Ao contrário da crença geral, gastos
públicos continuaram a crescer mesmo depois da criação do teto constitucional.
A redução do investimento público não deve, portanto, ser atribuída a ele, mas
às prioridades dos diferentes níveis de governo, dentre as quais se destaca o
funcionalismo. Apenas a fé em verdades reveladas supera a mensagem clara dos
dados.
Na
verdade, R$ 999,4 bilhões é o valor estimado pelo Tesouro
Nacional para o gasto com remuneração de empregados
do governo geral (União, estados e municípios) no ano passado. O valor é
chamativo, pelo menos para o ministro da Economia, obcecado com a cifra, mas,
para manter o clima confessional, o real motivo da ênfase a ele é a discussão
sempre presente sobre a evolução do dispêndio no Brasil, em particular se, como
colocado por uns e outros, a manutenção do teto de gastos impede o
desenvolvimento do país, ou, como colocado mais recentemente, se seria inclusive
racista.
A
resposta para qualquer um que siga os números é obviamente “não”, mas, mais
importante do que a conclusão em si, é o caminho até ela.
O
gráfico abaixo resume a evolução do gasto do governo geral (exceto a estimativa
de depreciação do capital público) a partir de 2010, medido a preços constantes
de 2019. A primeira conclusão que salta aos olhos é que os dados não
corroboram a visão de uma política fiscal excessivamente apertada. Com
efeito, desde 2016, quando foi criado o teto de gastos para o governo federal,
o dispêndio dos três níveis de governo aumentou pouco mais do que R$ 75
bilhões, apesar da forte queda das despesas com juros da dívida pública.
Fonte: S&A (com dados da
Secretaria do Tesouro Nacional)
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Houve,
por certo, redução do investimento governamental, de R$ 110 bilhões para R$ 99
bilhões no período, mas a queda de R$ 11 bilhões empalidece frente ao aumento
de gastos com benefícios sociais (R$ 163 bilhões) e funcionalismo (R$ 63
bilhões). Em outras palavras, a redução do investimento não resultou do teto –
que, lembremos, só se aplica ao governo federal –, mas de uma estrutura de
prioridades que privilegia os gastos com grupos próximos ao aparelho estatal em
detrimento daqueles relativos à infraestrutura e prestação de serviços
públicos.
Não
houve também queda de gastos
federais com educação (estáveis ao redor de R$ 166
bilhões) e saúde (que subiram de R$ 143 bilhões para R$ 153 bilhões entre 2016
e 2019). A ideia, portanto, que o teto de gastos sacrificou estas áreas é outra
que não sobrevive ao confronto com os dados.
Todos
os números aqui apresentados estão disponíveis em sítios do governo, no caso o
Tesouro Nacional, devidamente planilhados de maneira amigável e com várias
notas explicativas. Não é preciso, portanto, um estudo trabalhoso para obtê-los
a partir de extensas bases de dados, nem interpretações complicadas acerca do
significado de cada linha de despesa, muito pelo contrário.
À
luz disso, pergunto: por que dados tão óbvios seguem ignorados no debate?
Preguiça
decerto desempenha um papel, mas o problema real é a existência de ideias
preconcebidas e a falta da cultura do contraditório. Concretamente, há quem se
oponha ao dispositivo desde sua concepção, quase sempre baseado na noção “gasto
é vida”, que norteou, como se sabe, a política
fiscal no governo Dilma com resultados para lá de conhecidos.
Fatos
pouco importam para quem conhece a verdade revelada.
2 comentários:
Alexandre, mas por que o gatilho do Teto não está entrando em funcionamento? Em 2017 ou 2018, se recordo bem, a despesa não poderia crescer nem tanto pelo teto, mas sim pela meta do primário. Na prática, como você colocou a despesa primária cresce acima da inflação e aparentemente os gatilhos de contenção dos gastos não estão tendo efeito. É isso mesmo? por que?
Alexandre, agora que percebi que a base de dados é do conjunto do setor público (federal, estados e municípios) e por isso os gastos crescem 2.8% pós-teto.
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