O desapontamento quanto à aceleração do
crescimento no final do ano passado não parece resultar do baixo potencial de
expansão do país. Pelo contrário, o comportamento da inflação indica elevado
grau de ociosidade, que deve permitir aumento mais forte da atividade em 2020
em resposta à queda da taxa de juros. Para horizontes mais longos isso não será
suficiente.
Os
números de atividade relativos a dezembro desapontaram, com a notável exceção
do comportamento do emprego (e do desemprego), que seguiu sua trajetória de
recuperação, inclusive mostrando pequeno avanço do emprego formal. Ainda assim,
com base nesses dados, projeto expansão do PIB próxima a 0,5% sobre o terceiro
trimestre, já ajustada à sazonalidade, um pouco aquém do observado no período
anterior, 0,6% (desde que não haja revisões).
Se
estiver correto, 2019 registrará crescimento de 1,1%, um tanto mais fraco que
os dados (revisados) de 2017 e 2018, ambos na casa de 1,3%. Por outro lado,
implicaria “carregamento estatístico” ao redor de 0,9% para 2020, o maior dos
últimos anos (0,4% em 2018 e 0,3% em 2019), o que facilita atingirmos um ritmo
mais vigoroso este ano.
Ainda
assim, o cheiro de desapontamento permanece. Não foi o suficiente para alterar
minha projeção para 2020 (2,3%, agora um pouco acima da mediana dos analistas,
2,2%), mas é inegável que a segurança quanto à previsão se reduziu.
Há
uma visão que interpreta a fraqueza da atividade como resultado do baixo
potencial de crescimento do país, na linha de “é o que temos para hoje”. A
expansão da produtividade é minúscula, senão nula, investimentos no período
2010-14 foram direcionado a atividades com reduzido impacto para o crescimento potencial
(estádios de futebol, “renascimento” da indústria naval, compra de caminhões em
excesso ao seu uso, empresas de “amigos do rei”, etc.), enquanto a
infraestrutura se deteriorou, sem esquecer que
os resultados da educação no país mostram repetidos 7x1 por anos a fio.
À
luz destas considerações, não há mesmo como ser otimista acerca de crescimento
sustentável e acelerado. Apesar disto, insisto que o baixo desempenho até agora
não decorre deste problema, por mais real que seja.
Já
tive aqui a oportunidade de expor minhas estimativas de crescimento potencial,
notando que o ritmo de expansão desde 2016 (pouco acima de 1% ao ano, conforme
mencionado) produziu modesta, porém visível, queda do desemprego sazonalmente
ajustado, de 13% no primeiro trimestre de 2017 para 11,8% no trimestre final de
2019 (mesmo com aumento da proporção da população engajada no mercado de
trabalho, fenômeno que atua na direção oposta).
De
forma mais limitada, no caso a indústria de transformação, observamos
desenvolvimento semelhante: apesar de o crescimento do setor alcançar apenas
1,6% ao ano desde outubro de 2016, o nível de ocupação da capacidade instalada
aumentou de forma modesta no período, de 76,6% para 77,9%, segundo dados da CNI.
Isso também sugere que mesmo a expansão pífia de 2016 para cá supera o
potencial do setor.
Se
o baixo crescimento potencial parece ser uma realidade, qual o motivo da minha
relutância em aceitar que o também baixo crescimento observado seja decorrência
disso?
Simples:
porque, seja no caso da indústria de transformação, seja no caso do mercado de
trabalho, há também fortes indicações de elevado nível de ociosidade. Já havia
mencionado em outra coluna minha estimativa sobre a “taxa natural de
desemprego” (ou NAIRU, a taxa de desemprego que não acelera a inflação) na casa
de 9-9,5%, bastante inferior aos 11,8% registrados no último trimestre de 2018.
No que se refere à indústria de transformação, procedimento semelhante aponta
para o “nível natural de ocupação de capacidade” ao redor de 80,5%, também
distante do observado no final de 2019.
Obviamente,
minhas estimativas podem estar erradas. Uma das conjecturas reveladas na versão
mais recente da Ata do Copom se refere precisamente à possibilidade das transformações
recentes da economia se traduzirem em níveis de ociosidade bem menores do que o
sugerido por dados que não conseguem ainda capturar tais mudanças.
Ocorre,
porém, que há outras formas de aferir este fato. O comportamento da inflação,
em particular das medidas de inflação livres de fenômenos acidentais e
pontuais, como foi o caso dos preços de carnes em dezembro do ano passado,
tende a refletir precisamente o grau de ociosidade da economia quando as expectativas
de inflação se encontram próximas à meta. Em particular, sob tal condição,
elevados níveis de ociosidade convivem com inflação bem abaixo da meta.
Isso
posto, desde meados de 2018 a inflação subjacente tem oscilado ao redor de 3,2%
ao ano, indicando a existência de ociosidade considerável.
Sob
essas condições, o crescimento não é limitado pelo nosso (baixo) potencial: é
possível crescer a um ritmo mais rápido por algum tempo, pela
incorporação de trabalhadores desempregados, capacidade instalada ociosa, armazéns
vazios e espaço comercial subocupado.
Não é possível, claro, se expandir indefinidamente acima do potencial,
pois cedo ou tarde a ociosidade desaparecerá e as pressões inflacionárias
ressurgirão. Nesse sentido preciso, portanto, a expansão além do potencial não
é sustentável, mas, insisto, nada proíbe que cresçamos temporariamente (2 ou 3
anos?) a um ritmo mais vigoroso.
A
taxa de juros de um ano, deflacionada pela inflação esperada, caiu de patamares
próximos a 2,5% ao ano no primeiro e segundo trimestres de 2019 para 1,7% ao
ano no terceiro trimestre e 0,9% ao ano no quarto trimestre, tendo permanecido
relativamente estável até agora em 2020.
É
bem verdade que seus efeitos não são imediatos: os modelos estatísticos sugerem
uma defasagem de dois trimestres pelo menos para que o impacto da taxa de juros
se materialize sobre a demanda interna. Se for esse o caso, boa parte da queda
do juro real não se manifestou nos números do final de ano, mas deve fazê-lo no
começo de 2020.
A
política monetária pode, portanto, ajudar nas atuais circunstâncias, ou seja,
elevada ociosidade e inflação bem abaixo da meta. Ainda assim, falamos de impulso
temporário; a aceleração do crescimento sustentável requer reformas que elevem
a produtividade, previnam o direcionamento do investimento a setores menos
eficientes por força de distorções muitas vezes criadas pelo próprio governo,
elevem a competição e melhorem a educação, para ficar em poucos tópicos.
Mal
começamos a nos mexer nessa frente e as indecisões quanto à pauta reformista se
tornam mais cara a cada dia. Tem alguém ouvindo?
*
* *
A
fala do ministro Paulo Guedes sobre empregadas domésticas viajando para a Disney
foi lamentável. Em ordem crescente de impropriedade: (a) não é verdadeira (uma
pena: seria ótimo se tivesse ocorrido); (b) politicamente ajudou a consolidar a
versão (falsa) sobre a abordagem liberal ser anti-pobre; (c) é de uma grosseria
ímpar; e, finalmente, (d) revela preconceito arraigado. Já passou (e muito) o
tempo de o ministro entender que não está num palco entretendo os conversos.
(Publicado 19/Fev/2020)