Há alguns meses abordei nesta coluna a questão das importações (Cui bono?, 07/02/2007). A polêmica à época dizia respeito à visão segundo a qual a expansão das importações “roubava” crescimento do PIB, ao permitir que parcela da demanda doméstica não fosse atendida pela produção local. Procurei mostrar então que o argumento não fazia muito sentido, pois as importações, por meio de seus efeitos positivos sobre as taxas de inflação, abriam espaço para o BC baixar as taxas de juros e acelerar o crescimento da demanda doméstica.
Em outras palavras, não fossem as importações, muito provavelmente a demanda não poderia crescer o que vem crescendo. Os dados reforçam esta noção: a expansão do PIB tem sido sistematicamente maior nos períodos em que as importações crescem do que nos períodos em que as importações caem. Entre 1996 e 2006 observamos três anos de queda das importações (1999, 2002 e 2003), com crescimento médio do PIB de 1,4%. Em contraste, nos anos em que as importações tiveram desempenho positivo (supostamente “roubando” crescimento), o PIB se expandiu em média 3,4%. A despeito do efeito contábil das importações, que aparecem com sinal negativo na definição do produto, fato é que essas possibilitaram o aumento mais vigoroso da demanda doméstica, trazendo consigo a produção.
Será, portanto, que as importações podem ser a pedra filosofal, ajustando a oferta para qualquer nível de expansão da demanda? Um argumento corrente na praça sugere que sim. Graças ao desempenho brilhante das exportações, beneficiadas pela nossa integração à economia mundial, as importações poderiam crescer de modo a acomodar taxas muito elevadas de aumento da demanda doméstica, sem prejuízo à balança comercial, contendo assim os potenciais efeitos inflacionários através de dois canais.
O primeiro seria simplesmente a disciplina imposta aos preços domésticos por temor da concorrência com importados. O outro, indireto, refere-se à possibilidade das importações atenderem parcela da demanda doméstica sem necessidade de uso de recursos locais, evitando que sua utilização excessiva pudesse pressionar a inflação.
Embora este segundo efeito seja real, ele precisa ser quantificado. Dependendo do quanto se acredita que a demanda interna vá crescer e quanto a produção local possa se expandir sem provocar pressão indevida sobre os recursos, a taxa de crescimento das importações requerida para acomodar a demanda pode ser simplesmente elevada demais para se tornar viável. Este parece ser o caso no Brasil, como sugerido por trabalhos recentes dos meus colegas, Tatiana Pinheiro e Cristiano Souza.
De fato, usando um modelo estimado por Tatiana, o crescimento da demanda doméstica deverá ficar perto de 6,5% nos próximos 12 meses. Tal expansão, associada à estimativa de crescimento de PIB potencial da ordem de 4%, segundo trabalho de Cristiano, requer que as importações cresçam 20% mais rápido que as exportações para que a utilização dos recursos permaneça inalterada, taxa que supera em muito o observado (13%).
Isto indica que, mesmo deixando de lado os produtos que não podem ser comercializados internacionalmente, as importações não são suficientes para atender a demanda doméstica no ritmo que esta vem crescendo. Ou seja, o controle da inflação continua dependendo da política monetária, uma lição que estamos prestes a aprender.
(Publicado 24/Jul/2007)
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