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terça-feira, 30 de setembro de 2008

E agora, José?

Inesperadamente a Câmara norte-americana rejeitou a proposta de resgate dos bancos após líderes partidários terem concordado com um projeto que, mesmo bastante diferente do esboçado pelo Secretário do Tesouro, mantinha o desenho básico de adquirir dos bancos US$ 700 bilhões de papéis lastreados em hipotecas. Não haverá, portanto, até segunda ordem, o resgate dos bancos, que terão que carregar no seu balanço estes títulos, cujo valor permanece uma incógnita.

Isto representa duro golpe para o setor bancário. Se há dúvidas sobre o valor destes papéis, sem a troca destes por títulos públicos esta desconfiança apenas aumentará, levando a uma queda adicional do seu valor de mercado. O problema, porém, é que esta queda se manifestará de forma desproporcional sobre o crédito e o crescimento.

Com efeito, cada dólar de redução de valor de mercado destes papéis implica um dólar a menos de capital do sistema bancário, com duas possíveis conseqüências. A menos grave, mas praticamente certa na ausência do programa de resgate, seria uma redução significativa do volume de crédito. Como bancos tipicamente têm um volume de empréstimos equivalente a um múltiplo do seu capital, este mesmo dólar de capital a menos vira um valor bem maior em termos de redução do crédito, reduzindo a demanda doméstica norte-americana.

A mais grave, ainda que menos provável, seria o aprofundamento da onda de quebras de instituições financeiras. De fato, a depender do montante de perda de valor dos papéis lastreados em hipotecas, as perdas do banco podem superar o seu capital, o que configura um problema de insolvência. Dada a profunda integração entre bancos, falamos da possibilidade de uma crise de grandes proporções, com efeitos ainda mais severos e duradouros sobre o nível de atividade.

De qualquer forma, portanto, vivemos a iminência de uma forte queda adicional do crescimento americano, cujas conseqüências não podem ser ignoradas. Especificamente no caso brasileiro, se é verdade que apenas pouco mais de 2% do PIB estão diretamente expostos (via exportações) à economia americana, há outros canais pelos quais o país pode sofrer impactos negativos.

O primeiro viria pela queda do preço de commodities na esteira da desaceleração mundial. A elevação no preço destes bens implicou aumento no preço dos bens exportados pelo Brasil relativamente àqueles que importamos. Isto tem permitido aumentar as importações mais do que poderíamos em circunstâncias normais, e, portanto, possibilita que a demanda doméstica cresça bem à frente do PIB. Sem, porém, o auxílio das commodities isto não poderia ser mantido, implicando significativa depreciação do real combinada com aperto monetário para trazer o crescimento da demanda doméstica a níveis inferiores ao crescimento do produto.

Por outro lado, é difícil imaginar que uma forte redução do crescimento mundial não resulte também em redução do fluxo de capitais para as economias emergentes, Brasil entre elas, levando à depreciação adicional do câmbio e à necessidade de conter ainda mais a demanda.

Isto dito, se as conseqüências da crise serão negativas, é também importante notar que o Brasil dispõe desta vez de instrumentos que permitem, ao menos, mitigar estes efeitos. Destaco em particular o volume de reservas que, à taxa de câmbio de hoje, reduziria a relação dívida - PIB em 2,5%. Em outras palavras, a solvência do país, ao contrário de outros episódios, não será questionada, fator que deve impor limites aos efeitos da crise sobre o Brasil.

(Publicado 30/Set/2008)

sábado, 20 de setembro de 2008

Pensamentos esparsos sobre a crise

“Caio disse:

Alex você não acha que existe limites para intervenção estatal na economia?

O tesouro pretende dar um trilhão de USD para os bancos com dinheiro do contribuinte, como os EUA não tem esse dinheiro vão ter que emitir títulos públicos aumentando a divida interna.Os erros foram cometidos pelo FED que colocou juros durante muito tempo baixo.1% ao ano,isso já era de se esperar.Erro de regulação não houve porque a economia americana é muito regulada.

Bernake tem que colocar o juros em 8% para desinflacionar a economia.Depois que a inflação baixa o juros cai e a economia volta a crescer.”

