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terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Sexo e outras obsessões

Robert Solow, Prêmio Nobel de Economia, disse certa vez, referindo-se a Milton Friedman: “Tudo para Milton o lembra da oferta de moeda. Já para mim tudo lembra sexo, mas, pelo menos, eu tento mantê-lo fora dos meus artigos”. Também tenho minhas obsessões e, entre as publicáveis, a questão fiscal no Brasil ocupa lugar de honra. Digo isto a propósito de dados recentemente publicados pelo Banco Mundial acerca da comparação entre diferentes países. A imprensa local deu ênfase à posição do Brasil como a décima maior economia do mundo, mas não prestou muita atenção a outro conjunto de dados, bem menos lisonjeiro, que destaca o elevado nível de gasto público no país.

Tais dados se originam do Programa para Comparação Internacional (ICP) do Banco Mundial. O propósito do ICP é simples: gerar um conjunto de estatísticas que possibilitem a comparação entre vários países numa base comum, tarefa bem mais difícil que seu enunciado sugere. Obviamente não faz muito sentido comparar dados expressos em moedas diferentes. Dado que o PIB brasileiro é medido em reais e o PIB indiano em rúpias teríamos que convertê-los numa medida comum (por exemplo, euros) utilizando-se para tanto das taxas de câmbio entre o real e o euro e a rúpia e o euro. No entanto, taxas de câmbio de mercado são extremamente voláteis e com freqüência podem se desviar de seus valores de equilíbrio, prejudicando a comparação.

É possível, porém, definir taxas de câmbio “ideais” determinadas pelo que se convencionou chamar de Paridade de Poder de Compra (PPC). Em termos intuitivos a taxa de PPC é aquela que equipara os custos de uma mesma cesta de bens no Brasil e na Índia medidos na mesma moeda. Um exemplo simples deste conceito é o Índice Big Mac, calculado pela revista inglesa The Economist, que estima as taxas de câmbio em vários países que fariam o sanduíche valer o mesmo que custa nos EUA. Ainda que tal procedimento não esteja livre de problemas, as maiores dificuldades da comparação internacional conseguem ser bastante atenuadas.

Foi com base nesta metodologia que se construiu o ranking mencionado acima, mas ela também permite a montagem de vários outros rankings, inclusive relativos aos gastos do governo na provisão de serviços públicos (defesa, justiça, segurança, etc.). Não é surpresa, à luz dos números que venho apresentando nesta coluna há pouco mais de um ano, que o Brasil ocupe posição de destaque neste quesito. De fato, embora o PIB brasileiro corresponda a 2,9% do PIB global, o gasto do governo na provisão de serviços públicos equivale a 5% do total mundial; somos o décimo maior PIB, mas o quarto maior gasto.

Quando consideramos apenas os países com PIB acima de US$ 100 bilhões em 2005, o Brasil é o segundo colocado em termos de gastos com relação ao PIB, perdendo apenas para a China, cujo dispêndio militar é muito superior ao nosso. Na América do Sul, excetuado o Brasil, o gasto médio é 11% do PIB; no Brasil 19% do PIB. Tudo isto, diga-se, com a qualidade consagrada dos serviços prestados à população.

São números assim que deveriam sepultar de vez teses esdrúxulas sobre o “raquitismo” estatal brasileiro. A má qualidade destes serviços não resulta de pouco gasto, mas da baixa produtividade. Ignorar estes problemas pode ser cômodo, mas – mesmo mantendo sexo fora do artigo – é, acima de tudo, escandaloso. Feliz 2008 a todos.

(Publicado 26/Dez/2007)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

A última do Pochmann

“O presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Marcio Pochmann, defendeu a adoção de jornada semanal de trabalho de três dias com expediente de quatro horas. Disse ainda que o Brasil deveria preparar seus cidadãos para começar a trabalhar depois dos 25 anos de idade. (Folha Online, 12/12/2007 http://www1.folha.uol.com.br/folha/dinheiro/ult91u354096.shtml) ”

Comentário: Acho idéia excelente se aplicada ao seu próprio autor. Só ficaria melhor se ele prometesse trabalhar nenhuma hora de nenhum dia. Não há dúvida que isto aumentaria o bem-estar no país.

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

A falácia de Sherwood

Robin Hood, quem diria, é a mais recente justificativa para o esbanjamento. Segundo novíssimo argumento, não é verdade que o governo gaste muito, nem que a despesa pública tenha aumentado vertiginosamente no país nos últimos 13 anos. Tudo o que o governo inocentemente faz, a exemplo do salteador, é transferir recursos de uma parcela da população para outra. Como transferências a pessoas não representam consumo do governo, não haveria razões para que tal comportamento gerasse preocupação com demanda ou inflação.

No entanto, a aparência de neutralidade envolvida na noção de que o governo simplesmente tira de um grupo para dar a outro, não sobrevive a uma inspeção mais cuidadosa. Tal operação só seria “neutra” sobre o equilíbrio interno se a tributação requerida para financiar estas transferências não distorcesse de alguma forma as decisões de empresas, trabalhadores e consumidores. Isto está longe de ser verdade no Brasil, onde o setor privado é oprimido por enorme e crescente carga tributária.

De fato, entre 1995 e 2006 a arrecadação federal cresceu o equivalente a 5,8% do PIB, sendo que, deste total, PIS-COFINS (2% do PIB), CPMF (1,4% do PIB) e a contribuição para o INSS (0,7% do PIB) representam a maior parcela. São esses também os impostos que mais distorcem a atividade econômica, seja por seu caráter cumulativo, seja por desencorajarem o emprego formal.

Assim, mesmo que todo aumento de gasto público fosse destinado a transferências a pessoas, seu financiamento por meio de impostos de má qualidade reduz a taxa de crescimento potencial da economia, com repercussões sobre o equilíbrio doméstico e a inflação. Ademais, dado menor crescimento, o consumo das gerações futuras é reduzido relativamente ao consumo presente. Quem, porém, se importa, já que tais gerações não têm voto?

Não bastasse isto, há ainda dois pontos a considerar. O primeiro é que, mesmo excluindo as transferências a pessoas, o consumo do governo brasileiro não é baixo, correspondendo a cerca de 20% do PIB comparado a uma média ao redor de 13% do PIB nos principais países da América Latina. Talvez por esta razão nossa infraestrutura seja referência na região e nossos serviços públicos invejados por todo o globo.

Além disto, como notado por minha colega Zeina Latif, houve uma dramática mudança no padrão cíclico do consumo governamental nos últimos anos. Entre 1997 e 2002 o consumo do governo e o gasto privado se moviam tipicamente em direções opostas: quando o gasto privado se acelerava o consumo do governo se retraía e vice-versa (a correlação era forte e negativa, -0,82). Entre 2003 e a primeira metade de 2007 observa-se exatamente o contrário: uma alta correlação positiva (0,67) entre estas variáveis, ou seja, ao invés de contribuir para a estabilização do ciclo, a política fiscal amplia a volatilidade.

Assim, na atual conjuntura, em que o gasto privado já cresce 6% ao ano, com tendência de aceleração, a política fiscal põe desnecessariamente mais lenha na fogueira, reduzindo o espaço para queda adicional da taxa de juros.

Proclamar a falácia de Sherwood em altos brados não basta para eliminar as distorções associadas ao gasto público. Isto não altera o tamanho e a composição perversa da carga tributária, nem muda o caráter pró-cíclico do consumo governamental. Serve apenas para tentar tirar o foco do necessário, e sempre adiado, ajuste fiscal.

(Publicado 12/Dez/2007)

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

A miséria da epistemologia

O artigo de Luís Antônio de Oliveira Lima (“Ousando discordar da ortodoxia dos economistas”, Valor Econômico, 12/11/07) é pródigo em citações, o que mostra o salutar hábito de leitura do autor. Pena que seu entendimento destes textos não seja igualmente saudável, o que me pouparia o trabalho de rebatê-lo novamente. Isto dito, um texto com tantos problemas não poderia passar incólume.

A questão que debatemos é simples. Defendo que a escolha de uma meta de inflação mais elevada (ou mais baixa) não deve ter qualquer efeito sobre a taxa de crescimento da economia por um motivo bastante singelo: as pessoas conseguem distinguir entre alterações nominais e reais de preços. Sindicatos, por exemplo, negociam salários sabendo muito bem o que se trata de mero reajuste nominal e o que é, de fato, ganho real. Se isto é verdade, o anúncio de meta de inflação mais elevada deve ser imediatamente incorporado ao conjunto de informações dos agentes e, consequentemente, às suas expectativas, sem efeitos reais sobre a economia (chamemos isto de hipótese aceleracionista). Lima, pelo contrário, argumentou originalmente que, sim, uma meta de inflação mais alta poderia acelerar o crescimento (já em seu último artigo recuou da posição inicial, afirmando apenas que crescimento pode ser compatível com inflação mais alta).

Em apoio à sua tese Lima, citando o trabalho de Robert Barro, “observa que para taxas de inflação abaixo de 20% qualquer relação, positiva ou negativa, entre crescimento e inflação, não é estatisticamente significativa”. Lima não se deu conta, porém, que este resultado, ao contrário do que parece acreditar, não apóia sua tese. Se a taxa de inflação não tem qualquer efeito sobre a taxa de crescimento, por que alguém escolheria uma meta de inflação mais alta?

Para colocar a questão em termos mais mundanos, o número de vezes ao dia que alguém tocar a Macarena durante a primeira infância do seu filho muito possivelmente não irá afetar sua estatura na adolescência. Isto, porém, não é justificativa para tocá-la inúmeras vezes ao dia, a menos que você acredite que isto trará um aumento de bem-estar à criança (eu não acho, mas deixo isto a critério de cada pai). Da mesma forma, ainda que a inflação (abaixo de 20% a.a.) não prejudique o crescimento, qual a razão para que esta seja 8% a.a. ao invés de, digamos, 3%? Há algo de positivo na inflação mais elevada?

A bem da verdade, Lima agora diz não acreditar que inflação mais alta traga mais crescimento (ainda que em outras passagens revele persistir na crença), mas sim que inflação alta também é compatível com crescimento, assim como é a inflação baixa, ou seja, que o crescimento independe da taxa de inflação. Pergunto: no que mesmo sua posição difere da hipótese aceleracionista?

Lima, porém, não se limita a citações sobre macroeconomia e traz também a epistemologia ao debate. Segundo ele não se pode dizer que a hipótese aceleracionista seja “correta”, já que – citando Karl Popper – não há uma teoria “correta”, apenas hipóteses que se ajustam melhor ou pior aos dados. De fato, a teoria da gravidade de Newton, na leitura ingênua de Popper proposta por Lima, também não é “correta”, mas apenas uma hipótese, que, pode se ajustar melhor ou pior aos dados. Será que o filósofo pularia de uma janela com base na noção que a teoria da gravidade não é “correta” no sentido popperiano do termo?

Exagero meu? Pelo contrário. Anos de exercício de política monetária sob a hipótese aceleracionista cimentaram a noção do que tem sido denominado “A Grande Moderação”, isto é, um período no qual taxas baixas de inflação têm convivido com baixa volatilidade do crescimento. Ao contrário do período em que bancos centrais tentaram (inutilmente) acelerar o crescimento à custa de inflação mais elevada, apenas para pouco depois serem forçados a desacelerar fortemente a atividade para controlar a inflação, gerando um padrão conhecido como stop-and-go, hoje os bancos centrais aprenderam que não precisam (metaforicamente) pular da janela para ver se a hipótese aceleracionista se ajusta aos dados.

Em outras palavras, a hipótese aceleracionista, considerada “simplista” por Lima, serviu de base para a gestão bem sucedida de política monetária que, ao redor do globo, gerou baixas taxas de inflação com reduzida volatilidade do produto, traduzindo-se em ganhos significativos de bem-estar. Como diria Milton Friedman (“The Methodology of Positive Economics”), inspirado pelo mesmo positivismo de Popper, pouco interessam as hipóteses do modelo, desde que este consiga gerar previsões válidas, entre elas sugestões de política que aumentem o bem-estar. A evidência acumulada sobre estes anos de gestão de política monetária inspirada pela hipótese aceleracionista sugere que esta cumpre, com honras, este quesito.

