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terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A defesa dos urubus


Tragédias têm sido usadas para fins pessoais e políticos desde sempre, mas isto não justifica tolerar esta prática particularmente abjeta. A presidente do PT, em breve ex-senadora, Gleisi Hoffman, que não perde oportunidade de perder oportunidade de ficar calada, não se fez de rogada. Em sua conta no Twitter se aproveitou do desastre de Brumadinho para afirmar que “cedo ou tarde a privatização cobra seu preço da população”. É uma declaração canalha em várias dimensões.

A começar porque não há qualquer nexo de causa e efeito entre a natureza da empresa (privada ou estatal) e o comportamento que leva a catástrofes como a de Brumadinho. Para quem não se recorda, o pior desastre nuclear de que se tem notícia, em Chernobyl, foi de responsabilidade de uma empresa estatal, então sob um regime socialista, como era a Ucrânia em 1986, uma das repúblicas da extinta URSS.

Se quisermos ficar por aqui, porém, em 2010, por exemplo, comandada por Sergio Gabrielli, a Petrobras registrou 57 vazamentos de petróleo, equivalentes a 4,2 milhões de barris. Não faltam casos de empresas estatais (em vários governos, de orientações políticas distintas) e privadas que causaram sérios danos ambientais, quando não mortes. Neste contexto, como se pode concluir, não faz a menor diferença quem quer que seja o acionista controlador da companhia. Assim, atribuir o desastre à privatização, ocorrida há mais de 20 anos, não apenas soa como oportunismo barato, como é mesmo oportunismo barato.

Isto dito, seu partido, nos longos 13 anos em que permaneceu no poder, poderia reverter as tão malignas privatizações, mas não o fez, se bem que, no caso da Vale não podemos deixar de lado, como a esquecida futura ex-senadora, que o governo Dilma interveio na empresa, forçando a demissão de seu então presidente, Roger Agnelli em 2011.

Adicionando à trama, a responsabilidade pelo ocorrido não se limita à Vale. A empresa opera sob regulação e fiscalização de várias instâncias governamentais. No caso da barragem da Mina do Córrego do Feijão, a Deliberação Normativa 217, emitida pelo governo de Minas Gerais, então chefiado por Fernando Pimentel, permitiu a redução das etapas de licenciamento ambiental no estado. Há pouco mais de um mês, diga-se, a Câmara de Atividades Minerárias, órgão do governo do estado, rebaixou o risco da barragem.

Mentiria se dissesse ter condições de opinar sobre os aspectos técnicos, tanto da Deliberação Normativa, quanto da decisão da Câmara de Atividades Minerárias, mas, independentemente disto, deve ficar claro também que o governo de Minas Gerais também é responsável pela tragédia. Apesar disto, a imêmore futura ex-senadora convenientemente se esquece de mencionar o fato, talvez porque seu partido controlasse o estado à época.

Ao final, não falta culpa no cartório, mas, como argumentado, a tentativa de atribuir a tragédia à privatização reflete, além de óbvia ignorância, interesses políticos escusos. Em parte, para tentar impedir que lama de Brumadinho respingue no já enlameado partido, ocupação em tempo quase integral de seus dirigentes.

Mais relevante, talvez, é o interesse pela manutenção do atual estado das coisas. Políticos de vários matizes, ideológicos inclusive, se opõem à privatização por uma razão muito simples: enquanto houver carniça, os urubus terão o que comer.

Nada menos confessável, nem, infelizmente, mais verdadeiro.


Sobra Narizinho; falta Emília


(Publicado 30/Jan/2019)

3 comentários:

No blog do Ibre tem um debate sobre a taxa neutra de juros.Greenpan dizia que saberemos quando chegarmos lá mas aqui com nossas instabilidades de várias fontes esse "lá" está sempre escapando não acha?

"No blog do Ibre tem um debate sobre a taxa neutra de juros.Greenpan dizia que saberemos quando chegarmos lá mas aqui com nossas instabilidades de várias fontes esse "lá" está sempre escapando não acha?"

Sim, a instabilidade torna tudo bem mais complicado

Desde cedo vejo comentários de autoridades frente a casos de desastres com uma pontada de descrédito. Mas o que fico abasbacado é a falta de responsabilização nos desastres, não no sentido jurídico, mas um simples mea culpa, incêndio em museu, queda de edifício em chamas, queda de barragem, novamente queda de barragem, só pra ficar no que está fresco na memória, e não me recordo de ninguém vir a público pedir desculpa. Parece brincadeira, ocorrem desgraças e fica por isso, tento imaginar que fora do Brasil isso seja lugar comum também.