Num livro extraordinário, How to Read the Bible, James L. Kugel nota que originalmente o Bom Livro era para ser entendido de maneira literal como a palavra divina. Nada, nenhuma expressão, sequer uma letra do texto sagrado, seria desprovido de significado elaborado pela inteligência onisciente. Mesmo que meros mortais não pudessem compreender, o significado lá se encontraria e caberia aos intérpretes buscá-lo.
Não é esta a visão que
predomina hoje entre os estudiosos do assunto, mas, de certa forma, é a
perspectiva que domina os analistas que têm que, por dever de ofício, entender
e explicar a comunicação de bancos centrais, os entes mais próximos à divindade
que encontramos na profissão.
Isso dito, no
comunicado que se seguiu à divulgação do corte de 1% na taxa de juros, os
diretores do BC mencionaram a palavra “incerteza” nada menos do que 5 vezes num
total de 529 palavras, contra apenas 2 vezes (em 591 palavras) no texto
publicado em abril. Afora isso, enquanto “incerteza” então era associada ao
cenário externo, na comunicação atual a palavra está sempre ligada a desenvolvimentos
domésticos, seja a evolução do processo reformista, seja o seu impacto sobre o
comportamento da inflação.
Em tal contexto não
chega a ser surpreendente que o BC, ao final do documento, praticamente se
comprometa com uma redução mais moderada da taxa de juros em sua próxima
reunião (ao final de julho), entregando o resultado que caberia a nós,
analistas, concluir. Sobrou-nos, assim, tentar explicar os motivos da decisão
divina, bem como suas consequências para os pobres mortais.
As decisões do Copom
são guiadas, como já afirmei aqui, pela evolução da inflação. Como, porém,
alterações da política monetária tipicamente demoram alguns trimestres para se
materializar sobre a inflação, o BC tem que mirar na inflação futura, que, obviamente,
não é conhecida, mas pode ser projetada com base em modelos estatísticos.
Algumas variáveis podem
ser plenamente incorporadas a tais modelos; outras, em particular as de cunho
político, não encontram expressão quantitativa tão clara, e são tratadas como
risco às projeções do BC. É muito distinta a confiança atribuída a projeções
feitas, por exemplo, num país politicamente estável, em que trocas de governo
são rotina e não implicam alterações radicais nos rumos da política econômica, comparada
àquelas realizadas em países em que tais guinadas são mais prováveis.
Isto é agravado no
Brasil pelo forte desequilíbrio fiscal, que só pode ser corrigido no contexto
da aplicação do teto constitucional para o gasto público, sujeito, como já
escrevi, à aprovação da reforma previdenciária, sem a qual o teto se tornará
inviável no espaço de alguns anos.
Não é por acaso, pois,
que a inflação começou a cair mais fortemente a partir do momento em que as
medidas de ajuste fiscal começaram a tomar forma no Congresso e é justamente
este processo que se vê ameaçado pela atual crise política, motivando a reação
cautelosa do BC.
A consequência é óbvia:
sem reformas o risco de o desequilíbrio fiscal ter que ser “resolvido” pela
inflação aumenta, levando à piora das expectativas e elevação da inflação,
limitando, assim, a queda da taxa de juros.
Sem reformas o retorno
ao crescimento fica cada vez mais distante.
Às vezes fica difícil |
(Publicado 7/jun/2017)
5 comentários:
Muito interessante Alexandre, mas lamento informar que a despeito da incerteza, as expectativas de inflacao diminuiram. O mercado entende que a resultante desse movimento todo é desinflacionaria e o BCB fez errado em se comprometer 45 dias antes com a reducao de juros. Bjo, Aline
Me admira a atuação de Paulo Rabello no BNDES,reconhecendo a importancia do banco para o setor produtivo.
Fazendo várias coisas ao mesmo tempo excluí sem querer comentários. Quem lembrar, por favor, poste de novo...
Ano que vem temos eleições, lá vão os gastos públicos...
Alexandre
Alguns jornais dizem que a proxima reuniao do Copom reduzira a meta de inflacao
E' recomendavel que se reduza a meta de inflacao num ambiente em que o ajustamento fiscal esteja ameacado?
Justifique sua resposta :)
Postar um comentário