Isto, porém, parece ainda além da compreensão de Lima, em que pesem suas pretensões epistemológicas. Sem dúvida é curioso que alguém cite Popper e, poucos parágrafos depois, questione o “realismo” das hipóteses do modelo, incluída a suposição acerca da racionalidade dos agentes econômicos. Revela, no mínimo, pouca reflexão sobre as implicações da abordagem popperiana à ciência. Na pior das hipóteses sugere que só cita o filósofo alemão quando lhe é interessante, deixando de lado as implicações menos favoráveis à sua tese.

Em todo caso, a miséria epistemológica, mesmo grave, não é o pior aspecto do artigo. Mais séria é a falta de entendimento acerca da própria hipótese aceleracionista, em particular para alguém que pretende se posicionar como o campeão da heterodoxia, “ousando desafiar a ortodoxia dos economistas”. Ao recuar da sua posição original acerca da inflação mais alta trazer mais crescimento e afirmar que teria dito apenas que a inflação elevada (mas, imagino, abaixo de 20%) é “compatível” com crescimento Lima apenas repete inadvertidamente a hipótese aceleracionista, isto é, que o crescimento não é afetado pela taxa de inflação. O defensor da “heterodoxia” não conseguiu perceber que sua suposta crítica apenas ecoa a mesma teoria que pretende criticar. Seria irônico, mas é apenas triste.

(Publicado 5/Dez/2007)

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Uma parábola soberana

Imagine um produtor de um bem qualquer (soja, digamos), cuja demanda se encontra num excelente momento. Os preços estão altos, a produção se expande, e a renda do produtor não pára de crescer. Nosso produtor, porém, é vivido. Não é primeira vez que observa um momento favorável e sabe que, mais à frente, são grandes as chances que o ciclo se reverta. Considerando isto, faz uma escolha sensata: decide poupar parcela de sua renda corrente e investi-la, garantindo um fluxo de renda para o período das vacas magras.

Tratando-se, porém, de pessoa mais afeita às lides produtivas, contrata um consultor financeiro e lhe dá carta branca para implantar tal estratégia. Passado algum tempo resolve conferir o desempenho do consultor e descobre o seguinte. O consultor, ao invés de poupar a renda excedente, aumentou os gastos da família do produtor, da mesada dos filhos ao salário dos empregados. Por outro lado, tomou dinheiro emprestado e com ele comprou ações de um outro produtor de soja...

Não é necessária muita reflexão para perceber como ficou vulnerável a situação do produtor. No caso de reversão do ciclo, com queda de preço da soja, sua renda cairá, mas os gastos com juros permanecerão. Já seus ativos, cujo valor varia em linha com o preço da soja, se depreciarão e não protegerão seu patrimônio no momento de crise. Seria um exemplo clássico de má administração financeira.

Considere agora o Brasil e a proposta de criação de um Fundo Soberano. O país vive um excelente momento, parte por seus méritos, mas devido também a desenvolvimentos externos, em particular um aumento de quase 90% dos preços das commodities relativamente à média de 2002, commodities estas que, há muito, representam cerca de 2/3 das exportações brasileiras. A história nos ensina, porém, que situações como estas não duram para sempre, o que poderia justificar tal Fundo.

No entanto, assim como em nossa parábola, o projeto do Fundo Soberano não protege o país contra a reversão cíclica. Em primeiro lugar, ao invés de se originar da poupança de recursos públicos, favorecidos pela expansão da arrecadação, terá como fonte de recursos o endividamento interno, já que a receita adicional está sendo destinada ao aumento do gasto corrente.

Além disso, a despeito do contexto atual, no qual investidores estrangeiros se acotovelam para financiar empresas brasileiras, pretende-se que os recursos do Fundo sejam aplicados em ativos (dívida ou ações) associados a estas mesmas empresas. Ninguém precisa de uma bola de cristal para saber que, no caso de uma reversão cíclica, estes ativos também sofrerão, já que se movem em linha com os fundamentos brasileiros.

Não há, pois, como fugir à conclusão que o Fundo Soberano, da forma como apresentado, não serve ao país. Serve talvez para dar acesso a financiamento abaixo dos custos de mercado para algumas empresas privilegiadas e permitir que o Tesouro também intervenha no mercado de câmbio, mas equivale a guardar os ovos em duas cestas e uma dentro da outra.

A última do Sicsú (e do Pochman)...

foi promover um expurgo no Ipea. Aproveito o espaço para manifestar minha solidariedade aos pesquisadores afastados, congratular Guilherme de Barros pela denúncia do arbítrio e lamentar o manifesto sórdido do Corecon-RJ, que apóia o expurgo, desde que praticado por pessoas de ideologia semelhante à sua. Realmente deplorável.

(Publicado 28/Nov/2007)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A tese Tabajara

Quando comecei a escrever esta coluna, há pouco mais de um ano, era disseminada a crença que a demanda doméstica não conseguiria crescer, “sufocada” pela taxa de juros. Face, mais tarde, às evidências que a demanda doméstica vinha se expandindo a uma velocidade considerável (e, acreditem, ainda não vimos o final desta história) o argumento mudou: a demanda poderia crescer, mas importações em alta impediriam que esta expansão se traduzisse em maior produção doméstica.

À luz, porém, da vigorosa expansão da produção e conseqüente elevação da ocupação da capacidade instalada houve nova metamorfose: a versão mais atual de “seus problemas terminaram” agora aponta para o crescimento do investimento acima do PIB (10% contra 5% nos últimos quatro trimestres) como evidência que o aumento da produção conseguirá acomodar a expansão da demanda. Mantendo a tradição, não se segue a tal afirmação qualquer tentativa de tradução em números, por exemplo, quanto a mais de crescimento sustentável a evolução mais favorável do investimento implicaria.

Em trabalho recente, no entanto, mais uma vez com a colaboração de Cristiano Souza, estimamos que uma elevação equivalente a 1% do PIB do investimento implica um aumento em torno de 0,2% ao ano de crescimento sustentável (com alta probabilidade entre 0,15% e 0,25% a.a.). Vale dizer, para que nossa capacidade de crescimento de longo prazo cresça 1% a.a., o investimento – medido como proporção do PIB – deveria aumentar de 17% para algo como 22%. Considerando a margem mencionada acima, o investimento precisaria crescer entre 4% e 6,7% do PIB.

Mantida a expansão do investimento 5% a.a. mais rápida que o PIB precisaríamos de 4,5 a 7 anos para atingir esta meta (5,5 anos em nosso caso central). Esta conclusão sozinha já deveria esfriar consideravelmente o entusiasmo em torno da tese Tabajara, mas há outras implicações que precisam ser consideradas.

De fato, como manda a consistência macroeconômica, para aumentar o investimento em 5% do PIB é imperativo que outros componentes da demanda agregada (consumo privado, consumo público e saldo em conta corrente) reduzam sua participação nesse total. Parte disto parece já estar vindo do encolhimento dos superávits em conta corrente, mas, se a história nos ensina algo, é bom não contar com isto como fonte durável de financiamento do investimento. A escolha, pois, reduz-se a diminuir o consumo privado ou o consumo público, e, dado o histórico nacional, eu não apostaria num ajuste baseado na redução do gasto público.

Como ninguém, acredito, quer reduzir o consumo privado, o cenário mais provável que emerge na ausência de ajuste fiscal é uma expansão apenas moderada do investimento como proporção do PIB e, consequentemente, uma expansão muito aquém da desejada de nosso potencial de crescimento, que não será resolvida com a tese Tabajara.

A última do Sicsú

Considerando tudo o que escrevi acima é alvissareira a moderação de João Sicsú (Valor Econômico, 9/Nov/2007), que agora pede a contratação de apenas 1 milhão de novos funcionários públicos (antes queria mais 2 milhões só de fiscais), ao acanhado custo de 2% a 2,5% do PIB, metade do que originalmente sua proposta implicava. Com isto, ao invés de reduzirmos nosso potencial de crescimento em 1% a.a. o reduziremos em tão-somente 0,5% a.a., o que, convenhamos, é um enorme progresso.

(Publicado 14/Nov/2007)

terça-feira, 30 de outubro de 2007

Nanismo e as quatro operações

Poucas coisas me alegram tanto quanto escrever esta coluna. Tenho que dizer, porém, que, até hoje, nada se compara à satisfação de ler a reação de João Sicsú a meu último artigo, não apenas por confessar publicamente ter subestimado a inteligência do público, mas principalmente pela sua incapacidade de contrapor qualquer argumento aos pontos que destaquei. Sua única resposta foi afirmar, envolto em pretensa ironia, que sou bobo, feio, mau e chato, o que, cá entre nós, é muito pouco, até para Sicsú.

De fato, o máximo que consegue é repetir o mesmo argumento nanico: temos poucos fiscais de impostos relativamente à área e à população (em breve vai fazer a mesma conta com relação ao perímetro e, fracassando esta, com relação à profundidade da plataforma continental). Peço, pois, perdão ao leitor por ter que explicar o óbvio, mas parece haver mesmo certa dificuldade de compreensão.

Não adianta escolher (nada aleatoriamente, diga-se) uma estatística específica e apresentá-la como evidência de nanismo do setor público. Ela pode, no máximo, ser sintoma de dificuldades de um segmento particular e, mesmo assim, convido os eventuais leitores a procurarem em meu blog os comentários enviados for um fiscal que contesta os argumentos sicsunianos (entre outras coisas ele diz que, sim, a grande maioria dos fiscais "trabalha em escritórios refrigerados em uma vintena de localidades no país que concentram 99% de todo o fluxo comercial brasileiro").

Quem pesquisa o real tamanho do setor público no Brasil e conhece seus números sabe que a história contada por eles não casa com a anedota sicsuniana (por que será?). Assim, nos anos que antecederam a estabilização da inflação (de 1991 a 1994), o gasto primário de União, estados e municípios era, em média, 21,7% do PIB; entre 2003 e 2006 atingiu 29,5% do PIB. Em 2006 alcançou, por baixo, 31% do PIB e novos recordes serão batidos ainda este ano.

Comparando o aumento do PIB e o aumento do gasto entre 1994 e 2006 conclui-se que crescimento do gasto correspondeu a 51% do produto adicional, o que também não condiz com a noção de nanismo estatal. Não é difícil, pois, concluir que aumento do gasto primário é o principal fator de aumento da carga tributária (de 23,8% do PIB para 33,1% no mesmo período, um acréscimo de 9,3% do PIB).

Por outro lado, o gasto com juros (deduzida a inflação) aumentou de 3% do PIB para 5,4% do PIB entre 1991/94 e 2003/06, muito menos do que os gastos primários. Além disto, nos 12 meses terminados em setembro deste ano já haviam caído para 3,8% do PIB, enquanto os gastos primários e a carga tributária seguem sua inexorável expansão.

Só a renúncia completa às regras da aritmética poderia implicar uma conclusão que não apontasse para um inchaço extraordinário do setor público nos últimos 13 anos, sem contrapartida na qualidade dos serviços públicos. E não será o apelo a um número escolhido a dedo que irá mudar esta triste realidade.

Por fim, em troca da satisfação que me deu, ofereço a Sicsú uma pequena lição de etiqueta governamental que ele, neófito, certamente desconhece: não é de bom tom criticar publicamente uma decisão de governo, como fez ao qualificar como "absurda" a resolução do BC de manter inalterada a Selic, ainda mais se considerarmos que argumentos pertinentes a esta matéria requerem o domínio total das quatro operações.

