Não falta quem defenda o drible no teto dos gastos, ainda mais de olho na recompensa política, apesar do histórico nada remoto de irresponsabilidade fiscal. Fica mesmo claro que “de 15 em 15 anos, o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”.
Há
menos de 4 anos o Congresso aprovou a Emenda Constitucional 95, também
conhecida como “teto de gastos”, legislação que limitava o aumento das despesas
federais não-financeiras, com poucas ressalvas (notadamente o Fundeb), à
inflação nos 12 meses até junho do ano anterior.
De
1997 até aquele ano elas haviam registrado crescimento médio de 5,6% ao ano
acima de inflação, isto é, dobrando de valor a cada 12-13 anos. Não é preciso
nenhum grande exercício de imaginação para entender que tal dinâmica era
simplesmente insustentável, ainda mais dado o ritmo muito menor de expansão do
PIB entre 1997 e 2014 (ignorando, portanto, a Recessão Órfã de
2015-16), em torno de 3% ao ano, dobrando a cada 23-24 anos.
Obviamente
uma lei, mesmo inscrita na constituição, não tem o poder de alterar certas
dinâmicas econômicas, algumas inclusive oriundas do mesmo texto constitucional.
Assim, muito embora no conjunto da obra os gastos tenham de estabilizado em
termos reais desde então, houve mudança considerável em termos de sua
composição. As despesas obrigatórias, como benefícios previdenciários,
funcionalismo, o Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono e
seguro-desemprego, transferências a outros poderes, etc., continuaram a crescer
acima da inflação.
As
implacáveis leis da aritmética, essas sim irrevogáveis, implicam, portanto, que
o ajuste dos gastos se dê sobre as despesas ditas discricionárias, inclusive
investimento, reduzidos em pouco mais de 20% desde então, o equivalente a R$ 16
bilhões a preços de hoje.
Nenhum
desses desenvolvimentos era desconhecido à época. Pelo contrário, tanto
analistas quanto os formuladores da proposta deixaram claro que o teto teria
que ser complementado com medidas, também constitucionais, que alterassem o
ritmo de expansão das despesas obrigatórias. Não por outro motivo, ainda no
governo Temer foi encaminhada uma proposta de reforma previdenciária, mais
tarde substituída por outra, mais abrangente, apresentada pela atual
administração e trabalhada com afinco pelo Congresso.
Sabia-se
também que apenas a reforma da previdência, embora necessária, não era
suficiente para alterar a dinâmica do gasto obrigatório. Daí o clamor pela
reforma administrativa, bem como pela aprovação da PEC emergencial, que
permitiria alguma redução nas despesas com o funcionalismo em prazos menores. A
segunda foi enviada ao Congresso, mas sem qualquer articulação política digna
do nome; a primeira permanece envolta em brumas e mistério (mais quinta que
vem, sem falta, será devidamente divulgada).
Em
outras palavras, não há nada que sugira que a despesa obrigatória deixará de
crescer; pelo contrário, tudo indica que seguirá firme e forte, mesmo depois de
passada a epidemia.
A
ser mantido, assim, o teto de gastos, a data de encontro com a verdade, isto é,
com um nível de despesas discricionárias tão reduzido que inviabilize o
funcionamento do governo federal se torna cada vez mais próxima.
Há,
além disso, motivações de natureza político-partidária. Tendo experimentado as
delícias da aprovação política do coronavoucher, bem como do adiantamento
de seguro-desemprego (em conjunto transferências em torno de R$ 50 bilhões/mês)
o governo agora sonha com o Renda Brasil, cujo desenho, para variar
permanece também envolto em segredo, além de programas de investimentos
públicos, também por receio do que possíveis rivais em 2022 terão para
apresentar.
Não
faltam, portanto, vozes a favor de mudar o teto, permitindo que despesas
“meritórias” não entrem no seu cômputo.
Impossível
nesse contexto não lembrar da frase imortal de Ivan Lessa: “de 15 em 15 anos, o
Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos”.
Foi
exatamente assim que o prévio regime fiscal foi para o vinagre: foram excluídos
inicialmente do cômputo da meta de superávit primário os investimentos em...
saneamento, sem, é claro, qualquer impacto sobre a qualidade do serviço, depois
o PAC, depois as desonerações, depois a soma dos CPFs dos secretários do
Ministério da Fazenda, até que o número em si não tivesse qualquer aderência ao
que de fato acontecia com as contas públicas, na antecâmara das “pedaladas”.
Já
a opção por trabalhar duro para mudar o status quo segue solenemente
ignorada.
Não
é necessária clarividência para saber onde isso irá nos levar; apenas um pouco
de conhecimento da nossa história recente, mas 15 anos parecem, de fato, muito
tempo.
(Publicado 12/Ago/2020)
2 comentários:
Bom dia Xará !
Gostei do tom.
Show!
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