Caio:

Sim, há limites. Fora isto, tudo o mais, ou está errado, ou mostra que você ainda não entendeu o que está em jogo.

Há hoje basicamente duas alternativas: (1) deixar os bancos quebrarem; e (2) comprar os ativos podres dos bancos, ficar com eles e ver quanto valem no final.

No caso da alternativa (2), o Tesouro pede autorização para emitir US$ 700 bilhões (não é um trilhão, mas não está longe). Isto, porém, não é o custo para o contribuinte. O custo para o contribuinte é a diferença entre o quanto o Tesouro pagará pelos ativos e quanto recuperará no final. Se for zero, aí sim o custo será de US$ 700 bilhões, cerca de 5% do PIB americano.

O custo da alternativa (1) é desconhecido. Qual o impacto de uma crise sistêmica que atinja os bancos americanos, com fortes possibilidades de contágio de bancos europeus? Pensando apenas do ponto de vista de contração de crédito, se estes ativos valerem mesmo zero (assim posso comparar com a alternativa (2)), os bancos reduzirão seu capital em US$ 700 bilhões.

Supondo, conservadoramente, que a alavancagem seja 12:1 (nos bancos de investimento é muito maior), isto implicaria uma queda de crédito de US$ 8,4 trilhões, ou seja, 60% do PIB. Crédito nos EUA é algo da ordem de US$ 30 trilhões (pela casa de 200% do PIB); portanto, a redução do crédito ficaria entre 25-30%. Como você acha que a economia americana reagiria a uma contração do crédito desta ordem?

Claro, o impacto pode ser minorado pela recapitalização dos bancos, mas quem, em sã consciência, vai botar dinheiro em bancos nas atuais circunstâncias? Note também que isto não captura outros efeitos, por exemplo, o que a redução do nível de atividade por conta da contração de crédito causaria nos demais ativos (não imobiliários) dos bancos, como cartões de crédito, empréstimos estudantis, crédito ao consumo, etc. Não captura o efeito da queda do valor das ações sobre a demanda e muitos outros. Resumindo, podemos estar falando de uma recessão bíblica, com fogo, enxofre, ira divina, e tudo a que temos direito...

Se a contração do PIB (mais precisamente o valor presente do desvio do produto com relação ao seu potencial ao longo do período todo do impacto) passar de 5%, então a alternativa (2) é superior. Fim de papo.

Ou não. Há duas considerações que valem a pena.

Primeiro a questão do “moral hazard”. Obviamente resgate implica “moral hazard”, mas note que – pelo que foi discutido acima – não há como o governo se comprometer que NÃO fará resgates, porque há circunstâncias (e esta pode ser uma delas) em que a análise de curto prazo entre custos relativos indica que, sim, o governo deve resgatar para evitar o mal maior. Sabendo disso, há incentivos para o comportamento arriscado, o tal do “moral hazard” na crença que, se o problema for suficientemente grave, o governo NÃO terá alternativa. (Para quem gosta destas coisas, estamos diante de um problema de inconsistência temporal).

A solução é, obviamente, criar uma regulação que limite estes incentivos e uma fiscalização que garanta que a regulação é aplicada. Por este motivo, falar que a economia americana é excessivamente regulada é um erro, pelo menos no que tange o setor financeiro. A originação das hipotecas foi abaixo da crítica: falta de documentação, de comprovação de renda, o que quiser...

A existência de estruturas fora do balanço dos bancos (SIVs, SPCs, etc) e, portanto, fora da vigilância dos órgãos reguladores/fiscalizadores, é de doer em qualquer um que tenha trabalhado em órgãos semelhantes mundo afora (e eu não sou exceção).

Se isto falha, como falhou, a discussão de “moral hazard” em termos de salvar ou não salvar bancos vira brincadeira. A discussão real teria que ter ocorrido há muito, para não deixar a situação chegar aonde chegou. Quando chega neste ponto a capacidade de escolha desapareceu há muito, ou você acha que o Bernanke não conhece “moral hazard”?