(Publicado 31/Out/2007)

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Inteligência nanica

Nunca entendi porque a banana nanica tem este nome, já que quase todas as outras bananas são bem menores do que ela. Há pouco, porém, tive uma epifania. Segundo artigo publicado recentemente nesta Folha o estado brasileiro é nanico, o que me trouxe uma revelação inesperada: “nanico”, seguindo as regras do duplipensar orwelliano, deve ser exatamente o contrário do que nos informam os dicionários (pequeno, acanhado), resolvendo o mistério milenar que cercava tão saboroso fruto.

No artigo o autor apresentou um trabalho empírico sólido para caracterizar a pequenez do Estado nacional: enquanto a Bélgica e a Holanda apresentam respectivamente 310 e 227 fiscais de impostos por 1.000 km2, o Brasil tem apenas 0,9. Por este raciocínio, o país deveria ter entre 1,9 e 2,6 milhões de fiscais de impostos, alguns dos quais responsáveis pelas áreas densamente povoadas da Reserva Raposa do Sol, garantindo que se respeite o sagrado direito dos ianomâmis pagarem impostos (mesmo porque os fiscais terão que ser pagos, não?).

Trata-se de uma revolução analítica: ao invés de normalizarmos as variáveis macroeconômicas (gasto, tributação, investimento) pelo PIB, passaremos agora a fazê-lo pela área. Graças a isto o Brasil, em vez de simplesmente ganhar o grau de investimento, passará direto à categoria AAA (mínimo risco) quando a dívida pública for medida com relação à extensão territorial.

Não mais teremos que explicar como o funcionalismo (federal, estadual e municipal) consome cerca de 15% do PIB, nem como um país com apenas 5% da população acima de 65 anos consegue gastar quase 14% do PIB em aposentadorias e pensões, o equivalente ao que gastam países com uma proporção de idosos três vezes superior à nossa. Outras comparações vexatórias, como o fato do consumo público (pela definição de contas nacionais) atingir 20% do PIB, contra uma média de 13% do PIB no caso dos demais países grandes da América Latina, também perderão o sentido. A fúria neoliberal terá que ser dirigida a Vanuatu, Singapura e ao Vaticano, com perdão do Santo Padre.

Também ignoraremos que os gastos primários do setor público, incluindo transferências a pessoas, aumentaram cerca de 8% do PIB entre 1994 e 2006 (de 23% para 31% do PIB), trazendo consigo a carga tributária, que subiu 7% do PIB (de 27% para 34% do PIB, apesar da aguda escassez de fiscais) no mesmo intervalo. Afinal, basta se espalhar um pouco mais pela Amazônia...

Mas não. Se levarmos este raciocínio às últimas conseqüências, o gasto com juros também terá que ser medido com relação à área, e aí ficará difícil criticar o Banco Central. O melhor mesmo é usar dois pesos e duas medidas, e, de preferência, ignorar que o gasto com juros tem caído em relação ao PIB, sem mencionar, é claro, que a trajetória de queda da inflação no período pode ter algo a ver com a política monetária. E, óbvio, nem pensar nas implicações de uma taxa baixa de inflação em termos de bem-estar, seja pela estabilidade de renda real, seja pelo renascimento do mercado de crédito de longo prazo.

Como última alternativa, poderíamos simplesmente aceitar o mistério da profunda conexão entre o estado nanico e a banana nanica, jamais apreendida sequer por mestre Aurélio Buarque de Holanda. Só é preciso desenvolver a inteligência nanica necessária para a digestão de uma balela nada nanica.

(Publicado 17/Out/2007)

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Na rota do tinhoso

Nada hoje preocupa mais um (autodenominado) “desenvolvimentista” do que a possibilidade do BC interromper o ciclo de queda de juros. Assim, não chega a ser surpreendente que a cada sinal de elevação da inflação chovam declarações do tipo “é só o preço dos alimentos”, “os investimentos vão subir e reduzir a inflação”, e outras do gênero fantasia. Mais recentemente, um argumento que tem aparecido – a ponto de merecer a duvidosa honra de ser negado em plena Ata do Copom – refere-se ao aumento do preço dos alimentos e seus efeitos sobre a renda real.

Segundo este raciocínio, preços mais elevados de comida reduziriam a renda real e, portanto, o consumo, de modo que o BC não precisaria se preocupar com o ritmo de expansão da demanda e poderia seguir baixando a taxa básica de juros. Obviamente, ninguém associa qualquer número ao argumento (quanto cairia o consumo, por exemplo), mantendo a tradição de fugir da quantificação como o canhoto foge da cruz, mas hoje nem precisarei entrar neste aspecto para mostrar que esta lógica não se sustenta.

Noto, de início, que preços de alimentos mais altos resultam de um choque de demanda, não da contração da oferta (“Bebida é água; comida é pasto”, 5/9/2007), o que é visível pela expansão simultânea de preços e quantidades. Obviamente, isto não é consolo algum para o consumidor, dado que sua renda real, ou seja, a quantidade de coisas que sua renda permite comprar, certamente se contrai à medida que preços de alimentos se tornam mais altos, independente da razão última do aumento dos preços.

No entanto, a origem da elevação dos preços faz toda diferença para o produtor de alimentos. Em particular, se a alta de preços resulta da elevação da demanda, a renda real dos produtores de alimentos crescerá. Resta saber qual destes efeitos prevalecerá: a queda da renda real dos consumidores ou a maior renda dos produtores.

Deixando de lado efeitos de segunda ordem estes impactos se compensariam: o ganho de renda dos produtores de alimentos corresponderia à perda dos consumidores de alimentos e alguém teria que fazer cálculos bastante complicados para saber qual o efeito final sobre a demanda, que, em qualquer caso, seria pequeno.

O Brasil, porém, é um exportador líquido de alimentos. Isto significa que – quando sobem os preços de alimentos – consumidores estrangeiros transferem liquidamente uma fração da sua renda para os produtores brasileiros, ou seja, há uma elevação da renda nacional, resultado precisamente oposto ao advogado pelos “desenvolvimentistas”.

Em outras palavras, não há porque imaginar que preços de comida mais altos impliquem uma redução do consumo em geral (ainda que o consumo doméstico de alimentos possa cair). Pelo contrário, a elevação da renda nacional deverá induzir a um crescimento maior do consumo, ainda que este efeito deva ser ponderado, obviamente, pelo saldo na balança comercial de alimentos proporcionalmente ao PIB.

De qualquer forma, é curioso como visões pré-concebidas acerca da política monetária levam a proposições cuja coerência interna não se sustenta. Economistas ditos progressistas comemoraram a queda do salário real e em breve afirmarão que a inflação mais alta é mais um motivo para baixar a taxa de juros, pois reduz a renda real e o consumo. Fogem da lógica como correm dos números, nos calcanhares do tinhoso.

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Além dos efeitos especiais

Na semana passada o IBGE divulgou as contas nacionais relativas ao segundo trimestre de 2007, revelando uma expansão de 5,4% do PIB na comparação com o mesmo período do ano passado, a taxa mais vigorosa neste conceito desde o segundo trimestre de 2004. À luz destes números mesmo os mais teimosos detentores do Oscar de efeitos especiais em economia têm que se render às evidências acerca do ritmo da produção, o que não significa, porém, que tenham aprendido a lição.

Enquanto estes analistas se entregavam ao nada saudável esporte de negar os dados, o exame mais cuidadoso da forma como a economia reage às políticas monetária e fiscal já indicava uma aceleração clara da atividade em 2007. Impossibilitados agora de persistir na negação da realidade, tais analistas – convenientemente “esquecendo” a alegação anterior, que o país passava por acentuado processo de “desindustrialização”, com queda do investimento – agora brandem o aumento do investimento, quase 10% nos últimos quatro trimestres, como prova definitiva de que não enfrentaremos pressões inflacionárias. Dado este crescimento, segue a cantiga, não haveria razões para se preocupar com o crescimento da demanda, pois a capacidade produtiva da economia também se expandirá.

Se alguém esperava algo mais ao fim desta última afirmação, por exemplo, uma estimativa de quanto o investimento adiciona à capacidade produtiva da economia, saiba que não está sozinho. Mantendo uma sólida tradição de certos círculos, quando se trata de dar uma expressão numérica a argumentos econômicos, o silêncio é ensurdecedor.

Na verdade, em que pese a rápida expansão do investimento, a formação de capital subiu apenas de 16,4% para 17,7% do PIB entre o segundo trimestre de 2006 e o segundo trimestre de 2007. Isto deve adicionar algo como 0,3% a.a. à taxa de crescimento do PIB potencial, um dado positivo, mas provavelmente insuficiente para impedir o aumento continuado do grau de utilização de recursos.

De fato, num trabalho recente, com a contribuição inestimável de Cristiano Souza, estimamos que um aumento de 10% da produção industrial se traduz num aumento de 2,2% do nível de utilização da capacidade na indústria, enquanto um aumento de 10% do investimento industrial reduz a utilização da capacidade em 0,7%. Não é difícil concluir, pois, que – para manter inalterado o nível de utilização de capacidade – o investimento deva crescer a uma velocidade 3 vezes superior à da produção (2,2¸0,7).

Tal resultado sugere que, com base nas estimativas da absorção de bens de capital durante os primeiros sete meses deste ano, a indústria possa crescer daqui para frente cerca de 5% a.a. sem pressionar a utilização de capacidade. Em contraste, o crescimento da indústria nos últimos meses tem ficado em torno de 6% e deve se acelerar, indicando que o processo de aumento de utilização de capacidade deverá continuar além dos quase 2 pontos percentuais de aumento já registrados entre janeiro e julho.

Não basta, pois, declarar que o crescimento do investimento aumenta a capacidade produtiva da economia e esperar que esta obviedade equilibre demanda e oferta agregadas. A moral da história, além da possibilidade de pressão adicional sobre a inflação, é que a análise econômica séria não comporta afirmações que não sejam traduzidas em números, mesmo que baseadas nos mais fantásticos efeitos especiais.

(Publicado 19/Set/2007)

Yada, yada, yada

An argument that has been floated recently, to the point of meriting the dubious honor of being officially dismissed in the Copom minutes, is that the increase in foodstuff prices would have an effect on Brazilian consumption similar to the increase in oil prices in US consumption, namely that it would work as a “tax” on consumers, reducing demand, hence inflation. Whereas, as I said, committee members downplayed (correctly) the argument, the minutes did not bother to explain why the argument does not make much sense (and, mind you, I am attempting to be polite here). In light of that, I believe that going into more detail might be helpful.

For a start, I think the argument gets dangerously close to circular self-contradicting reasoning. After all, if the rise in foodstuff prices reduces real income, therefore consumption, and then inflation, what would prevent a rise in all prices (aka “inflation”) from reducing income, hence consumption, and – at the end of line – inflation itself. By the same token, a reduction in inflation would (yada, yada, yada) increase inflation, which should already make anyone a bit suspicious of the idea.

That said, trying to avoid this sort of game, we can have a more serious look at the argument only to make sure that it can be indeed safely dismissed. One way to look at it is to distinguish between supply and demand shocks, since the first implies indeed a reduction of real income, whereas the second does not.

Indeed, consider first the case of a negative terms of trade shock, that is, the increase in the price of imported goods, such as the fuel prices for the American consumer. In such scenario the country as a whole transfers part of its income to the rest of the world, with potentially negative impacts on consumption, whose magnitude should depend on the perception of how long this should shock should last (a permanent shock have larger impact on consumption than a transitory shock).

Consider now a domestic supply shock, say, a sharp decline in domestic food production due to bad weather or a plague, which drives up foodstuff prices. This would reduce non-food producers income (since they now have to spend a higher share of their budget to acquire the same amount of food), and would most likely reduce producers income as well. In this case too, the rise in foodstuff prices would also work as a “tax”, and reduce demand.

