Em entrevista recente ao Pravda,
perdão Valor Econômico, Armínio Fraga argumenta que a situação econômica
atual é ainda pior do que a enfrentada há 16 anos, durante a eleição de 2002. Concordo
plenamente, porém, noto que, se isto for mesmo verdade, há o que explicar do
ponto de vista dos preços no mercado financeiro.
É fato que o dólar anda
na casa de R$ 4,15-4,20, pouco acima do observado lá atrás, mas, ajustando o
valor à diferença entre a inflação brasileira e a americana, o dólar na média
de outubro de 2002 seria equivalente a algo perto de R$ 6,50, bem mais caro do
que agora. Da mesma forma, o risco-país (o tanto a mais de juros que o Brasil
precisa pagar comparado aos EUA) anda alto, na casa de 3,0-3,5% ao ano; em 2002, todavia,
chegava a impensáveis 24% ao ano. Por fim, também ajustada à inflação, a bolsa
hoje vale praticamente três vezes mais do que no pior momento daquela crise.
Em suma, pela ótica
fria dos preços de mercado a coisa não parece tão feia quanto Armínio e eu
(entre tantos) acreditamos.
Houve, é bom dizer,
melhora em algumas fragilidades importantes. Quase metade de tudo o que governo
devia à época (algo como R$ 1,3 trilhões de R$ 3 trilhões a preços de hoje) era
denominado em moeda estrangeira, principalmente dólares.
Assim, qualquer
balançada no dólar, não muito diferente da que observamos recentemente, tinha
efeitos negativos que realimentavam o problema: com o dólar mais caro a dívida
crescia, o que aumentava a percepção acerca da nossa incapacidade para manter
os pagamentos em dia, levando à fuga adicional de capitais e nova pressão sobre
o dólar. Hoje, em contraste, o governo tem mais dólares do que deve, ou seja,
ganha quando o dólar sobe, quebrando o círculo vicioso anterior.
Algo parecido se passa
com o setor privado: graças aos investimentos externos, o encarecimento do
dólar não gera receio de que a dívida externa das empresas brasileiras em seu
conjunto se torne impagável (ao contrário do que ocorre com, por exemplo, a
Turquia).
Como os mecanismos de
realimentação da crise via dólar e dívida não mais estão presentes, o dólar não
explode, nem o risco-país, e o balanço mais saudável das empresas transparece
num mercado acionário mais forte do que àquela época.
Apesar disso as contas
públicas pioraram muito. Em 2002 o setor público apresentava superávit
primário ao redor de R$ 130 bilhões (a preços de hoje); prevê-se agora déficit
de R$ 159 bilhões este ano e R$ 139 bilhões no próximo. O gasto federal,
corrigido pela inflação, era então pouco superior a R$ 600 bilhões; hoje supera
R$ 1,3 trilhão, dos quais o governo controla efetivamente menos do que 10%.
Já a dívida pública
(usando a definição existente em 2002) equivalia a 65% do PIB e vinha em
trajetória decrescente; hoje ultrapassa 85% do PIB e cresce desde o final de
2013.
Naquele momento,
portanto, bastou que o novo governo mantivesse a política econômica do anterior
para que as coisas se acalmassem.
Hoje, porém, a tarefa é
bem mais difícil: não se trata de manter o que existe, mas reformá-lo
profundamente contra a ação de grupos de interesse que não aceitam serem
privados de suas meias-entradas.
O mundo político,
contudo, não se mostrou à altura da tarefa. Se persistirmos no erro, é até
possível que os preços no mercado financeiro não voltem aos patamares de 2002,
mas não tenham dúvidas que teremos muita saudade dos preços de 2018.
(Publicado 19/Set/2018)