Foram vários comentários interessantes dos leitores. Não sei se conseguirei fazer justiça a todos.
Sem dúvida, não há qualquer noção de trade-off nas análises campineiras/heterodoxas/”keynesianas de quermesse”. Quase tudo se resolve (ou não) por vontade política (ou ausência dela, quando não se resolve, já que o “Estado” é sempre dominado pelo interesse dos “rentistas”). Em geral o problema de todas estas propostas me parece ser a existência de mais objetivos que instrumentos. Em outros casos variáveis endógenas são tratadas como exógenas, às vezes se transformando em instrumento de política.
A taxa real de câmbio é, em particular, vítima contumaz deste tipo de “análise”. Parte-se do pressuposto que alguns iluminados conseguem saber qual é a taxa de câmbio “correta” e, além disto, que há alguma forma da autoridade fixar a taxa real, presumivelmente fixando a taxa nominal. Como apoio a esta tese costuma-se também invocar o exemplo asiático para mostrar como a estratégia de câmbio fraco implica alto crescimento. Um ou outro mais sofisticado vai atrás da conversa do Rodrik (“The Real Exchange Rate and Economic Growth: Theory and Evidence”. The Kennedy School of Government, Harvard, agosto de 2007), que acredita ter achado uma relação sólida e positiva entre câmbio fraco e crescimento elevado.
Sem querer entrar muito a fundo neste assunto, minha impressão é que o Rodrik simplesmente não considerou a possibilidade um terceiro fator levar simultaneamente a crescimento acelerado e câmbio real fraco. Taxas elevadas de poupança, incluindo, é claro, superávits fiscais parrudos, têm exatamente a propriedade de, ao mesmo tempo, levar a taxas elevadas de crescimento e taxas reais de câmbio fracas.
Isto me lembra de uma crônica de anos atrás, do Luís Fernando Veríssimo, na qual o Analista de Bagé, assistindo “O Império dos Sentidos”, propõe à moça ao lado fazer o que se faz no filme, ao que a moça responde: “Topo, mas onde a gente arranja os japoneses?”.
No Brasil querem seguir a estratégia de desenvolvimento asiático, desde que (1) se prescinda da elevada taxa de poupança; (2) não sejamos obrigados a elevar o superávit fiscal; (3) possamos manter o perfil de gasto público direcionado ao gasto corrente em oposição ao gasto de capital; (4) seja permitido manter a carga tributária nos seus níveis e complexidade atuais; (5) também não tenhamos que fazer um esforço brutal de acumulação de capital humano.
Para este pessoal, a estratégia asiática de crescimento se resume a manter o câmbio fraco! É o “Império da Falta de Sentido”...
De quando em vez alguém resolve aparecer com uma história de controle de capitais. Uns mais cretinos (como o secretário do Torquemada) vêm com proposta de controle na saída de capitais, ou ainda de retrocesso na liberalização das regras cambiais, em particular a referente à obrigatoriedade do ingresso das receitas de exportação. Obviamente o efeito seria o inverso (assim como seria o efeito de aumentar a proteção à indústria local), caracterizando um exemplo claro daquilo que o “O” Anônimo chamou “não entender mesmo do riscado”...
Os menos cretinos entendem que controle de capitais na entrada daria algum grau de liberdade a mais para a política monetária, embora este grau de liberdade se manifeste no poder do BC subir (!) a taxa de juros para combater a inflação, presumivelmente com menor impacto sobre a taxa nominal de câmbio e, a depender da eficácia do controle, sobre a taxa real também (uma redução no ingresso de capitais mudaria, ceteris paribus, a condição de equilíbrio do balanço de pagamentos, implicando uma taxa real de câmbio mais fraca, mas apenas se o controle for eficaz, o que é matéria controversa). Obviamente, com o canal de câmbio (ao menos parcialmente) obstruído, muito provavelmente o BC teria que fazer um esforço maior, mas este aspecto é solenemente ignorado.
Voltando ao tema principal, acho que o problema destas “análises” é a recusa ideológica de tratar os assuntos de uma forma mais analítica, explicitando restrições orçamentárias e funções de reação dos agentes às medidas de política. Todas as variáveis são exógenas (lembro-me de um destes economistas, hoje em elevado cargo no governo, dizendo que a solução para os problemas brasileiros era aumentar o PIB; eu sempre imaginei que o problema de qualquer economia seria aumentar o PIB), não há trade-off, e tudo vira questão de “economia política”.