That said, the faithful reader might recall a note I published recently (The Untamed Lion, August 30, 2007) in which I examined the nature of the rise in foodstuff prices from the Brazilian perspective to conclude that it was stronger demand (both external and domestic), rather than a shortage in local supply, that was driving up food prices. In this case one cannot talk meaningfully of higher food prices acting as a tax, since the non-producers loss is a producer gain.

In the case of a closed economy, in particular, non-producers loss is precisely equal to producers gain and then one would have to elaborate further the distributive effects to figure out the final impact on consumption, that is, which group (producers or non-producers) spends more in consumption. In the case of a small open economy, however, a positive terms of trade shock increases income, that is, non-producers losses are unequivocally smaller than producers gains. Does this ring any bell?

Summing up, the notion that higher foodstuff prices would reduce domestic demand does not find strong support in economic theory, if the origin of higher prices is demand itself, rather than a supply shock. Moreover, evidence on the performance of demand at the margin also does not lend support to the notion that foodstuff prices would cause demand to decelerate. Yada, yada, yada, the Copom was right in dismissing this argument as truly irrelevant.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Bebida é água; comida é pasto

Não é segredo que, depois de atingir níveis bastante baixos, a inflação voltou a subir nos últimos meses. Nada que ameace a meta relativa a 2007, diga-se, de modo que muito provavelmente observaremos mais uma vez a inflação dentro do intervalo definido pelo Conselho Monetário Nacional. No entanto, dada a aceleração recente dos preços, já se pergunta se haveria riscos relativos ao cumprimento da meta de 2008. A posição aparentemente majoritária entre os analistas hoje define este risco como baixo, destacando que boa parte do ganho de velocidade da inflação resulta do aumento dos preços de alimentos.

Subjacente a este raciocínio está a idéia que preços de alimentos mais elevados decorrem de “choques de oferta”, isto é, de uma menor produção para dado nível da demanda, que se traduziria assim em preços temporariamente mais altos. Uma vez normalizada a oferta, porém, preços voltariam a seus patamares habituais e a inflação se reduziria.

Tal argumento, como tantos outros, não se preocupou em olhar os dados pelo prisma da teoria econômica. Ainda que tanto os choque de oferta como os de demanda possam causar preços mais altos, a teoria nos ensina que cada tipo de choque deixa uma assinatura característica. No caso de choques de oferta há uma correlação negativa entre preço e quantidade: quando o primeiro sobe, a segunda cai (e vice-versa). Já quando a demanda se encontra da raiz do processo a correlação entre preço e quantidade é positiva: observamos preços mais elevados enquanto a produção se expande, tipicamente com custos crescentes, devidos ao uso mais intenso de recursos menos produtivos.

Nossa experiência recente revela uma expansão simultânea de preços e quantidades no setor de alimentos. Exceção feita a café e arroz, houve expansão significativa da produção, sugerindo que dificilmente a raiz do aumento de preços poderia estar relacionada a problemas de oferta.

Neste momento, espero, alguns dos meus dezessete leitores já devem estar pensando que me esqueci do aumento de preços das commodities agrícolas, principal motivo para a pressão originada de produtos como leite (e seus derivados), carnes, etc. Obviamente não é o caso.

Acontece que o Brasil é, no mais das vezes, um exportador líquido destas commodities, ou seja, os termos de troca (a razão entre preços de exportação e importação) têm se tornado mais favoráveis ao país, caracterizando um aumento na demanda pelos produtos exportados pelo Brasil, que se expressa na expansão concomitante de preços e quantidades. Mesmo quando a origem do aumento de preços no mercado internacional é um choque de oferta global (o caso do leite), do ponto de vista dos produtores brasileiros este fenômeno é percebido como uma elevação da demanda, levando à elevação dos preços domésticos. Não há, pois, como compartilhar a visão mais relaxada acerca da elevação recente da inflação.

À luz disto deveria ficar claro também que políticas para lidar com choques de oferta não devem funcionar para conter a alta dos preços. Assim, uma redução das tarifas de importação de alimentos – muito efetiva quando a oferta doméstica se contrai – não deve reverter a trajetória de elevação destes preços. Vale dizer, a formulação de políticas públicas não pode dar as costas ao que dizem os dados e a teoria econômica, sob pena de erros que nos custarão mais caro num futuro não muito distante.

(Publicado 5/Set/2007)

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Tempo de plantar; tempo de colher

Eu não queria tratar do tema da turbulência financeira mundial, mesmo porque há pouco mais de um mês analisei neste espaço exatamente a questão do risco de crise e seus possíveis desdobramentos sobre o país (“E se?”, 13/Jun/07). No entanto, é difícil não abordar o assunto depois da semana passada, à luz da forte queda das bolsas e da elevação geral dos prêmios de risco.

A questão central sobre os possíveis desdobramentos de enorme movimento de queda de preços de ativos, acredito, é a seguinte: trata-se de um problema financeiro, isto é, muito importante para quem tem dinheiro aplicado em ativos de risco, porém circunscrito à esfera dos mercados, ou, pelo contrário, seria este o evento a deflagrar a muito esperada, mas nunca concretizada, grande crise mundial?

A primeira hipótese me parece mais provável. No rastro da reavaliação geral de risco que se seguiu à crise das hipotecas nos EUA, muito dinheiro trocou de mãos e muito mais ainda o fará antes que os agentes consigam determinar quem, em meio a mortos e feridos, ficou com o famigerado “mico”. A própria falta de transparência acerca deste ponto tem travado os mercados, minando a confiança necessária para que as partes possam se engajar em operações normais de crédito. Isto ficou patente no comportamento dos mercados interbancários, requerendo a atuação saneadora dos BCs ao redor do mundo.

Por sorte, a tecnologia para se lidar com problemas de confiança no mercado interbancário é conhecida e bastante eficiente. Tornando disponível linhas de crédito para o financiamento dos bancos neste mercado os BCs devem conseguir debelar rapidamente este particular problema. Aliás, ao contrário dos que alguns parecem crer, este tipo de operação não envolve transferência de recursos públicos para o setor financeiro, nem salvará investidores que tenham feito apostas erradas, mas, com elevada probabilidade, evitará que as perdas originais afetem negativamente o sistema bancário mundial.

Isto reduz o potencial de contágio do mercado financeiro para a economia real. A quebra de um grande banco poderia implicar grave contração do crédito e, portanto, da atividade, como atestado pela experiência de países que passaram por processo semelhante. Restariam ainda, porém, outros canais de contágio, em particular sobre consumo (devido à queda do valor dos ativos) e investimento (devido ao aumento do custo de capital) na economia americana. Mesmo, todavia, que seja razoável esperar alguma desaceleração adicional nos EUA, o crescimento mundial é mais equilibrado que há poucos anos, de modo que as chances de uma parada brusca se tornam bem menores.

Se isto for verdade, o Brasil deverá passar pelo processo de forma mais tranqüila do que em outros episódios, pois não é de hoje que o país vem se preparando para a virada da maré. Decisões tomadas ainda no primeiro mandato, como a elevação do superávit primário (buscando diminuir a dívida pública), a redução da inflação, bem como a política de reconstrução das reservas (curioso como sumiram os que criticavam o seu custo, não?) iniciada pelo BC em janeiro de 2004, tornaram o país menos vulnerável aos choques externos. Isto permite até quem se opôs a estas políticas se vangloriar da saúde financeira do país. Independente, porém, de quem plantou e quem colheu, ao final, os ganhadores são todos nós.

(Publicado 22/Ago/2007)

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Ousando dizer seu nome

Não tenho como hábito responder a pessoas com problemas para soletrar, mas o artigo de Luiz Antonio de Oliveira Lima no Valor Econômico (“Friedman, metas de inflação e o Coelhinho da Páscoa”, 20/07/2007) – seja por seus erros conceituais, seja pelo que revela acerca das idéias “desenvolvimentistas” – bem que vale um comentário, em particular porque Lima é membro da lendária tribo que acredita que uma inflação mais alta pode, de fato, acelerar o crescimento.

Lima cita até dois ou três trabalhos que supostamente apoiariam esta tese, convenientemente deixando de lado apenas toda a experiência de gestão de política monetária que, ao aceitar a noção que inflação não gera crescimento, produziu o que veio a ser conhecido como “A Grande Moderação”, isto é, o período de prosperidade e estabilidade mais longo dos últimos 50 anos. Ignora também toda literatura empírica de crescimento econômico que jamais achou uma relação positiva entre estas variáveis.

À parte a insistência na crença que a inflação pode acelerar o crescimento, meus comentários se concentram em dois dos pontos levantados por Lima. O primeiro diz respeito à sua crítica ao conceito da NAIRU (taxa de desemprego que não acelera a inflação), a qual, segundo os trabalhos citados, é difícil de ser estimada, reduzindo sua confiabilidade como guia de política monetária. Trata-se, porém, de uma crítica, ao mesmo tempo, fácil e equivocada.

É fácil porque vale para toda e qualquer variável macroeconômica, geralmente muito bem definida no plano teórico, mas cuja contrapartida empírica costuma padecer de sérios problemas. Por exemplo, embora a noção teórica do PIB seja muito precisa, a medida empírica desta variável é complicada, para dizer o mínimo, como atesta a revisão recentemente promovida pelo IBGE. Assim, se fôssemos levar a lógica limenha a sério, deveríamos também abandonar o conceito de PIB, dado que a medida empírica não é estável (portanto não-confiável), ao invés de usá-la sabendo das dificuldades que a cercam. Será que Lima sugere que paremos de usar o PIB na análise econômica?

O outro tema refere-se à sua crença que “qualquer análise de política econômica baseada em um modelo tão simples como a ‘hipótese aceleracionista’ é epistemologicamente inadequada para descrever fenômenos tão complexos como os de mercado”. Esta é uma posição bastante comum (e bastante errada) em certa escola de “pensamento” econômico: se a teoria não for tão complexa quanto a realidade, ela será “epistemologicamente inadequada”. Segundo esta visão, apenas mapas do tamanho do Brasil podem representar o país de forma “epistemologicamente adequada” (coitado do motorista que só quer saber onde a estrada vai dar).

Obviamente, a questão não é se o modelo é “simples” ou “complexo”, mas sim saber se o modelo produz bons resultados em termos de previsão e gestão. Voltando à “Grande Moderação”, as evidências sugerem que os modelos simples, baseados na idéia que os trabalhadores sabem distinguir a inflação do reajuste real de salários, possibilitam uma boa gestão de política monetária, expressa em inflação baixa e crescimento estável.

Erros à parte, todavia, resta um mérito inédito: ao contrário do desenvolvimentismo que não ousa dizer seu nome, Lima admite crer que a aceleração do crescimento requer mais inflação. É preciso coragem para sair deste armário; e falta de preparo para entrar nele.

(Publicado 8/Ago/2007)

quarta-feira, 25 de julho de 2007

A pedra filosofal

Há alguns meses abordei nesta coluna a questão das importações (Cui bono?, 07/02/2007). A polêmica à época dizia respeito à visão segundo a qual a expansão das importações “roubava” crescimento do PIB, ao permitir que parcela da demanda doméstica não fosse atendida pela produção local. Procurei mostrar então que o argumento não fazia muito sentido, pois as importações, por meio de seus efeitos positivos sobre as taxas de inflação, abriam espaço para o BC baixar as taxas de juros e acelerar o crescimento da demanda doméstica.

Em outras palavras, não fossem as importações, muito provavelmente a demanda não poderia crescer o que vem crescendo. Os dados reforçam esta noção: a expansão do PIB tem sido sistematicamente maior nos períodos em que as importações crescem do que nos períodos em que as importações caem. Entre 1996 e 2006 observamos três anos de queda das importações (1999, 2002 e 2003), com crescimento médio do PIB de 1,4%. Em contraste, nos anos em que as importações tiveram desempenho positivo (supostamente “roubando” crescimento), o PIB se expandiu em média 3,4%. A despeito do efeito contábil das importações, que aparecem com sinal negativo na definição do produto, fato é que essas possibilitaram o aumento mais vigoroso da demanda doméstica, trazendo consigo a produção.

