Segundo dados do BC, as
perdas associadas às vendas de dólares no mercado futuro (swaps) atingiram quase R$ 110 bilhões nos 12 meses terminados em
agosto e devem subir ainda mais quando os números de setembro forem
contabilizados. Como as perdas são adicionadas à conta de juros (assim como
ganhos seriam dela subtraídos), esta atingiu 8,5% do PIB no período; não
fossem, portanto, os swaps, ela teria
ficado em 6,5% do PIB.
O BC argumenta, porém,
que há uma assimetria: as perdas com os swaps
são contabilizadas, mas não os ganhos com as reservas. Como estas últimas se
encontram ao redor de US$ 370 bilhões contra pouco mais de US$ 100 bilhões em swaps, os ganhos com reservas superam
por larga margem as perdas e, no balanço final, haveria lucro, não prejuízo.
Do ponto de vista
contábil o BC pode até estar certo, mas não se encararmos a operação como se
deve, isto é, da perspectiva econômica, focada na avaliação da política de
intervenção do BC de 2013 para cá.
O que foi à época
justificado como medida para moderar a volatilidade causada pelos sinais de uma
possível alteração na política monetária americana sobreviveu em muito àquele
fenômeno. De meados de 2013 ao início de 2015 o BC vendeu US$ 114 bilhões no
mercado futuro, numa tentativa clara (e frustrada) de impedir a depreciação do
real face ao dólar, e assim tentar conter a inflação, como instrumento
substituto para a política monetária.
Tivesse, portanto, o BC
se abstido da intervenção (ou fizesse realmente uma política pontual, para
moderar de fato a volatilidade), ele continuaria obtendo ganhos sobre as
reservas (mesmo que não sejam diretamente contabilizados), mas não teria
realizado o prejuízo com os swaps.
A análise da política
adotada em 2013, venda sem limites de dólares futuros, sugere que esta causou a
perda acima registrada. Ao BC caberia argumentar que talvez tenha evitado
perdas em outras frentes econômicas (é duvidoso, porém, ao menos,
intelectualmente plausível), mas jamais apontar para o ganho sobre as reservas
como desculpa. Isto equivale a vender um terço de uma fazenda antes do preço
dela subir e argumentar que o ganho dos dois terços restantes compensaria a
perda...
Não se trata de uma
discussão à-toa. A desvalorização recente do real tem motivado novos pedidos de
intervenção por parte do BC, usando agora as reservas internacionais, e não
mais apenas por meio dos swaps.
Ocorre que o
encarecimento do dólar não se dá no vácuo. Entre o final de agosto, pouco antes
da divulgação desastrada do orçamento deficitário para 2016, e o final de
setembro o risco-país (o tanto a mais de juros que o devedor de má reputação
tem que pagar relativamente ao melhor devedor) se encontrava na casa de 3% ao
ano. De lá para cá subiu para 5% ao ano, níveis que havíamos visto pela última
vez no terceiro trimestre de 2004 (à parte um breve período durante a crise
internacional de 2008).
Este, dentre os vários
fatores que têm impulsionado a escalada do dólar, parece ser atualmente o
principal, fenômeno reconhecido inclusive pelo
BC.
Neste contexto, a
intervenção do BC será incapaz de evitar, exceto por breve período, a perda de
valor da moeda, gerando novos prejuízos à frente. Parece que a lição de
2013-2014 ainda não foi aprendida.
Vendo mais; tem problema não... |
(Publicado 7/Out/2015)
13 comentários:
Ótimo que um economista com a sua competência e experiência, inclusive como Diretor do BC, esclareça o assunto. Quase criminosa a atuação do BC no período, tem cara, cheiro e tudo o mais de demagogia pré-eleitoral. O Mantega já desabafou: quando adverti sobre os gastos sem autorização orçamentária a resposta foi, você quer que eu perca a reeleição? Pediu para sair alegando a doença da esposa, exigiram que ficasse até após as eleições. Hoje não pode ir a um restaurante nem viajar de avião de carreira.
Fala Alex,
Queria comentar sua coluna de hoje na Folha, sobre dominancia fiscal.
Acho que voce explica muito didaticamente o tema, que muitos tem dificuldade. Parabens.
Mas meu ponto é outro. Sabemos o quao dificil é argumentar que, de fato, estamos sob esse quadro. Em particular, porque um dos canais da dominancia fiscal para a inflacao é via cambio.
