Hoje
é assunto é um pouco mais específico do que de costume, mas com implicações sérias
para a dívida pública, que, se não forem bem tratadas, podem se tornar uma gigantesca
“pedalada” fiscal.
No
Brasil a dívida é medida de uma forma distinta de outros países. Nestes o
conjunto de todos os títulos emitidos pelo Tesouro é considerado como obrigação
do governo e, portanto, dívida. Já no Brasil os títulos emitidos pelo Tesouro,
mas em posse do Banco Central, são excluídos do cálculo.
Justifica-se
a jabuticaba por ser o BC parte do governo: tudo se passaria como se uma
empresa devesse a uma subsidiária; quando as contas são consolidadas, isto é,
quando se olha o conjunto Tesouro-BC, o que a empresa mãe (o Tesouro) deve para
a subsidiária (o BC) é passivo de uma e ativo da outra, cancelando-se
mutuamente.
Não
se trata de pouco dinheiro. Em janeiro a carteira de títulos públicos do BC equivalia
a R$ 1,266 trilhão, ou 21,3% do PIB.
Estes
títulos não estão no BC por acaso. São, na verdade, o principal mecanismo de
operação da política monetária. O BC determina uma meta para a Selic em cada
reunião do Copom e usa os títulos para garantir que a taxa praticada no mercado
fique perto dela. Caso haja dinheiro sobrando e taxa caia abaixo da meta, o BC
vende títulos com compromisso de recomprá-los em determinada data, eliminando a
sobra e elevando a taxa de juros; caso contrário, compra títulos (injeta
dinheiro), com compromisso de revendê-los.
Exatamente
por este motivo tais operações são conhecidas como “compromissadas” e em
janeiro atingiram a marca de R$ 1,027 trilhão (17,2% do PIB). Dado que estes
títulos deixaram a carteira do BC – e, portanto, pertencem ao mercado – são contabilizadas
como parte da dívida pública.
Há,
porém, uma proposta em gestação para mudar esta sistemática. Ao invés de o BC
usar títulos para “enxugar” o excesso de dinheiro no mercado, ele passaria a
receber depósitos remunerados à taxa Selic. Num caso limite, poderia trocar
todo estoque de compromissadas por depósitos.
Assim,
ao invés de bancos deterem títulos que pagam a taxa Selic, deteriam depósitos remunerados
à mesma taxa (trocariam seis por meia dúzia). Do ponto de vista do BC a
vantagem seria não mais precisar de títulos do Tesouro para operar a política
monetária.
Até
aí, nada demais. O problema, porém, é como contabilizar estes depósitos. Pela
proposta em discussão eles não seriam considerados obrigações do governo, o que
faria sumir mais de R$ 1 trilhão da dívida pública num passe de mágica. Isto
está profundamente errado.
Se
o argumento para definir que os títulos de posse do BC devem ser excluídos da
dívida porque o BC faz parte do governo estiver correto, então as obrigações do
BC para com os bancos (os depósitos) deveriam, pelo mesmo motivo, ser tomadas
como parte das obrigações do governo como um todo, isto é, da dívida pública,
inclusive porque pagam juros. Trata-se de simples lógica.
Há
apenas duas opções: ou o BC faz parte do governo e suas obrigações são
incluídas na dívida, ou não faz parte e os títulos na sua carteira são
incorporados à dívida. A alternativa à lógica é permitir que R$ 1 trilhão se
dissolva no ar em mais uma pedalada, e, com ela, qualquer resquício de
seriedade nas contas públicas brasileiras.
Novo secretário do Tesouro |
(Publicado 23/Mar/2016)