Será, portanto, que as importações podem ser a pedra filosofal, ajustando a oferta para qualquer nível de expansão da demanda? Um argumento corrente na praça sugere que sim. Graças ao desempenho brilhante das exportações, beneficiadas pela nossa integração à economia mundial, as importações poderiam crescer de modo a acomodar taxas muito elevadas de aumento da demanda doméstica, sem prejuízo à balança comercial, contendo assim os potenciais efeitos inflacionários através de dois canais.

O primeiro seria simplesmente a disciplina imposta aos preços domésticos por temor da concorrência com importados. O outro, indireto, refere-se à possibilidade das importações atenderem parcela da demanda doméstica sem necessidade de uso de recursos locais, evitando que sua utilização excessiva pudesse pressionar a inflação.

Embora este segundo efeito seja real, ele precisa ser quantificado. Dependendo do quanto se acredita que a demanda interna vá crescer e quanto a produção local possa se expandir sem provocar pressão indevida sobre os recursos, a taxa de crescimento das importações requerida para acomodar a demanda pode ser simplesmente elevada demais para se tornar viável. Este parece ser o caso no Brasil, como sugerido por trabalhos recentes dos meus colegas, Tatiana Pinheiro e Cristiano Souza.

De fato, usando um modelo estimado por Tatiana, o crescimento da demanda doméstica deverá ficar perto de 6,5% nos próximos 12 meses. Tal expansão, associada à estimativa de crescimento de PIB potencial da ordem de 4%, segundo trabalho de Cristiano, requer que as importações cresçam 20% mais rápido que as exportações para que a utilização dos recursos permaneça inalterada, taxa que supera em muito o observado (13%).

Isto indica que, mesmo deixando de lado os produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, as importações não são suficientes para atender a demanda doméstica no ritmo que esta vem crescendo. Ou seja, o controle da inflação continua dependendo da política monetária, uma lição que estamos prestes a aprender.

(Publicado 24/Jul/2007)

segunda-feira, 16 de julho de 2007

O choque é nosso

Não, o título deste artigo não clama pela estatização do setor elétrico. Assim, se há quem tema pela minha conversão ao “desenvolvimentismo”, pode suspirar aliviado. O assunto de hoje é – como não poderia deixar de ser – a meta de inflação. Não é segredo que achei a decisão de manutenção da meta em 4,5% equivocada, mas, se a decisão em si foi um erro, seu anúncio conseguiu ser ainda pior e manifestações posteriores chegaram ao impensável, ao adicionar ainda mais ruído a um processo já barulhento.

O anúncio da meta para 2009 (4,5%, porém permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitam e a Lua se alinhe a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não for prejudicada pela menstruação das lhamas) criou certa confusão acerca do objetivo de política monetária. O BC buscará 4,5% de inflação? 4%? Outro número? Quem souber a resposta ganha as obras completas do ministro da Fazenda sobre política monetária, ainda não coloridas.

Esta não é uma questão menor. Em meu artigo anterior chamei a atenção para a ênfase que BCs dão às expectativas inflacionárias na condução da política monetária. Quando as expectativas estão alinhadas aos objetivos do BC a gestão de política torna-se muito menos penosa: menor esforço em termos de redução de demanda basta para trazer a inflação para baixo e, quando a economia entra em recessão, o BC ganha graus de liberdade para recuperá-la sem prejuízo à sua credibilidade, como demonstrou o Fed entre 2001 e 2003.

A essência, portanto, do regime de metas para a inflação consiste em convencer a sociedade que a inflação flutuará ao redor da meta para que os benefícios da credibilidade se materializem. É óbvio que, para persuadir a sociedade deste compromisso, não basta anunciar uma meta. Pelo contrário, é ao longo de anos de funcionamento do regime que o BC estabelece sua reputação: caso entregue taxas de inflação sistematicamente acima (abaixo) da meta as expectativas hão de se cristalizar também acima (abaixo) da meta; caso, porém, a inflação oscile ao redor da meta, sem desvios sistemáticos em qualquer sentido, passa a ser ótimo, do ponto de vista dos agentes privados, esperar que a inflação fique próxima à meta.

Isto dito, se o anúncio da meta não é condição suficiente para o bom funcionamento do regime, certamente é condição necessária, pois, sem uma referência numérica, fica bastante difícil para a sociedade entender o que o BC está perseguindo. Não basta, por exemplo, dizer que o BC busca uma inflação entre 2,5% e 6,5%. Seria como tentar convencer o guarda que o excesso de velocidade em relação ao limite de 60 km/h se deve à estratégia de manter o carro entre 20 km/h e 100 km/h. Sem tal referência não há como a sociedade avaliar o compromisso do BC e, portanto, se perde a âncora das expectativas. É fundamental entender que não há “centro da meta”: a meta é o “centro”; o intervalo serve apenas para acomodar choques imprevistos.

Assim, é necessário o BC explicitar o objetivo numérico que perseguirá, de modo que a sociedade possa formar suas expectativas. Falta de clareza sobre este tópico agora apenas contribuirá para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a “choques externos” ou à divina providência, mas, não, desta vez o “choque” será nosso.
(Publicado 11/Jul/2007)

quarta-feira, 27 de junho de 2007

A meta e o Coelhinho da Páscoa

O debate sobre a possível (mas não adotada) redução da meta de inflação para 2009, mantida ontem em 4,5%, teve ao menos um mérito: mostrou que ainda há economistas no mundo que acreditam ser possível acelerar o crescimento à custa de inflação mais alta (ou, de forma equivalente, que perseguir inflação mais baixa implica menos crescimento). Tal feito só será superado quando antropólogos localizarem a tribo há muito perdida que ainda idolatra o Coelhinho da Páscoa, mas acho que, por enquanto, uma bizarrice só é suficiente.

Desde o trabalho de Milton Friedman e Edmund Phelps na década de 60 é sabido que uma inflação mais elevada só se transforma em crescimento adicional caso surpreenda os agentes econômicos. Só neste caso o salário real cairia, estimulando a demanda por trabalho e a expansão do emprego e produto. Por outro lado, se a aceleração da inflação já for esperada, os salários nominais se ajustarão a tal expectativa; desta maneira, no momento que a inflação mais alta se materializar não haverá qualquer efeito sobre os salários reais e, portanto, nenhuma expansão do emprego ou do produto.

Como nada é menos surpreendente que a inflação anunciada, a meta de inflação não deveria ter qualquer efeito sobre o nível de produto, seja ela mais alta ou mais baixa, desde que os agentes creiam que a inflação observada oscile, de fato, em torno da meta.

Isto dito, cabe aqui um reparo nos casos em que a credibilidade do BC é imperfeita. Se os agentes acreditarem, por exemplo, que a inflação ficará acima da meta, o BC terá que fazer um esforço adicional para convencê-los do contrário. Neste caso muito provavelmente o produto ficará abaixo do seu potencial por algum tempo, até que as expectativas se ajustem à meta, ou seja, que o BC estabeleça a credibilidade do seu compromisso com a meta de inflação. Assim, mesmo que a inflação não tenha efeitos persistentes sobre o crescimento, é possível que durante o período de desinflação haja algum custo em termos de produto, que desaparece à medida que o controle inflacionário se cristaliza.

No Brasil esta etapa foi finalmente ultrapassada. Depois de uma fase em que as expectativas de inflação superavam a meta, o BC conseguiu trazê-las para patamares próximos a 4%. Tal desenvolvimento implica duas razões para crer que uma redução da meta hoje para este nível não traria sequer os custos de curto prazo acima mencionados.

O primeiro, razoavelmente óbvio, refere-se às expectativas já estarem em 4%, ou seja, não há necessidade de desinflação adicional. Além disto, num nível mais profundo, a reputação do BC mudou: mesmo que as expectativas hoje não estivessem neste nível, o anúncio de uma meta mais baixa cuidaria de alinhá-las. Em ambos os casos o custos associados à redução da inflação, se houvessem, seriam pequenos em troca de uma taxa de inflação mais próxima à de nossos principais parceiros.

Não há, pois, motivos reais para termos perdido mais uma oportunidade no longo processo de convergência da economia brasileira à normalidade. O único – e, infelizmente, aparentemente intransponível – obstáculo é a crença antiquada na oposição entre inflação e crescimento, já demonstrada inexistente, seja na teoria econômica, seja na experiência dos bancos centrais ao redor do mundo. Depois disto, só nos resta saudar o Coelhinho da Páscoa.

(Publicado 27/Jun/2007)

terça-feira, 26 de junho de 2007

A cry for help

Mandei este texto para os clientes. Por sugestão de um amigo publico no blog.

I usually would never write about the same issue twice in the same day, but the developments that took place after the announcement of the 2009 inflation target proved to be far messier than I could anticipate. Indeed, in the interview that followed the announcement Governor Meirelles and Finance Minister Mantega made some statements that created more than their fair share of confusion. I am still somewhat puzzled on this, but I hope that you will forgive me for that.

Indeed, whereas the formal target is 4.5% for 2009 Governor Meirelles stated that "the National Monetary Council (CMN) wants to keep inflation below the center of the target, provided macroeconomic conditions allow it", and that "there is no orientation to make inflation converge to 4.5%". At the same time, Minister Mantega added that the decision to keep the target at 4.5% reflected the intention to "give flexibility" to the Central Bank, since "a 4.5% target allows the Central Bank to accommodate moments of turmoil".

In other words, the 4.5% target is not THE target, but rather something else, since the CMN wants inflation to be lower than 4.5%. At the same time, it can be the target, if macroeconomic conditions changes and the CB has to accommodate shocks (I foolishly believed that the 2 percentage points interval existed precisely for this reason, but possibly have gotten this one wrong during my 2.5 years at the CB).

That said, according to Minister Mantega, it would be a mistake to assume that there are two targets (another one I got wrong), and Governor Meirelles reaffirmed that there are not hidden targets, and that the CMN decision to set the target at 4.5%, but allow the CB to pursue something else (or the something else was 4.5%?) was intended to increase transparency.
Finally, according to the Governor, "the inflation range is between 2.5% to 6.5% and CMN indicates to the CB that market expectations are in line with the Council’s long term objectives (targets?), and we are going to pursue these objectives". Yet, "should macroeconomic conditions change, the CB can change CMN orientation".

Summarizing, the target is 4.5%, but the CB will pursue a lower figure, which would then be the true target, eliminating the first target, since it would be a mistake to think that there are two targets, unless, of course, macroeconomic conditions change and then the target would be 4.5% again, or not, since the target ranges from 2.5% to 6.5%.

I kindly ask the reader that understands what is going on to help me with this one.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

E se?

Na semana passada os mercados financeiros passaram por nova turbulência, agora por conta da elevação dos rendimentos dos títulos norte-americanos, em meio a receios acerca tanto da resistência da inflação nos EUA, quanto de uma possível redução da demanda por ativos daquele país por bancos centrais do resto do mundo. Ainda que seja provavelmente cedo demais para determinar se esta turbulência significa o início do fim de um longo ciclo de expansão econômica e exuberância (irracional?) dos mercados, fica no ar a pergunta a propósito dos possíveis efeitos de uma eventual reversão sobre a economia brasileira.

De fato, não se pode negar que o Brasil se beneficia enormemente do ambiente internacional. Preços de commodities aumentaram quase 80% desde seu pior momento em 2002, favorecendo o crescimento das exportações e o forte ajuste do nosso balanço de pagamentos. Já a ampla liquidez se traduz em queda substancial dos prêmios de risco, também com reflexos positivos sobre o balanço de pagamentos e o custo de capital das empresas brasileiras.

Deste modo, a restrição do balanço de pagamentos, que no passado motivou várias crises, foi relaxada, possibilitando que o país passasse a exibir um crescimento muito menos volátil. Como chamei a atenção recentemente, o Brasil exibe agora 14 trimestres de crescimento industrial consecutivo, a mais longa série dos últimos 16 anos pelo menos. Em resposta a isto o investimento já começou a se acelerar, crescendo 9% em 2006 e com indicações ainda mais fortes para 2007. Estaria também este processo ameaçado por uma eventual mudança internacional?