A outra questão não tem a ver diretamente com a pergunta do Caio, mas com o plano em si. Qual é a relação entre o valor que os bancos receberão, o valor a que os papéis estão marcados e o capital dos bancos?

Caso os bancos recebam pelo valor a que os papéis estão marcados (presumivelmente a mercado, ou algo próximo, esperamos), ainda podem ficar abaixo da linha d’água no que se refere a capital, ou seja, em bom português, quebrados. O problema já deixou de ser liquidez e pode, sim, ser um problema de solvência. Como resolver depois do resgate? Chamam mais capital (sem resolver o problema de solvência)? O Tesouro entra como sócio?

Se receberem um valor acima do valor dos papéis, podem se salvar, mas até que ponto isto é subsídio ao acionista? Ou o governo faz apenas o suficiente para deixá-los na linha d’água e, a partir daí, buscarão novos acionistas (os acionistas originais perderão tudo, ou quase tudo, o que ajuda a limitar o problema de “moral hazard”). Idealmente esta parece ser a melhor alternativa (o custo também), mas precisa que a recapitalização venha logo.

Por fim, quanto à inflação americana, frente à queda de atividade que veremos à frente, em breve deixará de ser problema. Não precisa por o juro em 8% (aliás, de onde você tirou este número?).

Quer dizer, o problema é muito complicado para ser resolvido com frases feitas. Tem que pensar desde o começo.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

The Beatles After The Beatles


MixwitMixwit make a mixtapeMixwit mixtapes

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Econometria de resultados

As contas nacionais até junho de 2008 foram divulgadas na semana passada confirmando o que se esperava: apesar da ladainha sobre como a combinação (“criminosa”, “irresponsável”, “neoliberal”, etc.) juro-câmbio não permite que o país cresça, o PIB insistiu em aumentar 6% nos últimos quatro trimestres, a taxa mais elevada desde o terceiro trimestre de 1995, refletindo a acelerada expansão da demanda doméstica, que atingiu 8% no mesmo período. Assim, o crescimento médio da economia brasileira desde 2004 ultrapassa 4,5% a.a., o maior dos últimos 20 anos.

Chama atenção, porém, o descompasso entre o crescimento da demanda doméstica e da produção, quase 2%, magnitude não observada desde 1997. Obviamente, expansão da demanda doméstica superior à do produto é equivalente a importações crescendo mais rápido que as exportações, mas esta é uma relação contábil. Cabe a pergunta: são as importações crescendo à frente das exportações que levam o produto a crescer menos que a demanda, ou, pelo contrário, é o crescimento da demanda que leva à aceleração das importações?

Recentemente foi publicado trabalho que defende a primeira alternativa, argumentando que o câmbio apreciado leva ao descompasso entre demanda e produção domésticas. No entanto, para que isto fosse verdade, seria necessário mostrar que a produção doméstica pode, de fato, se expandir à mesma velocidade que a demanda e, curiosamente, este é um tema completamente ausente do estudo. Não se encontra nele qualquer menção ao produto potencial da economia (quanto mais uma mísera estimativa), ou ao grau de utilização de capacidade instalada, ou ainda qualquer argumento mais sólido mostrando que a economia brasileira pode crescer 8% a.a. sem maiores problemas.

Já eu convido meus 17 leitores a inspecionar o gráfico que traça o comportamento das taxas de utilização de capacidade na indústria medidas pela FGV e pela CNI. Ambas mostram a ocupação nos níveis mais altos da série, uma forte evidência de que, discurso à parte, a indústria tem encontrado limites à expansão da produção.



É verdade que o investimento aumentou, mas não é necessário gênio para concluir que uma taxa de investimento ainda pouco superior a 18% do PIB não sustenta crescimento contínuo de 8%, o necessário para acomodar a demanda doméstica como sugerido pelo “econometria de resultados”.

Aliás, a aceleração do investimento ocorre precisamente no momento em que a taxa de câmbio se fortalece, mais uma evidência difícil de conciliar com a noção de que é o câmbio forte quem inibe a produção. Pelo contrário, como enfatizado por Afonso Pastore e Maria Cristina Pinotti, há uma relação estreita (e positiva) entre crescimento do investimento e das importações, mostrando que o câmbio forte desempenha papel relevante para aumentar a capacidade de crescimento do Brasil.

