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segunda-feira, 16 de julho de 2007

O choque é nosso

Não, o título deste artigo não clama pela estatização do setor elétrico. Assim, se há quem tema pela minha conversão ao “desenvolvimentismo”, pode suspirar aliviado. O assunto de hoje é – como não poderia deixar de ser – a meta de inflação. Não é segredo que achei a decisão de manutenção da meta em 4,5% equivocada, mas, se a decisão em si foi um erro, seu anúncio conseguiu ser ainda pior e manifestações posteriores chegaram ao impensável, ao adicionar ainda mais ruído a um processo já barulhento.

O anúncio da meta para 2009 (4,5%, porém permitindo ao BC buscar um número mais baixo, desde que as condições macroeconômicas permitam e a Lua se alinhe a Escorpião, mas apenas se a migração das borboletas birmanesas não for prejudicada pela menstruação das lhamas) criou certa confusão acerca do objetivo de política monetária. O BC buscará 4,5% de inflação? 4%? Outro número? Quem souber a resposta ganha as obras completas do ministro da Fazenda sobre política monetária, ainda não coloridas.

Esta não é uma questão menor. Em meu artigo anterior chamei a atenção para a ênfase que BCs dão às expectativas inflacionárias na condução da política monetária. Quando as expectativas estão alinhadas aos objetivos do BC a gestão de política torna-se muito menos penosa: menor esforço em termos de redução de demanda basta para trazer a inflação para baixo e, quando a economia entra em recessão, o BC ganha graus de liberdade para recuperá-la sem prejuízo à sua credibilidade, como demonstrou o Fed entre 2001 e 2003.

A essência, portanto, do regime de metas para a inflação consiste em convencer a sociedade que a inflação flutuará ao redor da meta para que os benefícios da credibilidade se materializem. É óbvio que, para persuadir a sociedade deste compromisso, não basta anunciar uma meta. Pelo contrário, é ao longo de anos de funcionamento do regime que o BC estabelece sua reputação: caso entregue taxas de inflação sistematicamente acima (abaixo) da meta as expectativas hão de se cristalizar também acima (abaixo) da meta; caso, porém, a inflação oscile ao redor da meta, sem desvios sistemáticos em qualquer sentido, passa a ser ótimo, do ponto de vista dos agentes privados, esperar que a inflação fique próxima à meta.

Isto dito, se o anúncio da meta não é condição suficiente para o bom funcionamento do regime, certamente é condição necessária, pois, sem uma referência numérica, fica bastante difícil para a sociedade entender o que o BC está perseguindo. Não basta, por exemplo, dizer que o BC busca uma inflação entre 2,5% e 6,5%. Seria como tentar convencer o guarda que o excesso de velocidade em relação ao limite de 60 km/h se deve à estratégia de manter o carro entre 20 km/h e 100 km/h. Sem tal referência não há como a sociedade avaliar o compromisso do BC e, portanto, se perde a âncora das expectativas. É fundamental entender que não há “centro da meta”: a meta é o “centro”; o intervalo serve apenas para acomodar choques imprevistos.

Assim, é necessário o BC explicitar o objetivo numérico que perseguirá, de modo que a sociedade possa formar suas expectativas. Falta de clareza sobre este tópico agora apenas contribuirá para erodir a ancoragem das expectativas, puxando a inflação para cima. Quando isto acontecer não há de faltar quem atribua tal desempenho a “choques externos” ou à divina providência, mas, não, desta vez o “choque” será nosso.
(Publicado 11/Jul/2007)

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