O cambio desvalorizou bem recentemente, mas nosso pass-trough é baixo nas atuais circunstancias. Sera que isso, aliado, a deterioracao das expectativas, é suficiente para fazer a inflacao subir, a despeito de estarmos com o produto bem abaixo do potencial?
Sinceramente, nao sei se temos condicoes objetivas para a inflacao subir.
Abs
Carla
Alex, mais uma vez, parabens pela clareza.
Algumas dúvidas rápidas:
1. Vc tem estimativas de quanto estaria o câmbio caso nao existisse a política de swaps?
2. Vc nao acha que, dados (i) os custos fiscais e (ii) o aparente nivel de reservas excessivos (dados por indicadores como o do FMI), deveriamos entao liquidar os swaps com a venda de reservas?
3. Dúvida técnica: no swap, o BC fica exposto somente à variação cambial ou há outra taxa aí?
Obrigado, Gil
Guru Paleoliberal,
Sobre outro tema. Se o governo pedalou usando recursos de seus bancos controlados, pq o Bacen não está processando-os? Pq ninguem fala disso?
Grato,
RM, Gafanhoto Paleoliberal
Enxugar gelo ao estilo Tombini: dólar sobe -> vende swap -> perde R$ com swap -> aumenta déficit -> piora risco país -> dólar sobe. Rinse and repeat.
Tem coisa que é tão estúpida que é até difícil de acreditar.
Só tem pergunta difícil, valeu gente!
Condições meio precárias para responder agora (teclando no iPad), mas volto a elas ainda hoje.
Abs
"1. Vc tem estimativas de quanto estaria o câmbio caso nao existisse a política de swaps?
2. Vc nao acha que, dados (i) os custos fiscais e (ii) o aparente nivel de reservas excessivos (dados por indicadores como o do FMI), deveriamos entao liquidar os swaps com a venda de reservas?
3. Dúvida técnica: no swap, o BC fica exposto somente à variação cambial ou há outra taxa aí?"
1.Não. Ainda não consegui dar uma expressão quantitativa a isto. Tenho uma crença (mais crença do que algo muito fundamentado empiricamente) que a intervenção tem efeitos de prazo curto. Se for verdade (bi if), está mais ou menos onde deveria estar, mas...
2. Não. O custo dos swaps já está aí e não vai ser alterado pela troca com reservas (apenas contabilmente). Há ainda a questão do nível ótimo de reservas, mas eu vejo com muitas reservas (no pun intended) este tipo de cálculo. Desconfio que uma redução de US$ 100 bi nos deixaria em situação manis vulberável numa frente onde (ainda) não há vulnerabilidade
3. No swap o BC paga câmbio e recebe CDI.
Abs
"Se o governo pedalou usando recursos de seus bancos controlados, pq o Bacen não está processando-os? Pq ninguem fala disso?"
Eu também me pergunto...
"O cambio desvalorizou bem recentemente, mas nosso pass-trough é baixo nas atuais circunstancias. Sera que isso, aliado, a deterioracao das expectativas, é suficiente para fazer a inflacao subir, a despeito de estarmos com o produto bem abaixo do potencial?
Sinceramente, nao sei se temos condicoes objetivas para a inflacao subir."
Bom ponto, mas a questão não se a inflação sobe e sim se ela cai. Preços administrados à parte, a inflação roda a 7,5% hoje. Expectativas par ao ano que vem já estão na casa de 6% (ie, inflação de preços livres) e deve ficar acima disto, talvez perto de 6,5%. Há canais além de câmbio que estão operando e me parece que o canal das expectativas está a mil (veja a evolução da expectativa de inflação de preços livres de agosto para cá).
Alex,
Caso se utilizasse o excesso teórico de reservas para redução da dívida pública, não seria obtido, como efeito secundário, o mesmo efeito cambial que se tenta obter com os swaps, além da redução dos juros a pagar?
Me parece razoavelmente insensato possuir elevado capital investido a taxas nominais próximas a zero no exterior enquanto faz-se captação a Selic...
"Caso se utilizasse o excesso teórico de reservas para redução da dívida pública, não seria obtido, como efeito secundário, o mesmo efeito cambial que se tenta obter com os swaps, além da redução dos juros a pagar?
Me parece razoavelmente insensato possuir elevado capital investido a taxas nominais próximas a zero no exterior enquanto faz-se captação a Selic..."
na verdade, tanto faz.