Para despeito dos profetas do caos, a resposta é negativa, pois a melhora da economia brasileira, mesmo que favorecida pelas condições internacionais, também resultou da política econômica doméstica. É verdade que o ambiente internacional é importante, mas não há como ignorar que os efeitos de choques externos diferem significativamente entre países: sofrem mais aqueles cujas políticas sejam de má qualidade, enquanto outros navegam sem maiores problemas.

A maior qualidade aparece em três dimensões. O Banco Central, ao manter a inflação controlada, possibilitou a ancoragem das expectativas de inflação, o que significa que, relativamente ao passado, uma eventual piora do cenário externo implicaria uma política monetária muito mais suave que em outros tempos, como exemplificado pela continuidade da queda de juros mesmo em períodos de turbulência.

Além disto, a acumulação de reservas mudou drasticamente o perfil da dívida pública. O setor público tornou-se credor em moeda estrangeira, ou seja, no caso de crise uma desvalorização da moeda reduz a dívida pública ao invés de aumentá-la, afastando o risco, antes presente, de elevação insustentável da dívida e o temor de calote. Por fim, sujeita às restrições de sempre sobre a elevação ininterrupta do gasto público e dos impostos, a política fiscal conduziu à queda da relação dívida-PIB, reduzindo adicionalmente o risco de crise.

Assim, ainda que uma reversão do cenário internacional seja evidentemente danosa, há razões de sobra para crer que o país tenha hoje condições muito melhores de agüentar o tranco do que em episódios anteriores. A lição de casa e o seguro das reservas colocam o país em situação bem mais confortável, se o mundo, de fato, mudar para pior.

(Publicado 13/Jun/2007)

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Cigarras, formigas e efeitos especiais

UM ESPECTRO ronda o Brasil -o espectro das más idéias. A mais recente é a proposta de tributar as exportações de commodities para reduzir seu ímpeto e depreciar a moeda, supostamente justificada pelos casos do Chile e da Noruega, países que tributam as exportações de cobre e petróleo, respectivamente. No entanto, à parte o mérito de reconhecer que o desempenho das exportações (e não a taxa de juros) é o principal fator de pressão sobre a moeda, uma análise detalhada indica que, no ranking das más sugestões, esta ocupa lugar de destaque.

Os números são eloqüentes: na Noruega, petróleo e gás representam 64% das exportações totais e 62% das novas exportações; no Chile, o cobre abrange 56% das exportações, o equivalente a 72% das novas exportações. A dependência dessas economias de commodities, porém, não cessa aí. No caso chileno, por exemplo, o cobre também representou receita fiscal de 5% do PIB (Produto Interno Bruto) no ano passado.

Vale dizer, nesses países tanto o desempenho fiscal como as contas externas estão fortemente ligados a uma única commodity, de preço volátil e não-renovável. Não é necessário grande esforço para concluir que a simples prudência recomenda poupar ganhos extraordinários para dias menos felizes. Em tais períodos, os dividendos desses fundos, se bem aplicados, mantêm o balanço de pagamentos em boa forma e evitam cortes drásticos dos gastos públicos.

Afora a questão cíclica, dois outros pontos são relevantes. Como cobre e petróleo são finitos, não é justo que as gerações correntes se apropriem de toda a riqueza; parte deve ser poupada para as gerações futuras. Por fim, nos dois países, as empresas produtoras são estatais, de modo que as decisões de produção e exportação de commodities são menos sensíveis à tributação que as tomadas por empresas privadas.

No Brasil, em contraste, os dez principais produtos de exportação representaram apenas 35% das exportações em 2006 (41% das novas exportações) e fração ainda menor dos tributos. Em outras palavras, não há um quadro de dependência fiscal ou de balanço de pagamentos que se assemelhe ao dos países acima para justificar a adoção dessa política, que só serviria assim para aumentar a carga tributária, sem contar que o país já dispõe de US$ 135 bilhões de reservas.

É verdade que petróleo e minérios são finitos, mas já se pagam royalties pela sua exploração. Só não perguntem se esses recursos estão sendo devidamente poupados para o bem das gerações vindouras. Por fim, são empresas privadas que respondem pelo grosso das exportações brasileiras, o que sugere uma resposta bem mais negativa à taxação que no Chile ou Noruega: pelo contrário, os volumes embarcados devem cair.

Trata-se, pois, de mera importação de uma idéia sem maior preocupação com o entorno em que foi gerada nem com o ambiente no qual seria aplicada. Curiosa ironia para quem sempre criticou a teoria econômica tradicional por supostamente refletir as condições de países desenvolvidos sem consideração pelas especificidades nacionais...

PS: E o Oscar de efeitos especiais vai para Paulo Francini, segundo quem os 300 mil novos empregados da indústria são cortadores de cana, 9% de aumento no investimento não é indicação clara de crescimento e que, decerto por amnésia, não menciona que a expansão do primeiro trimestre deste ano foi ainda mais forte que no último trimestre de 2006.

(Publicado 30/Mai/2007)

quarta-feira, 16 de maio de 2007

A galinha voadora

Se eu tivesse qualquer dúvida acerca do vigor do crescimento econômico recente esta teria se dissipado à luz das declarações recentes de líderes industriais que, mantendo longa tradição, já o classificaram como “vôo de galinha”, aparentemente desatentos aos 14 trimestres consecutivos de aumento da produção, o mais longo ciclo de expansão industrial dos últimos 15 anos. A obsessão galinácea costuma ser sintoma claro da exasperação quando a atividade econômica, a despeito da torcida contrária, começa a se expandir mais fortemente. Nesta hora os cérebros de galinha formulam complexos argumentos, cuja principal qualidade é jamais passarem pelo teste dos dados.

Tomemos como exemplo uma tese recente patrocinada pelas lideranças industriais, qual seja, que a economia brasileira está passando por um processo claro de “desindustrialização”, contra o qual é obrigação de todo patriota se opor. Afinal de contas, segue a cantilena, o crescimento industrial é cada vez mais resultado da expansão de uns poucos setores, com baixíssimo potencial de geração de emprego e sem dinamismo que dê sustentação aos investimentos. Será?

O primeiro argumento é falso. A inspeção mais cuidadosa dos dados revela que o crescimento industrial tem se tornado menos (e não mais) concentrado do que há pouco tempo. Eu e meu colega Cristiano Souza estimamos recentemente a relação entre a taxa de crescimento da indústria e o índice de difusão, isto é, a proporção dos segmentos industriais que apresentam taxas positivas de expansão.

Como esperado achamos forte relação positiva: quando o crescimento industrial acelera, mais setores crescem. O interessante, porém, foi achar que esta relação se tornou ainda mais positiva no período mais recente, ou seja, hoje uma mesma taxa de crescimento corresponde a uma proporção maior de setores em expansão que há poucos anos. As evidências, portanto, não apóiam a tese da maior concentração do crescimento, uma das pedras fundamentais do pensamento galináceo.

Quanto ao emprego, não é necessário nenhum grande esforço de pesquisa: os dados da Confederação Nacional da Indústria mostram uma aceleração do nível de emprego industrial, cujo crescimento no primeiro trimestre de 2007 atinge 3,5%, a segunda maior taxa de expansão para o período desde o início da série, perdendo apenas para o primeiro trimestre de 2005. Já os dados de criação de novos empregos do CAGED mostram cerca de 290 mil novas vagas industriais nos últimos 12 meses, 50% maior que nos 12 meses anteriores. Na mesma base de comparação a criação de novos empregos totais manteve-se praticamente inalterada, ao redor de 1,3 milhão, revelando a indústria mais dinâmica que a economia como um todo.

Por fim, os dados de investimento são também eloqüentes. Por exemplo, a produção de bens de capital para uso industrial cresceu 9% nos últimos 12 meses (16% no primeiro trimestre), contra 5,5% em 2006, mostrando aceleração do investimento. Em outras palavras, os próprios empresários não parecem acreditar muito na história de “desindustrialização” patrocinada por sua liderança.

Ainda que certos setores enfrentem condições cada vez mais difíceis, os dados mostram que nada parecido com “desindustrialização” tem ocorrido. Há, sim, uma mudança em curso, da qual emergirão novos vencedores e segmentos em declínio. E o estridente cacarejar à distância...

(Publicado 16/Mai/2007)

quarta-feira, 2 de maio de 2007

A lógica da conveniência

Ao puxar uma corda eu deveria trazer para perto o que estivesse amarrado à outra ponta. Poderia não conseguir, se as forças opostas fossem maiores que a minha, mas ninguém me acusaria de ter empurrado o objeto. Óbvio, é claro, mas se o assunto tratar de câmbio e juros, não falta quem prefira ignorar esta lógica simples.

Caso eu perguntasse o que ocorreria se a Selic fosse reduzida, qualquer um responderia (corretamente) que a taxa de câmbio deveria se depreciar. Por simetria, um aumento do juro levaria à apreciação cambial. Curiosamente, porém, ainda que todos concordem com estas conclusões, quando se buscam as causas da apreciação cambial observada no período mais recente são ainda muitos os que apontam a taxa de juros, o que está em flagrante contradição com a crença anterior.

De fato, nos últimos 18 meses a diferença entre as taxas de juros no Brasil e EUA caiu de 15% a.a. para um valor próximo a 7% a.a. Ninguém duvida que uma nova redução desta diferença daqui para frente depreciaria o real (pelo contrário, muitos clamam por isso), mas, por motivos que me escapam, não admitem que a queda de oito pontos percentuais no diferencial de juros desde outubro de 2005 poderia ser responsável por muitas coisas, menos pela apreciação da moeda. Por que, então, o real se fortaleceu?

Obviamente, como no exemplo da corda, deve haver outras forças atuando no sentido contrário e prevalecendo sobre os efeitos da queda da taxa de juros. Se fosse possível a experimentação em laboratório na ciência econômica, poderíamos testar esta afirmação alterando apenas a taxa de juros e mantendo as demais variáveis constantes, de modo a isolar o seu efeito do juro sobre o câmbio.

Tal experimento controlado não é factível, mas há técnicas estatísticas que, sujeitas às restrições de praxe, nos permitem reproduzir, na medida do possível, as condições do laboratório. Basta estimar um modelo que explique a taxa de câmbio em função de algumas variáveis (risco-país e expectativas do câmbio 12 meses à frente, além do diferencial de juros) e pedir a este modelo que simule a trajetória de câmbio, supondo que a trajetória da taxa de juros seja exatamente a observada, fixando, porém, as demais variáveis.

Feita a simulação, o resultado não é distinto do que eu afirmava acima: o efeito “puro” da taxa de juros teria feito a moeda se depreciar pouco mais de 6,5% entre outubro de 2005 e março de 2007, efeito, porém, mais que compensado pela queda do risco-país (apreciação de 1%), e, principalmente, pela forte queda da expectativa de câmbio 12 meses à frente (apreciação de 15%). A resultante destas forças seria uma apreciação do real em torno de 9% no período, bastante próxima ao valor observado (7,5%), sugerindo um modelo razoavelmente preciso.

Falta, é claro, explicar a razão da queda do câmbio esperado, mas há evidências indicando que preços de commodities (e consequentemente o desempenho futuro da balança comercial) mantêm forte relação inversa com esta variável, isto é, preços mais altos melhoram as perspectivas de balança comercial e, portanto, sugerem apreciação da moeda à frente. Assim fica patente que, no balanço das forças, tem prevalecido o desempenho estupendo da balança comercial, fortalecido pela alta das commodities. Quem ignorar este fenômeno pode espernear à vontade, mas jamais entenderá o que tem acontecido com a moeda.