Econometria de resultados à parte, os dados revelam que o câmbio não é culpado pelo descompasso entre demanda e produção. A culpa é mesmo do tão-difamado, e pouco compreendido, “produto potencial”.

(Publicado 17/Set/2008)

domingo, 14 de setembro de 2008

Testando os limites da cretinice - 6 (Ou, mais uma do Pochmann)

Complementando a declaração de sexta, Marcio Pochmann, mais uma vez, comete o seguinte atentado à inteligência:

O mito da tributação elevada no Brasil

"(...) No Brasil, a cada R$ 3 arrecadados pela tributação, somente R$ 1 termina sendo alocado livremente pelos governantes. Isso porque, uma vez arrecadado, configurando a carga tributária bruta, há a quase imediata devolução a determinados segmentos sociais na forma de subsídios, isenções, transferências sociais e pagamento dos juros do endividamento público. Noutras palavras, R$ 2 de cada R$ 3 arrecadados só passeiam pela esfera pública antes de retornar imediata e diretamente aos ricos (recebimento de juros da dívida), às empresas (subsídios e incentivos) e aos beneficiários de aposentadorias e pensões.

Assim, o uso da carga tributária bruta no Brasil se transforma num indicador pouco eficaz para aferir o peso real da tributação. Talvez o mais adequado possa ser análises sobre a carga tributária líquida, que é aquela que, de fato, indica a magnitude efetiva dos impostos, taxas e contribuições relativamente ao tamanho da renda dos brasileiros, pois é com essa quantia que os governantes conduzem (bem ou mal) o conjunto das políticas públicas.

Nesse sentido, a tributação elevada é um mito no Brasil. A carga tributária líquida permanece estabilizada em 12% do PIB já faz tempo. O que tem aumentado mesmo são impostos, taxas e contribuições que, uma vez arrecadados, são imediatamente devolvidos, o que impede de serem considerados efetivamente como peso da tributação elevada. "

A conclusão atinge os píncaros do cretinismo, qual seja, se tirarmos as despesas do governo, a carga tributária não é elevada.

Fora isto cabe notar que, em primeiro lugar, tributar e depois distribuir NÃO é um jogo de soma zero. Só seria se a tributação fosse "lump-sum", isto é, que não causasse distorção, Isto, porém, está longe de ser verdade , em particular no Brasil. Ou seja, há todas as perdas de bem-estar (os tais triângulos de Harberger) associadas à tributação em excesso à arrecadação efetiva e, portanto, aos benefícios das tranferências.

Segundo, há custos reais associados à tributação que vão além dos triângulos de Harberger. No Brasil, onde, segundo o Grão-Mestre da Ordem da Cretinice, a carga tributária líquida se mantém em 12% do PIB, as empresas gastam 2600 homens-hora/ano para se manterem em dia com preenchimento de guias, procedimentos burocráticos para pagamento de impostos, acompanhamento da legislação dos 27 códigos de ICMS, mais IPI, Cofins, PIS, IR, CSLL, etc, etc.

Ou seja, esta historinha de carga líquida esconde debaixo do tapete todos os custos associados à carga tributária bruta.

Em breve teremos que excluir o Pochmann da competição de "Cretino do Ano" em nome de um mínimo de justiça. Graças a ele o índice de Gini do cretinismo nacional se aproxima perigosamente de um, e não por falta de cretinos...

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Testando os limites da cretinice - 5

Broadcast hoje:

"Pochmann afirmou que para que no longo prazo o País atinja um nível de desenvolvimento maior, com educação e saúde de alto padrão para toda a população, talvez seja necessário que o nível de arrecadação do governo, que está próximo a 37% do PIB, salte para um nível entre 60% e 70% do Produto Interno Bruto. Segundo ele, a gestão destes recursos, que chamou de 'Fundo Público', não precisa ser um monopólio do governo, mas pode também contar com a participação dos empresários e trabalhadores, como ocorre com os recursos do Fundo de Amparo do Trabalho, o FAT. "

Não sei o que vocês acham, mas, se não é recorde mundial de cretinice, é, no mínimo, sul-americano (onde os níveis de cretinice, diga-se, costumam ser bastante elevados). De fato, tudo o que precisamos para o desenvolvimento maior do país é entregar entre 60-70% da renda para o governo que, afinal, sabe muito melhor do que nós em que gastar o dinheiro (não se pode deixar que os brasileiros gastem tudo em pinga, não é mesmo?).