Abraços,
Alex
Sem dúvida, não há qualquer noção de trade-off nas análises campineiras/heterodoxas/”keynesianas de quermesse”. Quase tudo se resolve (ou não) por vontade política (ou ausência dela, quando não se resolve, já que o “Estado” é sempre dominado pelo interesse dos “rentistas”). Em geral o problema de todas estas propostas me parece ser a existência de mais objetivos que instrumentos. Em outros casos variáveis endógenas são tratadas como exógenas, às vezes se transformando em instrumento de política.
A taxa real de câmbio é, em particular, vítima contumaz deste tipo de “análise”. Parte-se do pressuposto que alguns iluminados conseguem saber qual é a taxa de câmbio “correta” e, além disto, que há alguma forma da autoridade fixar a taxa real, presumivelmente fixando a taxa nominal. Como apoio a esta tese costuma-se também invocar o exemplo asiático para mostrar como a estratégia de câmbio fraco implica alto crescimento. Um ou outro mais sofisticado vai atrás da conversa do Rodrik (“The Real Exchange Rate and Economic Growth: Theory and Evidence”. The Kennedy School of Government, Harvard, agosto de 2007), que acredita ter achado uma relação sólida e positiva entre câmbio fraco e crescimento elevado.
Sem querer entrar muito a fundo neste assunto, minha impressão é que o Rodrik simplesmente não considerou a possibilidade um terceiro fator levar simultaneamente a crescimento acelerado e câmbio real fraco. Taxas elevadas de poupança, incluindo, é claro, superávits fiscais parrudos, têm exatamente a propriedade de, ao mesmo tempo, levar a taxas elevadas de crescimento e taxas reais de câmbio fracas.
Isto me lembra de uma crônica de anos atrás, do Luís Fernando Veríssimo, na qual o Analista de Bagé, assistindo “O Império dos Sentidos”, propõe à moça ao lado fazer o que se faz no filme, ao que a moça responde: “Topo, mas onde a gente arranja os japoneses?”.
No Brasil querem seguir a estratégia de desenvolvimento asiático, desde que (1) se prescinda da elevada taxa de poupança; (2) não sejamos obrigados a elevar o superávit fiscal; (3) possamos manter o perfil de gasto público direcionado ao gasto corrente em oposição ao gasto de capital; (4) seja permitido manter a carga tributária nos seus níveis e complexidade atuais; (5) também não tenhamos que fazer um esforço brutal de acumulação de capital humano.
Para este pessoal, a estratégia asiática de crescimento se resume a manter o câmbio fraco! É o “Império da Falta de Sentido”...
De quando em vez alguém resolve aparecer com uma história de controle de capitais. Uns mais cretinos (como o secretário do Torquemada) vêm com proposta de controle na saída de capitais, ou ainda de retrocesso na liberalização das regras cambiais, em particular a referente à obrigatoriedade do ingresso das receitas de exportação. Obviamente o efeito seria o inverso (assim como seria o efeito de aumentar a proteção à indústria local), caracterizando um exemplo claro daquilo que o “O” Anônimo chamou “não entender mesmo do riscado”...
Os menos cretinos entendem que controle de capitais na entrada daria algum grau de liberdade a mais para a política monetária, embora este grau de liberdade se manifeste no poder do BC subir (!) a taxa de juros para combater a inflação, presumivelmente com menor impacto sobre a taxa nominal de câmbio e, a depender da eficácia do controle, sobre a taxa real também (uma redução no ingresso de capitais mudaria, ceteris paribus, a condição de equilíbrio do balanço de pagamentos, implicando uma taxa real de câmbio mais fraca, mas apenas se o controle for eficaz, o que é matéria controversa). Obviamente, com o canal de câmbio (ao menos parcialmente) obstruído, muito provavelmente o BC teria que fazer um esforço maior, mas este aspecto é solenemente ignorado.
Voltando ao tema principal, acho que o problema destas “análises” é a recusa ideológica de tratar os assuntos de uma forma mais analítica, explicitando restrições orçamentárias e funções de reação dos agentes às medidas de política. Todas as variáveis são exógenas (lembro-me de um destes economistas, hoje em elevado cargo no governo, dizendo que a solução para os problemas brasileiros era aumentar o PIB; eu sempre imaginei que o problema de qualquer economia seria aumentar o PIB), não há trade-off, e tudo vira questão de “economia política”.
Abraços,
Alex