(Publicado 02/Mai/2007)

quinta-feira, 26 de abril de 2007

Não foi profecia

Exatamente uma semana depois da Folha ter publicado o texto abaixo, a Cacex anuncia aumento de tarifas de importação para tecidos, vestuário e calçados, em nome da preservação da indústria nacional. Não chega a ser profético; era óbvio que os lobbies em algum momento iriam prevalecer.

A notar que as importações destes bens atingiram US$ 2,2 bilhões no ano passado, um aumento de cerca de US$ 600 milhões na comparação com 2005. Em bom português, é um zero-nada do mercado de tecidos, vestuário e calçados, mas serão devidamente apropriados pelos lobistas de sempre.

Engraçado é os que aprovaram a medida serem os mesmos que choramingam por conta do câmbio. Contribuem (marginalmente, é verdade) para a apreciação, mas acho que ainda não sabem disto.

Ignorância pode ser uma benção.

quarta-feira, 18 de abril de 2007

Nostalgia e tiro no pé

Onde trabalho é quase possível escutar (às vezes até ler) suspiros de nostalgia. Saudades dos bons tempos, quando era possível – com mínimo esforço – convencer algum burocrata de plantão dos inúmeros perigos que aguardavam o Brasil na virada de cada esquina do mundo. Uma guia de importação engavetada aqui, um aumento na tarifa acolá, invocações freqüentes à Lei de Sauer, e a vida estava garantida. Este surto nostálgico não ocorre por acaso. À medida que fica claro que, a despeito da apreciação cambial recente, o país manterá saldos elevados em conta corrente, com exportações em alta e demanda doméstica crescendo além dos 5% registrados no ano passado, a noção do “câmbio fora de lugar” fica cada vez mais frágil. Num ambiente como este é natural que a briga comece a passar para outros terrenos.

Um destes terrenos, velho conhecido dos jogadores, é a política comercial. Não é à toa que surjam lamentos acerca da decisão tomada anos atrás de promover uma maior abertura da economia brasileira aos fluxos comerciais. Na impossibilidade de reverter ao protecionismo escancarado (cujo exemplo mais triste foi a fracassada reserva de mercado de informática) começamos a ouvir os pedidos por tarifas de importação mais altas e outras formas de defesa de interesses específicos, devidamente apresentados como “nacionais”, “estratégicos”, ou qualquer outra variante do tema.

Há motivos de sobra para se opor a estas iniciativas, a começar porque tipicamente envolvem transferência de renda de setores menos organizados para os mais organizados, mas hoje quero me dedicar a um tema mais específico. Pretendo tratar dos efeitos do protecionismo sobre a taxa real de câmbio e, consequentemente, sobre o desempenho das exportações. De fato, é possível mostrar que um aumento da proteção implica (tudo o mais constante) apreciação do câmbio real e, consequentemente, pior desempenho das exportações.

Para entender esta proposição (formulada por Abba Lerner em 1936), imagine um país cuja balança esteja em equilíbrio e precise se manter assim, no qual impomos uma tarifa de importação. Isto reduz a importação e gera um saldo positivo na balança; porém, para manter o equilíbrio da balança comercial, a taxa real de câmbio tem que apreciar e, portanto, as exportações também caem. No novo equilíbrio o saldo é o mesmo que se observava anteriormente (por hipótese, zero), mas com volumes de importação e exportação menores que os originais.

Noto, antes que alguém salte sobre o óbvio irrealismo da hipótese de saldo zero, que este resultado pode ser generalizado para qualquer nível de saldo em conta corrente. Em caso de desequilíbrio externo, por exemplo, um saldo menor que o necessário, a imposição de uma tarifa de importação reduz a magnitude da desvalorização cambial que recolocaria as contas externas em equilíbrio, o qual será atingido com volumes de importação e exportação menores do que na ausência da tarifa. Por simetria, no caso de um saldo em conta corrente superior ao sustentável a introdução da tarifa levaria a uma apreciação cambial maior que a necessária, mais uma vez se traduzindo em volumes menores de importação e exportação.

O que dizem os dados? De acordo com a Funcex, entre 1977 (início da série) e 1991, quando a economia se abriu, o quantum exportado cresceu 6,6% ao ano, enquanto entre 1991 a 2006 o crescimento médio atingiu 8,5%.

Tal desempenho poderia ter resultado do comportamento distinto do comércio mundial em cada período, mas noto que o crescimento real das exportações brasileiras superou o das mundiais em 1,4% ao ano de 1991 a 2006, tendo sido superado em 1,6% ao ano no período anterior. Estendendo o período pré-abertura até 1957 observamos as exportações mundiais crescendo 1% ao ano à frente das brasileiras até 1991. Em outras palavras, o padrão de crescimento das exportações se conforma exatamente com o que sugeria Lerner, há mais de 70 anos.

Restam, assim, duas alternativas: ou as propostas de proteção resultam do habitual desconhecimento dos fatos acima, ou apenas fingem desconhecê-los, para de novo vender interesses específicos como sendo de toda sociedade. Em qualquer caso, o melhor é não aceitá-las.

(Publicado 18/Abr/2007)

quarta-feira, 4 de abril de 2007

Mudando de lugar

Abordei na minha última coluna a taxa real de câmbio, argumentando que o comportamento da economia (saldos elevados em conta corrente acompanhados de expansão vigorosa da demanda doméstica) sugere uma taxa próxima ao seu equilíbrio. Coincidentemente alguns expoentes do “desenvolvimentismo”, que passaram os últimos anos ano a reclamar da taxa de câmbio, parecem ter finalmente se rendido a estas evidências, reconhecendo que o câmbio veio para ficar.

A taxa real de equilíbrio, porém, não é uma grandeza imutável. Ela é determinada, entre outras coisas, pelos preços das exportações brasileiras, que, do seu pior momento em 2002 ao começo de 2007, cresceram cerca de 50%, seguindo o preços das commodities (aumento de 65% no período). Da mesma forma, a taxa real de câmbio reage à disposição dos estrangeiros em investir no país, variável que pode ser auferida pela evolução dos prêmios pagos pelos papéis brasileiros no exterior. Esses também mostraram notável redução, caindo para cerca de 1,7 pontos percentuais nos últimos meses, contra mais de 13 pontos percentuais em 2002 (também nosso pior momento).

Não é difícil concluir, portanto, que a apreciação da taxa real de câmbio de equilíbrio se deve à combinação favorável de preços mais altos de exportações e redução da percepção de risco-país (bem como a outros fatores que exploro à frente), em particular na comparação com 2002. Até “desenvolvimentistas” empedernidos já aceitam os fatos, mesmo que presumivelmente não gostem deles. Curioso, porém, é que não atentam, em sua maioria, para políticas que poderiam levar a taxas reais de câmbio de equilíbrio menos apreciadas que a atual.

Uma forma de olhar a taxa real de câmbio equivalente à tradicional medida da taxa nominal ajustada pela diferença entre a inflação doméstica e externa é a relação entre os preços dos produtos comercializáveis internacionalmente (como aviões, carne, etc.) e os preços dos produtos não comercializáveis internacionalmente (tipicamente serviços). Com efeito, se o preço dos comercializáveis sobe mais que o dos não-comercializáveis, as mensagens que a economia ouve são: (a) produza mais produtos comercializáveis e menos não-comercializáveis; e (b) consuma menos comercializáveis e mais não-comercializáveis. À diferença entre a produção e o consumo interno de bens comercializáveis dá-se a alcunha de saldo comercial, que cresce com a elevação deste preço relativo.

Assim, um aumento do preço dos bens comercializáveis em relação aos não-comercializáveis corresponde à depreciação real do câmbio; já uma queda equivale à apreciação real da moeda. Logo, se os gestores de política querem alterar a taxa real de câmbio, tudo que têm a fazer é achar variáveis que afetem a demanda e a oferta de bens comercializáveis e não-comercializáveis. Em particular, se querem uma taxa real de câmbio mais depreciada, basta reduzir a demanda por bens não-comercializáveis.

Acontece que gasto público brasileiro, além de afetar a demanda doméstica, é bem mais concentrado em produtos não-comercializáveis. Uma forma evidente, portanto, de reduzir a demanda por estes produtos e depreciar a taxa real de câmbio seria reduzir de forma persistente o gasto, mas – como tenho argumentado há tempos – a trajetória desta variável tem sido bastante diversa: o dispêndio federal (sem contar estados e municípios) aumentou mais de 3 pontos percentuais do PIB entre 1997 e 2006, dos quais 1,5 pontos percentuais de 2002 para cá.

Há, pois, razões bastante sólidas para acreditar que a política fiscal tem contribuído para a apreciação cambial. Olhando o mesmo fenômeno por um prisma distinto, é fácil concluir que as taxas de juros consistentes com as metas de inflação teriam sido menores que as observadas se os gastos fossem mais baixos, implicando taxas nominais de câmbio mais depreciadas para a mesma trajetória de inflação, ou seja, taxas reais também mais depreciadas.

Ironicamente, os mesmos que se dizem preocupados com o câmbio são os grandes defensores das políticas que contribuem para a valorização da taxa real de câmbio. Triste, mas verdadeiro.

P.S. A Henry Sobel. Grandes feitos não garantem a absolvição; erros, porém, jamais apagarão os grandes feitos. Shalom.

(Publicado 4/Abr/2007)

quinta-feira, 29 de março de 2007

Quem está errado?

"Novo PIB prova que BC errou, diz Delfim

A revisão do PIB promovida pelo IBGE desmonta uma das principais teses defendidas pelo Banco Central, a de que o país não poderia crescer mais de 3%, senão haveria o risco da volta da inflação. O país não só cresceu a um ritmo mais acelerado, de 3,4% nos últimos quatro anos, como a ameaça da inflação não se confirmou. A análise é de Delfim Netto, um dos maiores críticos da política monetária do Banco Central e também da tese de que o país tinha um limite para o crescimento, o chamado PIB potencial. Delfim sempre achou que essa tese carecia de argumentos científicos."A coisa mais importante que essa revisão do IBGE fez foi mostrar que o Brasil tem condições de crescer a um ritmo maior do que 3% sem produzir inflação", afirmou. "Espero que isso sirva como lição de humildade para aqueles que pensam que dominam a ciência chamada economia."" (Folha de S. Paulo, 29 de março de 2007)

Meu comentário: novo PIB mostra que Delfim errou

Já o ministro Delfim dizia que a economia crescia bem menos do que efetivamente cresceu e criticava o BC por isto. Mesmo deixando de lado que em documento algum do BC se acha menção à impossibilidade de crescer mais que 3% (mito cuidadosamente construído pelo sempre hábil ministro, que só agora mudou o número de sua criação de 3,5% para 3%), uma metáfora simples ajuda a compreender o problema.

Segundo o ministro o BC errou por considerar que o limite de velocidade para conduzir o carro era 60 km/h, quando na verdade seria 80 km/h. Isto seria um problema se o carro tivesse andado de fato a 60 km/h. Só que o ministro deixa de dizer que os mesmos dados que sugerem um limite mais alto de velocidade também mostram o carro não estava a 60 km/h (como acusava o ministro), mas a 80 km/h.

O ministro pode até achar que o crescimento potencial do PIB é mais alto do que o BC avalia (é um economista competentíssimo), mas usar os novos dados de crescimento do PIB para sugerir que o crescimento potencial é mais alto, omitindo que o crescimento da demanda agregada (resultado, dentre outras coisas, da política monetária) também foi mais alto, é um truque retórico algo barato...

quarta-feira, 21 de março de 2007

Fora do lugar

É praticamente impossível ler certos textos sem se deparar com a expressão “câmbio fora do lugar” ou algo equivalente, usualmente acompanhada por uma historinha sobre a taxa de juros levar à apreciação “xxx” do câmbio (o leitor fica livre para preencher o “xxx” com “criminosa”, “irresponsável”, “leviana”, ou qualquer outro adjetivo habitualmente utilizado). Já tive oportunidade de examinar as dificuldades que membros desta escola enfrentam em explicar porque o câmbio seguiu se apreciando com a diferença entre os juros domésticos e externos se estreitando a cada mês, mas hoje quero abordar a noção do “câmbio fora de lugar”.

