A valorização mais recente do dólar
reflete a incapacidade do governo para superar as crises sanitária e econômica
em função de sua manifesta preferência pelo conflito aberto e inútil com as
demais forças políticas. A piora do risco-país nas últimas semanas reflete
primordialmente a deterioração doméstica.
Hoje
quero voltar a um assunto
que explorei de raspão há pouco, a saber, os
determinantes do comportamento recente da moeda, em particular os responsáveis
pela forte depreciação observada desde o final do ano passado.
Para
quem não se lembra, apresentei o seguinte gráfico, decompondo a variação da
paridade real-dólar em quatro determinantes: (a) o risco-país, medido
pelo CDS de 5 anos (o prêmio para se proteger de um calote brasileiro nesse
horizonte temporal); (b) a força global do dólar, aferida pelo índice
DXY; (c) preços de commodities, capturados pelo índice CRB; e (d)
a diferença entra a taxa de juros no Brasil e nos EUA (no caso, a taxa
para um ano).
Fonte: Autor |
O
gráfico sugere que a principal força impulsionando o dólar contra o real até
agora no ano é a elevação do risco-país, que, de fato, se elevou de algo como
1% ao ano na média de fevereiro para perto de 2,5% ao ano em março e 3,1% ao
ano em abril. Este valor é consistente com uma probabilidade de calote ao redor de 5%, supondo que seja
possível receber 40 centavos para cada dólar de dívida soberana brasileira.
Boa
parte deste movimento, é bem verdade, reflete a fuga global de ativos mais
arriscados, cuja manifestação mais óbvia foi a elevação generalizada de prêmios
de risco. O termômetro usado no caso dos países emergentes em geral é o EMBI (Emerging
Markets Bond Index), calculado pelo JP Morgan, que subiu de 3,1% em fevereiro
para 5,5% em abril (médias mensais), captando precisamente a relutância dos
investidores internacionais em manter papéis de mercados emergentes em
carteira, a menos que compensados por rendimento mais elevado.
Até
cerca de um mês atrás era possível atribuir praticamente toda a elevação de
risco-Brasil (logo, a valorização do dólar) ao movimento global. A diferença
ente o EMBI brasileiro e o do conjunto de países emergentes (exceto o próprio
Brasil, bem como a Argentina) pouco se moveu do final de fevereiro ao final de
abril, conforme ilustrado pelo gráfico abaixo, oscilando ao redor de -0,9% ao
ano (ou seja, o Brasil percebido como um pouco melhor do que a média).
Fonte: Autor (com dados
do JP Morgan)
É
visível, todavia, a piora relativa do país no período mais recente: hoje o EMBI
Brasil é virtualmente idêntico à média dos emergentes, exceto Brasil e
Argentina. Dito de outra forma, de um mês para cá a elevação do risco-país se
deve principalmente a fatores nossos, não mais à redução do apetite global por
ativos arriscados.
Aqui
se inserem nossas incapacidades. Em primeiro lugar a questão sanitária, já que
o Brasil é agora percebido como o principal foco da pandemia, devidamente
condecorado com a proibição de desembarque nos EUA. Com tempo para se preparar
e conhecendo exemplos de programas relativamente bem-sucedidos para lidar com a
infecção, o país conseguiu perder todas as chances que teve para atacar o
problema, talvez ainda à espera dos 40
milhões de testes prometidos pelo ministro Paulo Guedes,
que devem se materializar apenas após a venda
de R$ 1 trilhão de imóveis do governo.
Da
mesma forma não ajudam os sinais da deterioração constante das contas públicas,
nem tanto pelo forte aumento dos gastos que deve ocorrer em 2020 em resposta
aos desafios da pandemia, mas sim por indicações de que não será possível
retomar sequer a trajetória de contenção gradual do déficit que vigorou de 2017
a 2019. Pelo contrário, a ação descoordenada do governo no Congresso indica que,
no melhor dos casos, precisaremos de 3 a 5 anos a mais para colocar a casa em
ordem do que orginalmente esperado, e isso se chegarmos a tanto.
Por
fim, mas certamente não menos importante, o aprofundamento e a perenização da
crise política também contribuem para a piora da percepção de risco. O governo,
quando não se autocanibaliza, compra brigas absolutamente gratuitas com os
demais poderes, com governadores, com a imprensa e com outros países, sem
esgotar, obviamente, a lista de conflitos.
As
chances, portanto, de lidar a contento, seja com a crise sanitária, seja com a
crise econômica, se reduzem a cada dia, não apenas pelo atrito com as forças
políticas, mas principalmente porque o foco da administração não está na
solução dos nossos problemas.
Se
restava alguma dúvida a este respeito, a transcrição da inacreditável reunião
de 22/abril deve tê-la eliminado. Em meio à epidemia e à queda sem precedentes da
atividade econômica e do emprego, o presidente da República preocupa-se com
suas “hemorroidas”, o ministro da Educação clama pela prisão de dos ministros
do STF e o da Economia gaba-se de ter lido A Teoria Geral três
vezes no original em inglês antes de partir para o doutorado.
Podemos,
portanto, botar na conta do governo federal a pernada mais recente do dólar.
Sem um adulto sequer na sala, o clima de 5ª série não permitirá a superação da
crise.
(Publicado 28/Mai/2020)
4 comentários:
Quando nos governos Sarney, Collor e FHC, o dollar tinha variação diária, eles eram governos bons e competentes?
Está difícil deixar de ser otário. A imprensa e as redes sociais estão reduzindo tudo à ¨culpa de Trump e Bolsonaro¨. Os colunistas estrelados estão sendo engulidos no mesmo tiroteio: Pastore(últimas colunas), Arida (ministério da Produtividade), Armínio(distribuir renda); outros, pura abobrinhas,Malan,FHC,Hartung, Lisboa; sem falar no Lara.Samuel agora vem com o bolsa Friedman/Suplicy. Os instintos socialistas e utópicos dos nosso liberais estão emergindo com a crise.
O que queria expressar acima está dito por Zeina e Solange na última coluna delas ; não tenho o mesmo temperamento nem a competência.
Alexandre, boa tarde!
Vejo que com essa crise além de devastadora, não vejo modelos de análise adequados. Nem Gripe Espanhola, nem Plano Marshall, nem a crise de 2008 nada... nada serve como parâmetro.
Precisaríamos "construir" ferramentas novas para entender o que está acontecendo. E mais: As projeções de queda no PIB me parecem até modestas. Claro que setores da Economia irão se recuperar bem, como o Agronegócio ou aqueles ligados às Telecomunicações, mas no geral: tragédia.
Tenho algumas perguntas práticas:
. Se a demanda por títulos públicos zerar a saída do governo - desesperada, claro - seria a emissão de papel moeda?;
. Há limite - ao menos teórico - para tal emissão de moeda em papel? (claro, que a princípio, estou "desprezando" a inflação);
. Há o risco de compulsão por RETENÇÃO DE DINHEIRO (consumismo REVERSO)?;
. o CENÁRIO FINAL mais pessimista seria uma FUGA DE CAPITAL ( para onde?), e a indústria se desmontando, falências e calotes generalizados, CRISE FINANCEIRA e retorno do ESCAMBO?
. Seremos um pais ( ainda mais ) miserável, com ilhas de ricos oportunistas?
Para ser otimista:
Com tudo isso, os brasileiros saberão se reinventar economicamente?
O Empreendorismo e Manufaturas “Open Source” podem nos trazer surpresas agradáveis?
Obrigado,
Não estou alcoolizado. (rs...)
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