Aliás, o FAT é mesmo um exemplo de gestão conjunta: é remunerado à TJLP, o que deve deixar seus "beneficiários" (trabalhadores, não os verdadeiros beneficiários sem aspas) bastante felizes...

Caso um dia minhas faculdades mentais se deteriorem a este ponto, minha família já tem instruções para pisar no tubinho. Na falta de alguém para fazer o mesmo com o Pochamann, espero, pelo menos, que alguma alma caridosa o regue de vez em quando.

P.S. Conversando com um amigo imaginamos se não seria o caso de exorcismo. Tanta burrice não pode ter origem acima do inferno.

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Testando os limites da cretinice - 4

Fiquei sabendo deste post por um amigo. Normalmente não comento as afirmações do Nassif porque conseguem ser ainda piores do que as do Hegeliano, mas esta aqui amplia, de fato, os limites da cretinice. Vejam que belezinha:

“É importante anotar que a demanda foi puxada especialmente pela FBCF (Formação Bruta de Capital Fixo), que cresceu 16,2% contra 6,7% do consumo das famílias. E também pelas Importações, que cresceram 25,8%. As últimas projeções indicam arrefecimento da atividade industrial. E a apreciação do câmbio deve reduzir a demanda via importações.Ou seja: não há nenhuma motivo, nem pelos dados do PIB, nem pelos dados de inflação, para o Copom continuar aumentando a taxa Selic”

Na primeira frase a demanda é puxada pelas importações, o que já é de uma cretinice ímpar, dado que a importação cresce precisamente para atender a demanda, isto é, ela faz parte da oferta (ou reduz a demanda externa líquida, o que é a mesma coisa). Mas o pior é que, na frase seguinte, as importações reduzem a demanda. Em cinco linhas as importações aumentam e (também) reduzem a demanda.

E a apreciação cambial? A taxa de câmbio veio de um mínimo de 1,5737 no dia 25/jul para 1,785 hoje (10/set), uma desvalorização de 13%. Nem os números estão certos.

E o autor deste conjunto de cretinices se acha no direito de dar uma opinião informada sobre política monetária...

sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Ainda o preço de commodities e a inflação

Para quem tinha ainda dúvida acerca do que eu andei escrevendo sobre o impacto de preços de commodities sobre a inflação, sugiro a sequência de gráficos abaixo preparada pelo Pastore, que tem uma visão muito semelhante à minha.

Para começar o Patore mostra a evolução do CRB em reais, i.e., convertido pela taxa de câmbio. Vejam a diferença de desempenho do CRB em dólares (forte aceleração) e o CRB em reais, praticamente de lado desde o final de 2006. Aliás, quando não está de lado, está em queda, como se pode ver, desde o início de 2008. Só isto já deveria bastar para demolir a tese da inflação importada.

Além disto, o Pastore também estima o coeficiente de repasse do CRB (em reais) para o IPCA: algo como 16%, isto é, se houver um aumento de 10% do CRB medido em moeda nacional, o impacto sobre preços domésticos seria da ordem de 1,6%. A notar que os preços em reais vêm caindo, portanto, se algum efeito há, é no sentido de baixar a inflação.

No caso do CRB alimentos a história é algo (não muito diferente). Mais uma vez, medido em reais, o CRB alimentos mostra elevação ao longo de 2007, mas estabilidade em 2008, quer dizer, sua variação no ano é próxima a zero.

E, como no caso anterior, o repasse dos preços de commodities em reais para o preços de alimentos no IPCA não é integral; longe disso, o coeficiente de repasse é 20%, i.e., um aumento de 10% do CRB alimentos em reais eleva preços de alimentos em 2%, cujo impacto sobre o IPCA cheio (dado que alimentos no domicílio pesam cerca de 16%) é de 0,32%.