Uma das formas de olhar o problema consiste em acompanhar a evolução da taxa de câmbio ao longo dos anos ajustando-a pela diferença entre a inflação doméstica e internacional. O melhor trabalho que conheço a este respeito é o acompanhamento do Departamento Econômico do BC, que faz uma ponderação cuidadosa das diversas taxas de câmbio de acordo com o volume de comércio dos diferentes países com o Brasil. De acordo com estes dados, a taxa real de câmbio em janeiro deste ano estaria 1,7% abaixo da média observada desde janeiro de 1988, o que, convenhamos, não parece ser nenhum desastre.

Isto dito, resultados com base nesta abordagem são muito menos robustos do que gostaríamos. Escolhas diferentes das medidas de inflação (preços no atacado ou ao consumidor) ou de período amostral levam a resultados distintos. A própria escolha da média do período como referência não é isenta de problemas, a começar porque, mesmo com um número bastante elevado de observações mensais, não há como ter certeza que a taxa de câmbio é uma variável que retorna à média (acredito que sim, mas os testes estatísticos são inconclusivos).

Nesta situação o melhor é voltar à teoria econômica em busca de pistas que dêem sentido aos dados e, de fato, esta nos oferece um modelo que identifica duas condições de equilíbrio expressas em função da taxa real de câmbio e da demanda doméstica (consumo, investimento e gastos do governo). A primeira condição é o equilíbrio externo, ou seja, a manutenção de certo saldo na conta corrente que seja visto como sustentável ao longo dos anos.

A segunda se refere ao equilíbrio doméstico, que pode ser interpretado como uma condição acerca da evolução das taxas de inflação dos produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, tipicamente serviços (escola, aluguel, cinema, manicure). Se a taxa de inflação destes produtos estiver crescendo é sinal de excesso de demanda neste mercado; se caindo, excesso de oferta. Em equilíbrio geral, portanto, a inflação dos não-comercializáveis é estável e o país gera um saldo em conta corrente percebido como sustentável.

Caso, porém, a taxa de câmbio esteja “fora do lugar”, alguma destas condições (ou ambas) não poderá ser atendida. Em particular, deveríamos observar uma piora nas condições do balanço de pagamentos, ou uma queda acelerada das taxas de inflação de produtos não comercializáveis internacionalmente, ou ainda uma combinação destes dois fenômenos. O que dizem os dados?

No que se refere ao balanço de pagamentos, não apenas o país registra expressivo saldo na balança comercial, que se traduz em superávit próximo a US$14 bilhões na conta corrente, como também as expectativas coletadas pelo BC acerca do saldo da balança para 2007 (média superior a US$40 bilhões) sugerem manutenção daquele superávit em mais de 1% do PIB.

Este superávit, porém, poderia resultar de uma demanda doméstica muito fraca, que reprimisse as importações e forçasse certos setores a exportar mais por falta de mercado. Só que a demanda doméstica tem crescido bem (4% em 2006), acima de sua média desde 1993 (2,4%), sugerindo mais força que se imagina, e deve crescer ainda mais este ano. Consistente com isto, a inflação de não-comercializáveis tem oscilado desde meados de 2006 ao redor de 4%.

Assim, a combinação de superávits expressivos em conta corrente com demanda doméstica se expandindo vigorosamente não sugere nada de fundamentalmente errado com a taxa de câmbio. Se algo há fora de lugar não é o câmbio, mas algumas idéias defendidas contra todas as evidências.

(Publicado 21/Mar/2007)

sábado, 10 de março de 2007

Volta às aulas

Um sintoma da importância adquirida pelos economistas no Brasil de uns tempos para cá é a quantidade de colegas de profissão desempenhando cargos políticos, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Meu lado corporativista poderia até celebrar, não fossem estes economistas-políticos (não todos, mas a maioria) capazes de abandonar tão prontamente os fundamentos da nossa ciência, se é que algum dia chegaram a dominá-los. Na verdade, manifestações recentes de figurões da categoria sugerem que os mesmos teriam certa dificuldade para serem aprovados no curso de economia monetária.

Assim, houve quem afirmasse aos brados ignorar os motivos econômicos que levaram o BC à decisão de desacelerar o ritmo de queda da Selic. No entanto, como um bom aluno de graduação poderia lembrar, sabe-se que as mudanças nas taxas de juros não produzem impactos imediatos no restante da economia. Ainda que os mecanismos de transmissão não sejam inteiramente conhecidos, é fato notório que as alterações das taxas reais de juros só começam a afetar a demanda após certo período, hoje estimado em cerca de dois trimestres, e que o pico deste efeito se materializa ainda mais tarde.

Uma imagem comum para descrever este fenômeno é da água quente que demora no cano até chegar ao chuveiro. Se esta defasagem for ignorada, o incauto banhista corre sérios riscos de se queimar caso continue a ajustar a torneira enquanto observa apenas o fluxo corrente da água, desconhecendo o que já vem cano abaixo. Isto dito, houve queda da taxa real de juros de mais de 4,5 pontos percentuais de outubro de 2005 em diante, dos quais cerca de 2,5 pontos ao longo do segundo semestre de 2006, cujo impacto certamente ainda não se manifestou. Ou seja: há um bocado de água quente no cano e não me parece ser má idéia esperar para ver como fica a temperatura da água antes de abrir ainda mais a torneira.

Trata-se, enfim, de fenômeno conhecido por qualquer estudioso do assunto (ou qualquer um que já tenha tomado banho), mas aparentemente desconsiderado por pessoas que, em sua própria e modesta opinião, se julgam extremamente capazes.

Ainda na categoria de político-economista, houve também quem classificasse de “ignorante” a diretoria do BC, ao mesmo tempo em que cometia uma série de equívocos de corar um terceiranista da faculdade de Economia. Não tenho espaço para comentar todos, mas, entre os mais gritantes, destaco os seguintes.

Esse economista, por exemplo, não acredita que os juros reais caíram, porque a inflação teria caído junto. Para chegar a esta conclusão, o ilustre político deflacionou a taxa de juros pela inflação passada ao invés da inflação esperada, o que é errado, pois a inflação relevante para fins de determinação da demanda é a esperada. De fato, ao escolher entre aplicar dinheiro ou gastá-lo, as pessoas comparam consumir hoje com consumir amanhã. Sabendo a taxa de juros, sabem quanto dinheiro terão amanhã, mas não o poder de compra desta moeda. Se acharem que os preços subirão mais rápido, gastam hoje; se mais devagar, amanhã. Caso errem a previsão de inflação, haverá conseqüências, mas a decisão de consumo ou poupança já foi tomada. Isto é básico, mas foi solenemente ignorado.

O mesmo político anotou o que considera uma ironia, que preços de exportação cresçam, mas a economia não se beneficie disto, supostamente por conta da política monetária. Esta afirmação sozinha contém dois erros. Primeiro esquece que, num regime de câmbio flutuante, preços de exportação mais altos necessariamente apreciam o câmbio e, portanto, reduzem o impulso de demanda que vem das exportações (líquidas das importações), independente da política monetária.

Segundo, isto abre espaço para quedas adicionais da taxa de juros, ao permitir uma taxa mais baixa de inflação e, num segundo momento, um ritmo mais forte de crescimento da demanda doméstica, como, aliás, observado em 2006. De novo, nada que não conste dos manuais da disciplina (ou dos dados do IBGE), de novo relegados ao mais abjeto esquecimento.

Não há, pois, como alimentar sentimentos corporativistas. Afirmações como as acima deveriam levar seus autores de volta à universidade; apenas não como professores.

(Publicado 7/Mar/07)

O eterno retorno

Foi com satisfação que li o editorial da Folha no último dia 13 comentando a questão das importações e do PIB, assunto da minha última coluna. O texto reconhece o equívoco de partir de uma identidade contábil para concluir que o aumento das importações teria reduzido o crescimento do PIB em 1,7 pontos percentuais, exatamente o ponto central do meu artigo. Quase comemorei (são poucas as vezes que a racionalidade econômica prevalece), mas a continuação da leitura revelou que falta ainda um tanto para que o jornal compreenda realmente a questão.

De fato, o editorial propõe uma métrica peculiar para avaliar se as importações prejudicam (ou não) a atividade econômica: se a indústria local puder fornecer o bem, então a importação será prejudicial; se não, a importação não terá impacto sobre a atividade econômica. Por esta lógica curiosa um país só pode importar sem prejuízo à atividade doméstica quando: (a) o bem em questão não é produzido no país; ou (b) o bem é produzido, mas, no momento, não existe capacidade ociosa para fazê-lo.

Em momento algum se admite que bens importados possam simplesmente competir com os domésticos. Em outras palavras, pela lógica do editorial, valorizamos a expansão da produção nacional independente dos preços a que esta expansão ocorra, e o consumidor (ou investidor, se o bem for uma máquina) que viva com isto. Com tais idéias dominando o pensamento nacional não é estranho que o Brasil permaneça como um dos países mais fechados do ponto de vista do comércio internacional.

Imagine, no entanto, persistente leitor que ainda não abandonou a coluna que em dada indústria surja nova empresa, cujos preços são consideravelmente mais baixos que os das empresas tradicionais. Esta empresa irá provavelmente expulsar as mais antigas, reduzindo produção destas e, portanto, o emprego. Se este empresa se localizar em território nacional, chegará às capas das revistas, a despeito da “destruição criativa” que causou no seu setor.

Se, porém, esta empresa se localizar no exterior será objeto de editorial contrário, que ressaltará como ponto negativo a mesma “destruição” de emprego e produção saudada no caso anterior. Por que um acidente geográfico deveria levar a conclusões distintas?

Os mais ofendidos com o argumento acima irão levantar duas objeções. A primeira é que, no caso da nova empresa ser nacional, a produção e o emprego aqui permanecem, enquanto no segundo caso, migram para o exterior. A este respeito lembro o argumento já avançado no meu artigo anterior: a importação mais elevada permite, tudo o mais constante, que o BC baixe adicionalmente o juro. O emprego nesta indústria cai, mas a aceleração da demanda doméstica permitida pela importação criará empregos em outras indústrias. Aliás, não fosse isto, países com déficits comerciais viveriam em recessão crônica.

A segunda objeção diz respeito à taxa de câmbio. Setores que competiam com as importações em condições de superioridade sob determinada taxa de câmbio não conseguem fazê-lo sob outra taxa mais apreciada. Assim, o problema não seria tanto a importação em si, mas a taxa de câmbio, “artificialmente apreciada pelo diferencial de juros, etc., etc.”. Quanto a isto, sugiro dois pontos para reflexão.

(1) Quem é o iluminado que determina a taxa de câmbio “correta” para avaliarmos a real competitividade de cada setor industrial? Há vários candidatos a gênio, mas, francamente, quase todos associados a setores que têm muito a ganhar ou perder com a definição desta grandeza, e o leitor há de me perdoar não pôr muita fé nos “estudos” de defasagem cambial que volta e meia aparecem por estas plagas.

(2) O diferencial de juros entre o Brasil e os EUA caiu à metade nos últimos 18 meses e, a despeito disto, a taxa de câmbio seguiu se apreciando. Ao mesmo tempo as exportações seguiram crescendo a taxas robustas, enquanto os saldos comerciais e em conta corrente se mantiveram em torno de US$ 45 e US$ 13 bilhões respectivamente. À luz disto, pergunto ao raro leitor, o que há de artificial na apreciação do câmbio?

Assim, uma vez abandonada a contabilidade nacional como métrica do assunto, sugiro aos interessados o retorno à teoria do comércio internacional para aferir seus efeitos sobre a economia. A alternativa é o eterno retorno ao protecionismo de sempre.

(Publicado 21/Fev/07)