O desempenho do varejo por estado entre fevereiro
e outubro do ano passado, mais forte nos estados onde o auxílio emergencial foi
comparativamente maior, aponta para a relevância do programa na retomada das vendas.
Seu fim deverá ter o efeito oposto, agravado por seu impacto político.
Fonte: Autor e filho (com dados do IBGE) |
Fonte: Autor e filho (com dados do IBGE) |
O
gráfico acima resume o desempenho do varejo por UF contra a diferença entre o
auxílio emergencial a renda (ambas em base per capita). Nas UF em que o
valor do auxílio (em cinco meses) supera a renda per capita (em 12
meses), a média não-ponderada do aumento das vendas no varejo entre fevereiro e
outubro atingiu 10%; a mediana do aumento chega a 8%. Já nas UF em que o
auxílio é inferior à renda per capita, o aumento médio atinge 7% e o
mediano 6%.
Coloquei, para fins de ilustração, uma linha de regressão no gráfico. Note-se que, embora a linha capture a tendência geral – quanto maior o auxílio relativamente à renda melhor o desempenho do varejo –, os pontos estão a alguma distância dela, sugerindo a presença de outros fatores na determinação do aumento de vendas em cada UF. Isto é, conforme alertado, o auxílio emergencial muito provavelmente não é o único determinante de desempenho, o que indica a necessidade de um trabalho mais aprofundado para entender completamente o fenômeno, mas parece ser uma indicação de um impacto forte do auxílio sobre o varejo.
Como sempre em economia há que se ter um cuidado extra com a interpretação de correlações, checando se não há uma relação de causa e efeito na direção oposta à postulada. Imaginamos que o aumento das vendas decorre do auxílio emergencial, mas seria possível que o auxílio decorresse do crescimento das vendas?
Não parece ser o caso. Se estivéssemos comparando com o fundo do poço, talvez houvesse uma correlação espúria: a gravidade da crise sanitária teria derrubado as vendas mais fortemente nas UF mais atingidas, que também teriam auxílio maior. A base de comparação deprimida elevaria o crescimento, mas, como medimos contra fevereiro, antes da crise, não há esse problema. A evidência, portanto, sugere que, sim, o auxílio foi instrumental para o desempenho da demanda de consumo por bens.
Segue-se disso que seu fim deverá ter efeitos no sentido inverso, porque o emprego continua muito abaixo do registrado no período imediatamente anterior à epidemia. Em fevereiro havia 94 milhões de pessoas ocupadas (em termos dessazonalizados); em outubro, mesmo com a recuperação do varejo e da indústria, somente 85,5 milhões. A renda do trabalho, de acordo com a PNAD, era R$ 208 bilhões em outubro, contra R$ 220 bilhões em fevereiro. Apenas o auxílio impediu que isto se transformasse em queda pronunciada do consumo.
Vale dizer, as consequências econômicas do fim do auxílio deverão se manifestar ao longo do primeiro trimestre de 2021. Já a correlação acima apontada, entre a renda per capita e o auxílio por habitante, sugerindo que seu impacto é maior nos estados mais pobres, deverá ter implicações políticas também, particularmente para a popularidade presidencial.
A reação a isso é incerta, mas, a valer o que aprendemos com a atual administração na primeira metade do mandato, as chances de uma resposta inteligente são ainda menores do que as de vacinarmos parcela relevante da população ainda no primeiro semestre de 2021.
It does NOT smell like
victory |
(Publicado 6/Jan/2021)
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