O BC anunciou que a Selic já está em
níveis compatíveis com o impacto da pandemia, cabendo no máximo nova redução
“residual”. Todavia, as projeções de inflação para 2021 permanecem abaixo da
meta; nesse caso, a recusa em ajustar a taxa de juros pode afastar a inflação
ainda mais da meta.
“Declare
vitória e bata em retirada” poderia ser o título da última ata do Copom. O BC
pode perder uma oportunidade como esta; eu jamais.
Naquele
documento “o Comitê considera que a magnitude do estímulo monetário já
implementado parece compatível com os impactos da pandemia” e “antevê que um
eventual ajuste futuro no grau de estímulo monetário será residual”.
Traduzindo,
a Selic de 2,25% ao ano parece apropriada e, se houver alguma redução
adicional, será modesta, provavelmente para 2,00% ao ano. Não por outro motivo,
aliás, a mediana das projeções dos analistas para a taxa básica de juros no fim
do ano se reduziu precisamente de 2,25% para 2,00% ao ano.
Ao
mesmo tempo, porém, as projeções do BC para a inflação em 2021 permanecem bem
abaixo da meta, conforme explicitado tanto pela Ata, quanto pelo Relatório
Trimestral de Inflação. No cenário a que o BC tem dado mais peso, já
presumindo a redução da Selic para 2,25%, enquanto o dólar é suposto fixo a R$
4,95, a inflação no ano que vem chegaria a 3,2%, mais de meio ponto percentual
inferior à meta de 3,75% determinada pelo Conselho Monetário Nacional.
Já
no cenário pressupondo que, além da taxa de câmbio, também a Selic se manteria
inalterada em 3,00% ao ano (o nível vigente antes da última redução), a
inflação em 2021 ficaria ainda mais baixa, 3,0%. De acordo, portanto, com o
próprio modelo do BC, uma redução de 0,75 ponto percentual (de 3,00% para
2,25%) da Selic implica inflação 0,2% mais elevada (de 3,0% para 3,2%) em 2021;
em outras palavras, 1 ponto percentual a menos na Selic, “puxa” a inflação 0,27
ponto percentual para cima num horizonte de 18 meses.
Uma
leitura “mecânica” deste coeficiente, usada aqui mais como ilustração do que
decisão de política, sugere, pois, que – para levar a inflação em 2021 para as
cercanias da meta – a Selic teria que ser reduzida em 2 pontos percentuais,
para 0,5% ao ano.
Não
acho que seja para isto tudo, pelo menos não agora. O BC, por exemplo,
reconhece fatores de risco inflacionário acima e abaixo de suas projeções, isto
é, elementos que não são passíveis de incorporação nos modelos estatísticos,
mas que devem ser levados em conta no que diz respeito à decisão de política
monetária. De fato, na Ata o BC nota que os fatores de risco para cima, ligados
ao desempenho das contas públicas, lhe parecem mais graves que aqueles para
baixo, associados à queda além da esperada da atividade econômica.
Vale
dizer, o risco – na visão do BC – de a inflação ficar acima de sua projeção e,
portanto, mais próxima à meta no ano que vem, seria maior que o risco de
inflação inferior à sua previsão no mesmo horizonte. Logo, segue o raciocínio,
não é possível se comprometer com uma queda expressiva da taxa de juros.
Até
aí, não tenho grandes discordâncias: minha avaliação de risco é mais simétrica
que o do BC, mas isso se deve a questões de julgamento que não são passíveis de
comparação a priori.
O
problema que vejo, contudo, não é esse e sim a questão do “juro efetivo mínimo”
a que o BC parece ter se aferrado. A última Ata inova em relação à anterior ao
detalhar o que o Comitê parece entender ser o tal limite mínimo, entendido como
“o nível a partir do qual reduções adicionais na taxa de juros poderiam ser
acompanhadas de instabilidade no preço de ativos [até aí igual à Ata anterior] e
potencialmente comprometer o desempenho de alguns mercados e setores
[grifo meu]”.
Como
discuti em coluna recente, isso refletiria a preocupação do BC com o impacto de
juros mais baixos sobre o dólar (conhecido no mundo das Atas como “preço de
ativos”) e assim sobre o balanço das empresas com dívidas em moeda estrangeira.
Concretamente, segundo esta visão, o dólar mais caro afetaria negativamente
tais empresas, que reduziriam emprego e investimento, afastando ainda mais a
inflação da meta.
Não
vou repetir os motivos pelos quais julgo que tal problema inexiste
(interessados podem checar aqui),
mas sim examinar o que pode ocorrer quando o BC não reage a desvios da inflação
projetada com relação à meta, em particular quando o desvio ocorre para baixo.
Sabe-se
há tempos, principalmente pelo trabalho de John Taylor, que um banco central
precisa reagir mais que proporcionalmente em termos de taxa de juros a desvios
da inflação com relação à meta se quiser estabilizá-la ao redor dela. Assim, se
a inflação prevista se desvia, por exemplo, um ponto percentual para cima, a
taxa de juros deve subir mais que um ponto percentual e vice-versa.
A
intuição é clara: no exemplo acima, a elevação da taxa de juros em mais de um
ponto percentual se traduz numa taxa real de juros (isto é, deduzida a inflação
esperada) mais alta, que desacelera a economia e reduz a inflação. No caso
oposto, a taxa real de juros cai, dando um incentivo adicional à atividade e,
portanto, à inflação.
Caso,
porém, o banco central não siga este princípio (conhecido exatamente como
“Princípio de Taylor”), o mecanismo acima descrito não funcionaria.
Em
particular, a manutenção da taxa nominal de juros no contexto de queda da
inflação projetada implica elevação da taxa real de juros,
que deprime ainda mais a atividade e leva à queda adicional da inflação. Assim,
ao invés de funcionar como um termostato, estabilizando a inflação, a política
monetária realimentaria o desvio da inflação para baixo, aumentando o problema
inicial.
Neste
sentido é no mínimo prematura a declaração do BC sobre a adequação da política
monetária aos impactos da Covid, bem como sua promessa de parar o processo de
redução da taxa de juros em 2,00% (ou 2,25%). A adoção de um “limite efetivo
mínimo” para a taxa de juros ainda em terreno positivo é uma ameaça à
estabilidade do processo inflacionário; no sentido oposto ao que normalmente
tememos, mas não uma ameaça menor por tal motivo.
O
BC pode até declarar vitória, mas não está na hora de bater em retirada.
(Publicado 1/Jul/2020)
4 comentários:
Hélio Schwartsman, da Folha: Tem algum parentesco com ele ?
Um dos problemas do consequêncialismo é achar que sua função utilidade vale para todos ou para a maioria . Um passo para o ditador arrogante. ArroW nele.
No meu twitter - leo 44189107 - comento mais sobre consequencialismo.
"Hélio Schwartsman, da Folha: Tem algum parentesco com ele ?"
Meu primo, filho do irmão do meu pai.
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