A inflação futura segue em queda,
requerendo afrouxamento monetário adicional, afinal reconhecido pelo BC na
semana passada. Nosso modelo sugere que o efeito do juro doméstico sobre o
dólar é modesto, sua valorização resultado do maior risco-país. Haveria espaço
para novos cortes da Selic, mas o BC parece temeroso a este respeito.
Se
a decisão do Copom, corte de 0,75% da taxa Selic, foi surpreendente, sua
comunicação foi provavelmente mais. Havia, de fato, certa discussão acerca do
tamanho do corte, entre 0,50% e 0,75% (desta vez estava do lado certo!), mas
não se esperava que, além do movimento em si, o BC fosse se comprometer com
mais uma redução no mês que vem, o que gerou ruído adicional entre os
analistas.
A
origem do debate se encontra, acredito, na comunicação que se seguiu à decisão
anterior (corte de 0,50% em março; eu esperava 0,75%!). Muito embora a redução
estivesse dentro dos resultados possíveis, a linguagem do BC havia sido
bastante conservadora.
Em
primeiro lugar, o comitê deixou claro que via “como adequada a manutenção da
taxa Selic em seu novo patamar”. Adicionalmente, enfatizou que, dados os riscos
que corria o processo reformista, “relaxamentos monetários adicionais podem
tornar-se contraproducentes se resultarem em aperto nas condições financeiras”,
ou, em português, que a redução da taxa de juros de curto prazo, a Selic,
poderia implicar elevação das taxas de juros mais longas, com efeitos negativos
sobre a demanda e, portanto, a recuperação da economia (ok, ainda não chegamos
exatamente ao português, mas espero ter deixado o argumento um pouco mais
claro).
De
qualquer forma, a imagem que emergiu em março era de um BC que não parecia
suficientemente assustado com o impacto da pandemia sobre a economia, optando
não apenas por corte mais modesto da taxa básica, mas também se mostrando
conservador quanto aos passos futuros. Não é por outro motivo que muita gente
se surpreendeu com o movimento mais agressivo na reunião da semana passada.
Note-se,
inclusive, que dois dos membros do Copom preferiam que o BC usasse sua munição
agora, posição que – se não convenceu a maioria do comitê – parece ter
desempenhado papel importante na sinalização sobre novos cortes em junho.
A
verdade é que as expectativas quanto à inflação vêm em queda, não só as de
analistas que contribuem para a pesquisa semanal do BC (o Focus),
mas, crucialmente, as próprias projeções do Copom. A mediana dos consultados
aponta para inflação abaixo de 2% em 2020 (1,76% segundo o Focus mais recente,
1,97% quando o Copom tomou a decisão), contra meta de 4%, enquanto para 2021
aponta 3,25%, também inferior à meta (3,75%).
As
projeções do BC são um pouco mais altas (2,3-2,4% em 2020; 3,2-3,4% em 2021),
mas, em ambos os casos, abaixo da meta, inclusive em cenários que já
contemplavam redução da Selic para 2,75%
ao ano em junho e sua manutenção neste patamar até o início do ano que vem.
Ressalte-se, aliás, que as projeções para 2021 embutem elevação de 40% no preço
do petróleo, que pode, ou não, se materializar.
A
primeira constatação, pois, é que, face a esses números, caberia mesmo ao BC promover
redução mais intensa da taxa Selic.
Há,
também é importante reconhecer, preocupação por parte dos analistas com a
trajetória do dólar. Em março, para balizar suas projeções, o BC partiu de R$
4,75/US$ (a cotação média da semana anterior à reunião); em maio, pelo mesmo
critério, trabalhou com o dólar a R$ 5,55, 17% mais caro.
Mesmo
assim, reforço, houve queda das projeções de inflação, apesar do possível
repasse para preços domésticos do impacto do dólar em produtos importáveis e
exportáveis, seja porque o repasse esperado seria menor que o habitual, seja
porque os demais preços, notadamente serviços, se desaceleraram ainda mais.
Os
números de curto prazo da inflação, não necessariamente os mais adequados para
entender esses fenômenos (embora os únicos disponíveis), sugerem que ambos os
processos podem estar em curso. Tanto a inflação de bens comercializáveis
externamente quanto a inflação de serviços se reduziram nos últimos meses, em
linha com a inflação “cheia”, bem como seus “núcleos” (medidas menos sujeitas a
influências pontuais e temporárias), o que certamente colabora em algum grau
para a postura mais agressiva do BC.
Isso
dito, há o receio que a redução da taxa de juros possa levar à valorização
adicional do dólar. De fato, segundo a Ata do Copom, o próprio BC parece temer
este efeito. Aqui divirjo: apesar de indicações que, de fato, uma redução da
diferença entre o juro local e o juro americano aja neste sentido, os
movimentos da moeda parecem depender bem mais de outras forças.
Fonte: Autor com dados
do BC, Bloomberg, FRED e CRB
|
Como
sugerido pelo gráfico acima, construído com base em um modelo simples, o
principal determinante do comportamento recente da moeda parece ser o
risco-país, medido pelo CDS de 5 anos (o custo do seguro contra um calote
nacional), que saltou de cerca de 1% ao ano no começo de 2020 para mais de 3%
ao ano em março e abril.
Além
disso, houve também valorização global do dólar, conforme captada pelo índice
que mede a força da moeda americana relativamente a seus congêneres (euro,
iene, libra, etc.), da ordem de 6-7% desde o início do ano, com repercussões
sobre o preço do dólar face ao real.
Por
fim, os preços de commodities (medidos pelo índice CRB) caíram quase 13%
de janeiro para abril, na esteira da recessão global, fenômeno que também. Já a
diferença de juros (para o horizonte de um ano) aumentou, dado que o juro
americano despencou no período.
Assim,
de acordo com nosso modelo (com todas suas imperfeições) o comportamento da
moeda reagiu mais às forças não controladas pelo BC do que ao diferencial de
juros. Obviamente a redução agora do diferencial pode ter algum impacto, mas,
ao que tudo indica, modesto perto do resultante dos demais fatores.
Assim,
se o repasse do dólar aos preços domésticos aparenta ser menor que no passado e
se o efeito do juro interno sobre o dólar também parece ser relativamente
pequeno, seu peso sobre a decisão de taxa de juros tende a ser bem menor que no
passado.
Todavia,
o BC não parece disposto a reduzir a Selic abaixo de 2,25%, o nível a ser
atingido caso se repita em junho o mesmo corte agora verificado, aparentemente
por receio que a redução além desse nível gere instabilidade financeira e cambial.
Tal postura pode gerar um problema, caso a projeção de inflação para 2021 siga
em queda, visto que o norte para a política monetária sob o atual regime é a
inflação, não a taxa de câmbio. Caso tente servir a dois senhores, acabará não
servindo a nenhum.
A
incerteza acerca do comportamento da inflação deveria ser suficiente para
impedir o BC de fazer promessas que não pode cumprir.
(Publicado 13/Mai/2020)
0 comentários:
Postar um comentário