratos.Com os juros ainda elevados atraindo dólares ao país e altos saldos comerciais sustentados por fortes vendas externas, além de preços altos nos setores agrícola e de minérios, o economista prevê um aprofundamento da “desindustrialização” em setores de maior valor agregado.

(...)

Edgard Pereira, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial), disse que metade do valor adicionado (a riqueza gerada) pela indústria já depende hoje de setores que têm por base recursos naturais. “Não se trata de ser contra os setores de commodities ou mais básicos, mas, sem estratégia para os segmentos mais sofisticados da indústria, chegaremos a um resultado ruim.”

Seminário Internacional Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento

A política de juros altos brasileira é a grande razão para o processo de desindustrialização precoce pelo qual passa o País. A opinião é do vice-presidente da República, José Alencar, e foi expressa durante o seminário Industrialização, Desindustrialização e Desenvolvimento, realizado dia 28 de novembro, na Fiesp

(...)

O vice-presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), João Sayad, utilizou os juros altos adotados no País como explicação para a desindustrialização brasileira. "A política macroeconômica brasileira não privilegia o emprego e não tem escrúpulos em fixar a taxa de câmbio a valores altamente insatisfatórios".

Dólar abaixo de R$ 2 acelera desindustrialização

O dólar abaixo dos R$ 2 vai acelerar a perda de participação da indústria na economia brasileira. A avaliação é de Edgard Pereira, economista-chefe do Iedi (Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial).

(17/05/2007)


* * *

Estas foram as profecias. Agora vamos aos fatos.

Em 2007 produção industrial brasileira apresentou crescimento de 6%, alcançando 5% a.a. de crescimento médio nos últimos 4 anos, a média mais alta desde 1997.

O setor com crescimento mais acelerado foi o de bens de capital (19,5% de expansão no ano), com a produção de bens de capital para uso industrial crescendo a bagatela de 17%. Curiosamente, os empresários desmentem a Fiesp, Iedi e seus asseclas e, de forma impatriótica, resolveram investir, desmentindo a tese da desindustrialização.

Os cinco segmentos que mais cresceram foram os seguintes:

a) Máquinas e equipamentos: 17,7%;
b) Veículos automotores, 15,2%;
c) Máquinas para escritório e equipamentos de informática, 14,4%;
d) Máquinas, aparelhos e materiais elétricos, 14,0%;
e) Outros equipamentos de transporte, 13,9%.

Os cinco piores desempenhos foram registrados por:

a) Fumo, -8,1%;
b) Madeira, -3,2%;
c) Calçados e artigos de couro, -2,2%;
d) Diversos, -1,6%;
e) Material eletrônico e equipamentos de comunicação, -1,1%.

As listas são auto-explicativas, mas, como este pessoal sofre de déficit de atenção aos dados, é bom trocar em miúdos. Nenhum dos setores de crescimento mais acelerado é remotamente associado a commodities. Pelo contrário, são setores produtores de bens diferenciados com conteúdo tecnológico de médio para alto. Em contraste, entre os segmentos que tiveram pior desempenho apenas o setor de material eletrônico e equipamentos de comunicação pode se classificar como tal. Os demais segmentos se caracterizam pelo baixo conteúdo tecnológico, inclusive o sempre citado setor de couro e calçados.

Quanto às exportações, se é verdade que o crescimento da exportação de primários alcançou 29% nos 12 meses terminados em janeiro, o crescimento da exportação de manufaturados, embora menor, atingiu 13%, no contexto em que o comércio mundial se expande a cerca de 14%. No entanto, é bom lembrar que vários produtos da pauta de manufaturas são, na verdade, commodities (suco de laranja, açúcar refinado, placas de aço), o que poderia distorcer este cálculo.

Olhando a exportação brasileira por uma ótica um tanto diferente (commodities X produtos diferenciados), observamos, nos últimos 12 meses, uma expansão de 18% das commodities contra 14% dos produtos diferenciados. Mesmo retirando das exportações de produtos diferenciados as plataformas de Petrobrás (“exportação ficta”), o crescimento dos produtos diferenciados atingiria 13%, dificilmente um sinal estagnação.

Quanto ao emprego industrial, o Caged revela a criação de 395 mil novos postos de trabalho no setor em 2007, quase 60% a mais que no ano anterior. No ano passado, de cada quatro empregos gerados, um foi criado no setor industrial. Em 2006 a indústria respondeu por um em cada cinco novos empregos. Para uma política que “não privilegia o emprego e não tem escrúpulos em fixar a taxa de câmbio a valores altamente insatisfatórios”, os resultados me parecem bastante bons.

Em suma, os profetas da desindustrialização erraram feio. Não que isto vá fazer qualquer diferença em suas “análises”, já que a conclusão já foi alcançada antes do começo do processo e as evidências empíricas em contrário são apenas aspectos irritantes de uma realidade que se recusa a se render a estas mentes superiores.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Agora eu entendi...

Vejam este trecho da entrevista do Grande Inquisidor do Ipea

Como se pisa no freio, já sabemos. Como se pisa no acelerador?

Estamos vivendo um ciclo de expansão da economia fundado nos investimentos. Temos hoje uma poupança enorme. A dívida pública no Brasil é de 43%, 44% do PIB (Produto Interno Bruto). É dívida, mas é crédito. Esse dinheiro está circulando. O desafio nosso para sustentar o crescimento é fazer o deslocamento, com cuidado, do que está hoje na ciranda financeira para o investimento produtivo. Isso não se faz, necessariamente, somente reduzindo os juros. Se reduzirmos os juros, mas não tivermos uma agenda de investimentos em que o setor privado possa ter o retorno adequado, esse dinheiro vai embora.

