O
paladino do Centrão, deputado Paulinho da Força, afirmou buscar apoio entre os
demais membros do ilustre grupo para “desidratar” o projeto de reforma de
Previdência, argumentando que a economia decorrente ajudaria o presidente Jair
Bolsonaro a se reeleger em 2022. À parte a discussão do seu objetivo, os meios
que o nobre deputado pensa utilizar são absolutamente desastrosos.
A
começar porque, apesar do número associado à reforma – na casa de R$ 1 trilhão
–soar alto nos ouvidos de qualquer um, seu impacto sobre a capacidade de gasto
do governo, em particular os que possam servir de carro-chefe em eventual
campanha para reeleição, é muito menor do que o valor prenuncia.
Atendendo
a pedidos, a equipe econômica divulgou quadro mais detalhado do impacto
esperado da reforma sobre os gastos previdenciários, não apenas por tipo, mas
também por ano (https://tinyurl.com/y2cps4ax).
Estes dados podem ser então usados para traçar um cenário da evolução das
contas públicas alternativo ao apresentado na Lei de Diretrizes Orçamentárias, conforme
tabela abaixo.
Despesas projetadas
pela LDO 2019
2020
|
2021
|
2022
|
||||
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
|
Despesa primária total
|
1.476,0
|
18,7
|
1.518,5
|
17,9
|
1.578,8
|
17,4
|
Benefícios previdenciários
|
679,5
|
8,6
|
733,0
|
8,7
|
788,9
|
8,7
|
Pessoal e encargos sociais
|
338,1
|
4,3
|
350,4
|
4,1
|
363,3
|
4,0
|
Outras despesas obrigatórias
|
204,9
|
2,6
|
190,9
|
2,3
|
199,9
|
2,2
|
Despesas sujeitas à programação financeira
|
253,5
|
3,2
|
244,2
|
2,9
|
226,7
|
2,5
|
Obrigatórias com controle de fluxo
|
139,5
|
1,8
|
139,5
|
1,6
|
139,5
|
1,5
|
Emendas impositivas
|
14,2
|
0,2
|
14,7
|
0,2
|
15,3
|
0,2
|
Discricionárias
|
99,8
|
1,3
|
90,0
|
1,1
|
71,9
|
0,8
|
Há
alguns pontos a se destacar. Notem que, por construção, respeita-se a norma
constitucional impondo que o gasto total só cresça de acordo com a inflação, ou
seja, mantendo seu valor real constante. Todavia, como o PIB cresce mais do que
a inflação (ou assim esperamos), a despesa total, medida como proporção do PIB,
cai a cada ano: de 18,7% do PIB previsto para o ano que vem para 17,4% do PIB
em 2022.
Apesar
disto, a despesa associada a benefícios previdenciários, a maior do orçamento,
segue crescendo relativamente ao PIB.
Assim,
para manter o gasto total em linha com o requerimento constitucional, as demais
despesas têm que cair. Todavia, o governo federal controla fração pequena do
que gasta: não pode reduzir as despesas com pessoal e encargos e enfrenta
dificuldades com as demais despesas obrigatórias, bem como com emendas
impositivas, que, como sugere o nome, não estão sujeitas a cortes.
Restam,
portanto, as despesas ditas “discricionárias” (que incluem todo investimento
federal), cujo valor cairia de R$ 99,8 bilhões em 2020 (1,3% do PIB ou 7% da
despesa total) para R$ 71,9 bilhões em 2022 (0,8% do PIB, ou 5% da despesa
total. No ano passado, destaque-se, tais despesas montavam a R$ 116,7 bilhões
(1,7% do PIB, ou 9% do total).
A
LDO, portanto, só projeta a despesa total em linha com o “teto de gastos”
porque impõe redução draconiana da despesa discricionária, possivelmente inviabilizando
o funcionamento do governo em 2021, ou, com sorte, 2022.
Considere
agora a próxima tabela, detalhando os efeitos do projeto da reforma da
previdência sobre as despesas federais de 2020 a 2022. O impacto total
atingiria, em caso de aprovação integral da reforma, de R$ 15,6 bilhões (0,2%
do PIB) no ano que vem, até R$ 68,2 bilhões (0,8% do PIB) em 2022.
Impacto da reforma
previdenciária
2020
|
2021
|
2022
|
||||
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
|
Redução de benefícios previdenciários
|
6,3
|
0,1
|
21,9
|
0,3
|
33,5
|
0,4
|
Redução de pessoal e encargos
|
10,0
|
0,1
|
14,0
|
0,2
|
17,4
|
0,2
|
Redução de BPC/LOAS
|
-0,7
|
0,0
|
-0,2
|
0,0
|
0,4
|
0,0
|
Redução de abono salarial
|
0,0
|
0,0
|
8,3
|
0,1
|
16,9
|
0,2
|
Redução total de gastos primários
|
15,6
|
0,2
|
44,0
|
0,5
|
68,2
|
0,8
|
Como
ficaria então a evolução de cada despesa federal, supondo que a trajetória de dispêndio
total permanecesse inalterada com relação à LDO e que, portanto, todas as
economias do projeto pudessem ser destinadas às despesas discricionárias? A
tabela seguinte ilustra esta possibilidade, revelando modesta redução dos
benefícios previdenciários neste período, de 8,5% para 8,3% do PIB, bem como no
que se aplica a pessoal e encargos e às demais despesas obrigatórias.
Despesas projetadas
pela LDO 2019 ajustadas à reforma da previdência
2020
|
2021
|
2022
|
||||
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
R$ bilhões
|
% PIB
|
|
Despesa primária total
|
1.476,0
|
18,7
|
1.518,5
|
17,9
|
1.578,8
|
17,4
|
Benefícios previdenciários
|
673,2
|
8,5
|
711,1
|
8,4
|
755,4
|
8,3
|
Pessoal e encargos sociais
|
328,1
|
4,2
|
336,4
|
4,0
|
345,9
|
3,8
|
Outras despesas obrigatórias
|
205,6
|
2,6
|
182,8
|
2,2
|
182,6
|
2,0
|
Despesas sujeitas à programação financeira
|
269,1
|
3,4
|
288,2
|
3,4
|
294,9
|
3,2
|
Obrigatórias com controle de fluxo
|
139,5
|
1,8
|
139,5
|
1,6
|
139,5
|
1,5
|
Emendas impositivas
|
14,2
|
0,2
|
14,7
|
0,2
|
15,3
|
0,2
|
Discricionárias
|
115,4
|
1,5
|
134,0
|
1,6
|
140,1
|
1,5
|
Sob
tal suposição, as despesas discricionárias permaneceriam ao redor de 1,5% do
PIB (em torno de 8-9% da despesa total) em todo horizonte até a próxima
eleição, levemente abaixo dos valores registrados em 2018.
Vale
dizer, a aprovação total da reforma manteria o aperto do governo
virtualmente nos mesmos níveis observados no ano passado. Paulinho da Força
poderia dormir tranquilo, porque a reforma não “encheria” os cofres do governo,
nem permitiria enormes gastos com programas e projetos que assegurassem a
reeleição do presidente; apenas impediria o colapso do governo federal em 2022,
ou a necessidade de revogar o teto de gastos até lá.
Obviamente,
se o objetivo for provocar o colapso do governo, “desidratar” em muito a
proposta de reforma seria, aí sim, um método bastante eficiente, de resto
gerando efeitos colaterais severos para todos os que precisam de serviços e do
investimento públicos. Mas quem se importa?
(Publicado 8/Mai/2019)
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