Em suma:
1) Não há indicação de aumentos de preços de commodities em reais. Como mostrei no post "Pense globalmente; aja localmente (http://maovisivel.blogspot.com/2008/07/pense-globalmente-aja-localmente.html)", no caso do Brasil, preços de commodities e taxa de câmbio se movem em direções opostas, assunto que voltei no "Oportunismo ou inação? (http://maovisivel.blogspot.com/2008/08/oportunismo-ou-inao.html)";
2) Mesmo variações de preços de commodities em reais não são repassadas integralmente para preços, mas ponderadas por coeficientes de repasse da ordem de 15-20%.
Se alguém insistir neste assunto eu conto para o Pastore...

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Non ducor, duco

O Ministro da Fazenda anunciou que modificará a contabilidade do setor público. Fiel ao seu estilo, as intenções de mudanças foram anunciadas antes que algo de concreto pudesse ser mostrado, mas, aparentemente, há a intenção de migrar do atual regime de metas para o superávit primário (que desconsidera os juros sobre a dívida pública), para um regime de metas para as contas fiscais como um todo.

Não que isto em si requeira qualquer alteração de monta na contabilidade pública. Como todo analista informado sabe, o Banco Central publica a cada mês o resultado consolidado do governo, mostrando não só o balanço primário, mas também as contas de juros, a evolução da dívida, sua composição e uma imensidão de detalhes. O que queremos saber acerca das contas públicas já está devidamente divulgado.

Mais importante que a alteração da contabilidade é o anúncio da intenção de zerar o déficit público num horizonte relativamente curto. Há duas formas de chegarmos a este resultado, uma consistente com a manutenção da inflação em torno da trajetória de metas e a outra não.

Caso a política de déficit zero não implique alterações no superávit primário, o Banco Central passaria a enfrentar limites no que se refere às decisões de política monetária. Concretamente a taxa de juros não poderia ultrapassar a razão entre o superávit primário e a dívida pública, o que – à luz dos números mais recentes – colocaria a taxa máxima de juros no Brasil num patamar próximo a 11%.

Dado o comportamento recente das taxas de juros e da inflação, há fortes razões para desconfiar que a taxa de juros limitada a 11% não conseguiria entregar a inflação na meta. Aliás, mesmo que o fizesse em determinadas circunstâncias, o estabelecimento de tetos para a taxa de juros impediria o BC de enfrentar eventuais choques mais sérios, o que levaria as expectativas de inflação a se consolidarem acima da meta. Portanto, déficit zero atingido por constrangimentos à política monetária não é consistente com a manutenção da inflação próxima à meta, situação que em “economês” se denomina “dominância fiscal”.

No entanto, se a política de déficit zero implicar um compromisso de contrabalançar aumentos do custo da dívida pública por meio de alterações do superávit primário as conclusões mudam radicalmente. Em primeiro lugar, à medida que a política fiscal passe a se mover em linha com a política monetária, pode-se esperar – em caso de choques que elevem a inflação – uma elevação de juros menor do que se verificaria sob o regime atual, já que o aperto fiscal compensatório reduziria o fardo da política monetária. Este regime implicaria, pois, uma redução da volatilidade das taxas de juros.

Além disto, como partimos de uma situação de déficit (hoje pouco inferior a 2% do PIB), o aperto fiscal deve implicar uma taxa de juros inferior à que seria observada sob o regime atual. Em outras palavras, o país seria capaz de manter o mesmo comportamento da inflação com taxas de juros mais baixas desde que a política fiscal se alinhe à política monetária (e não o contrário).

Cabe notar ainda que a transição entre esses regimes fiscais requer duas condições que, felizmente, parecem existir no Brasil. Nem a dívida pública é tão elevada que leve a movimentos exagerados de política fiscal, nem a eficiência da política monetária é baixa a ponto de levar ao mesmo exagero em termos de alterações de taxas de juros.

Só resta saber quem conduzirá e quem será conduzido. Com a palavra, a Fazenda.



(Publicado 3/Set/2008)