Na esteira do coronavoucher
novas propostas de elevação de gastos prosperam, acompanhadas de aumento da
carga tributária. A experiência brasileira, contudo, revela que impostos mais
altos apenas adiam o encontro com a verdade orçamentária. Não precisamos de
nenhum instrumento esotérico de previsão para chegar a esta conclusão.
O
aumento de impostos parece cada vez mais provável, mesmo sem o arremedo de
reforma tributária proposto pelo governo. Forja-se gradualmente a percepção que
a trajetória de crescimento da dívida pública relativamente ao PIB não pode ser
mais revertida sem que recorramos ao velho truque de arrancar recursos extras
da sociedade, ainda que a forma particular da derrama seja objeto de discussão.
De
acordo com o relatório Prisma Fiscal, relatório do Ministério da
Economia que sintetiza as previsões de economistas, a dívida bruta deve
alcançar pouco mais de 93% do PIB ao final deste ano e cerca de 94% do PIB no
ano que vem. Para fins de comparação, em janeiro o mesmo relatório apontava
para uma dívida equivalente a 78% do PIB tanto em 2020 quanto em 2021.
Todavia,
tanto a reação à crise sanitária – incluindo não só as despesas para combater a
Covid, mas também as transferências para mitigar o impacto da crise sobre a
renda familiar – quanto a perda de receita devida à recessão mudaram
radicalmente as perspectivas fiscais. O déficit primário do conjunto do setor
público deve superar 10% do PIB, o mais elevado da história, por conta
precisamente desses fenômenos.
Caso
se limitasse a 2020 poderíamos lidar com tal desequilíbrio, mas há indicações
crescentes que os resultados à frente, seja pela recuperação modesta da economia
(e, portanto, da arrecadação), seja pelos planos de ampliação da rede de
proteção social nos próximos anos além dos valores observados no passado.
Não
que gastássemos pouco nessa área. Em 2019, além de benefícios previdenciários
(R$ 638 bilhões a preços de maio de 2020, ou 8,6% do PIB), os programas sociais
(Bolsa-Família, o Benefício de Prestação Continuada, abono e seguro desemprego,
e outros) atingiram R$ 155 bilhões (2,1% do PIB). No conjunto da obra, falamos
de R$ 792 bilhões, ou 12,7% do PIB, representando mais da metade dos gastos
primários do governo federal.
Independentemente
disso, o consenso político que parece se formar no Congresso aponta para a
expansão dos gastos nesta área, na trilha do coronavoucher estabelecido esse
ano.
À
parte o problema de como lidar com isso no contexto do limite constitucional de
gastos (que será certamente contornado por mudança ou criatividade), seu
financiamento requereria elevação dos impostos. De fato, como notado
recentemente por Armínio Fraga, em excelente artigo,
o desequilíbrio fiscal (cedo ou tarde) acabará levando ao aumento da carga
tributária.
Não
preciso de nenhum instrumento esotérico para prever o futuro, muito embora possua
um tarô desenhado por minha própria filha. A bem da verdade, o aumento da carga
tem sido desde sempre o instrumento pelo qual o estado brasileiro “resolveu”
seus desequilíbrios.
Chamo
a atenção para a tabela abaixo, que apresenta o saldo primário do setor público
(União, estados, municípios e empresas estatais) nos últimos 30 anos. Como se
vê, após um período (1990-1994) de superávits relativamente parrudos (em média
3,4% do PIB), resultado direto do efeito da inflação elevadíssima sobre as
despesas governamentais, os anos imediatamente posteriores ao Plano Real foram
marcados pela transformação desse superávit em déficit de 0,2% do PIB, mesmo
com aumento da carga tributária, de 24,0% para 27,2% do PIB.
Saldo
primário e carga tributária - % PIB
|
1990-1994
|
1995-1998
|
1999-2013
|
2014-2019
|
(a) Saldo primário do setor público
|
3,4
|
-0,2
|
2,9
|
-1,5
|
(b) Carga tributária
|
24,0
|
27,2
|
32,9
|
33,5
|
(c) Diferença (b) - (a)
|
20,6
|
27,4
|
30,0
|
35,0
|
Fonte: Autor com dados do
BCB e Receita Federal
O
retorno aos superávits primários no período de 1999 a 2013 (2,9% do PIB em
média) resultaram, por vez, da elevação considerável da carga tributária para
32,9% do PIB. Ainda assim, embora a carga tributária tenha aumentado o
equivalente a 5,7% do PIB, o saldo primário cresceu apenas 3,1% do PIB (de -0,2
para 2,9).
De
2014 para cá, apesar do pequeno aumento da carga (0,6% do PIB), os déficits voltaram
a aparecer, registrando média de 1,5% do PIB mesmo sem considerarmos o
resultado de 2020.
Nossa
experiência sugere, portanto, que a elevação da carga tributária não soluciona
o problema fiscal. Dada a dinâmica de elevação persistente da despesa,
tipicamente seu componente obrigatório, torna-se questão de tempo para que os
impostos deixem de cobrir o gasto adicional. Por outro lado, seus efeitos
negativos sobre eficiência e crescimento se manifestam rapidamente.
Nesse
sentido, Armínio está coberto de razão ao notar que, na ausência de reformas de
Estado e Previdência, a equação não se resolve sem inflação bem mais alta. Podemos
até ganhar alguns anos, mas, sem atacar o cerne da questão, o futuro estará
comprometido.
As
cartas não mentem.
O que diz o meu tarô |
(Publicado 29/Jul/2020)
1 comentários:
Lewandovski ontem : porque penalizar o funcionalismo público por uma crise que não é dele? As instituições são carregadas por pessoas e essas por ideias. O cara evidencia o maior problema do país : um país construido por e para funcionários públicos (com a cultura ,as ideias,adequadas).
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