Agora eu finalmente entendi. Dívida é dívida, mas dívida também é crédito. Logo, quanto mais dívida, mais crédito. Quanto mais crédito, mais crescimento. Então o negócio é o governo se endividar bastante para gerar muito crédito e acelerar o crescimento econômico. E, como para se endividar, o governo precisa gastar, o negócio é gastar muito...

É interessante notar que, para o Pochmann e seus asseclas, a conclusão é sempre que o governo deve gastar mais. Só a justificativa se torna anti-cíclica: se na recessão, é para aumentar a demanda; se na prosperidade, é porque a arrecadação mais alta o permite.

Fato é que o Pókemon não passaria no curso de Contabilidade Nacional em qualquer escola séria de Economia. Começa confundindo poupança (um fluxo) com dívida governamental (um estoque). É mais ou menos como afirmar que o fluxo de caixa de uma empresa é bom porque sua dívida é alta, i.e., uma afirmação que não faz qualquer sentido (algo como 2+2=amarelo).

O endividamento resulta do déficit público (a dívida nada mais é que a acumulação de déficits). Só que o financiamento do déficit público compete pela poupança nacional (e poupança externa) com o financiamento do investimento privado. Isto não é uma especulação; é uma identidade contábil. Podemos até dizer que numa identidade não há relação de causa e efeito, mas isto não é desculpa para ignorar a restrição contábil da forma como o Torquemada de Campinas o faz.

Gastos maiores do governo reduzem a disponibilidade de bens e serviços para o setor privado. Olhando este fenômeno pela ótica financeira, uma parcela a mais da poupança tem que ser direcionada para a aquisição de títulos da dívida pública (portanto não para aquisição de títulos provados). É óbvio, mas, por incrível que pareça, nem as obviedades são respeitadas.

E crédito é associado à demanda. Não há qualquer menção a como a oferta vai acomodar a expansão de demanda. É a velha Lei de Yas (o contrário da Lei de Say): a demanda, na visão dos “keynesianos de quermesse”, sempre gera sua própria oferta. Deve ser por este motivo que nunca houve inflação no mundo.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Lições do Bom Livro

“O que Deus fará mostrou ao Faraó. Eis que sete anos vêm; haverá fartura grande em toda a terra do Egito. E levantar-se-ão sete anos de fome atrás deles; e será esquecida toda fartura na terra do Egito (...) E agora veja o Faraó um homem entendido e sábio, e ponha-o sobre a terra do Egito (...) e aprovisione a terra do Egito nos sete anos de fartura (...) E será o alimento como reserva, para o povo, para os sete anos de fome (Gênesis, 41, 28-37)”.

José entendia naquela época mais de política fiscal (isto é, dos gastos e da receita do governo) do que nossos “desenvolvimentistas”, que hoje saúdam a recomendação de expansão fiscal para lidar com a crise americana como a redenção da “heterodoxia” e o fim do Consenso de Washington. José, por exemplo, sabia que não haveria condições de prover nos anos de fome aquilo que não tivesse sido poupado nos anos de fartura, ou seja, que a política fiscal deve ser anti-cíclica.

Sabem isto também os países que pretendem dispor da política fiscal para atenuar o ciclo econômico. Em períodos de prosperidade, estes costumam reconhecer que parte do seu desempenho fiscal está associada à “fartura da terra”, e que esta pode desaparecer quando a “fartura for esquecida”. Cientes disso, aproveitam tais períodos para poupar os ganhos extraordinários, não mais estocando grãos, mas, de forma equivalente, reduzindo sua dívida e evitando expandir gastos em linha com a receita. Desta forma, quando os “sete anos de fome” se materializam tais países têm um segundo instrumento, além da taxa de juros, para lidar com a crise.

No caso americano, esta não é a primeira vez que esta política é adotada. Na recessão anterior, por exemplo, o superávit fiscal – que havia atingido 2,6% do PIB em 2000 – transformou-se em déficit equivalente a 3,7% do PIB em meados de 2004, uma expansão fiscal considerável. No entanto, assim que a economia americana voltou a um ritmo de crescimento mais acelerado, o déficit fiscal foi reduzido de forma contínua, até atingir modestos 1,2% do PIB no ano fiscal de 2007, a despeito dos gastos militares. A dívida pública, de forma consistente com isto, interropeu sua trajetória de alta, caindo de 37,9% para 37,1% do PIB entre 2005 e 2007.

A melhora das condições fiscais no período recente deu aos EUA a oportunidade de expandir gastos e cortar impostos para mitigar a recessão, ainda que em proporções inferiores às que se observavam no início desta década. Isto não representa qualquer abandono da “ortodoxia”; pelo contrário, é a recompensa pela prática de uma política fiscal responsável. Caso reste alguma dúvida, peço ao leitor que imagine se a reação do mercado seria tão positiva a um programa de expansão fiscal caso os EUA ostentassem um déficit público próximo a 4% do PIB e uma dívida crescente. Muito provavelmente as taxas de juros dos títulos de 5, 10 e 30 anos subiriam, dificultando, ao invés de auxiliar, o trabalho do Fed.

Nós aprendemos apenas parcialmente as lições do Bom Livro. Conseguimos reduzir bastante nossa dívida, quase 10% do PIB nos últimos quatro anos, mas continuamos a aumentar os gastos públicos como se a prosperidade fosse durar para sempre. Nos anos de vacas magras, porém, o tamanho do gasto e a rigidez orçamentária deixarão pouco espaço para a política fiscal. José sabia, mas os “desenvolvimentistas” ainda não entenderam.

(Publicado 6/Fev/2008)