Hoje temos US$ 370 bilhões de reservas, ganhando zero de juros á fora, ao custo de esterilização de Selic aqui dentro, enquanto os US$ 110 bilhões de swaps rendem Selic (ok, CDI, mas a diferença não é grande), ou seja, tudo se passa como se tivéssemos US$ 260 bilhões de reservas recebendo zero e pagando Selic.
Se vendêssemos as reservas e liquidássemos os swaps ficaríamos com os mesmos US$ 260 bilhões, custando Selic.
A diferença, que pode ou não ser relevante, é que os US$ 370 bi que temos são verdinhos, enquanto os OS$ 110 bilhões que devemos verde-amarelos. Os primeiros servem para pagar coisas lá fora; os demais não.
Alex
Por que Levy não chuta o balde?
Sobre sua participação no Jornal da Cultura, ontem.
Não é correto afirmar que o acirramento da crise econômica (crise fiscal) se alimenta da falta de consenso no mundo político (círculo viciosos).
O problema político hoje está bem localizado no executivo federal, que não busca alternativas reais para a resolução da crise econômica. Ao executivo federal somente interessa propor e efetivar $consenços$ para salvar o governo Dilma (o qual é ideologicamente confundido com o verdadeiro destino da nação. Vide os artigos da Leda Paulani no debate entre ela e você na FSP) e garantir a continuidade de alguns indivíduos e grupos no poder. E só.
A Revista Época publicou um conjunto de entrevistas com alguns dos principais operadores do Plano Real.
Chama atenção que o consenso obtido para a implementação do plano não se fez com base numa utópica concertação de corte kantiano entre todos os indivíduos e grupos do mundo político. O consenso sobre o que fazer para derrotar a hiperinflação, e que havia previamente entre os operadores do Plano, foi IMPOSTO a duras penas ao governo Itamar. O consenso foi obtido porque os operadores do Estado responsáveis pelo Plano ameaçaram, sempre que preciso, “chutar o balde”.
Este episódio relatado pelo Ricupero exemplifica bem o quero dizer (as entrevistas do Gustavo Franco e do Bacha também são reveladoras disso).
Link para as entrevistas dos operadores do Plano Real na Revista Época
http://20anosdoreal.epocanegocios.globo.com/index.html#entrevistas
Trechos da entrevista do Ricupero:
“Eu sabia que naquele momento era tudo ou nada”
“No final, eu ganhava porque quando a coisa ficava muito difícil eu falava que não ia ter nem plano e nem equipe.”
Qual era a sua maior dificuldade como ministro da Fazenda?
Até o final, o Itamar não acreditava que seria possível conter a inflação sem o congelamento dos preços. Eu tentava convencê-lo, mas ele dizia que não acreditava. Ele tinha na cabeça a ideia do Plano Cruzado, ele tinha a ideia das fiscais do Sarney. Quando faltavam poucas horas para o anúncio da moeda, houve um episódio terrível. Na véspera do plano, que era o dia que tinha que fazer a medida provisória, eu fiquei esperando para ser chamado ao palácio pelo Itamar. De repente, ele me ligou do aeroporto e disse que estava indo embora. E no final, ele disse que mandaria o Ministro da Justiça, Alexandre de Paula Dupeyrat Martins, entregar uns papéis na minha sala, mas que não era nada demais. Eu achei que alguma coisa ia acontecer. E de fato "o Dupeyrat entrou na minha sala como se ele fosse um inspetor geral que viesse passar um sabão nas crianças malcriadas que não se comportaram". Ele chegou dizendo que o presidente não tinha entendido como nós havíamos proposto essas medidas que favoreciam os bancos e que eles queriam uma explicação nas próximas horas. Ele começou a impor várias coisas que mudariam a medida provisória. No começo, nós só estávamos conversando. Quando eu vi o rumo que a história estava tomando, eu peguei o telefone na frente dele e pedi para falar com a Ruth Hargreaves, que controlava a agenda do presidente, e falei. ‘Olha, eu preciso ver o presidente urgentemente nas próximas duas horas. Se ele não me chamar, alguma coisa de muito grave vai acontecer’. Todo mundo ouviu. Quando eu desliguei o telefone, o ministro levantou e disse: ’vejo que eu não sou bem vindo aqui’ e eu disse. ‘Olha, ministro, você será sempre bem vindo quando vier me trazer ponderações da sua pasta, questões jurídicas, constitucionais. Você viu que eu liguei querendo falar com o presidente? Eu vou perguntar a ele quem é o ministro da Fazenda, se é o senhor ou se sou eu. Se ele me disser que é o senhor, eu entrego o cargo’. Esse foi o momento mais dramático de todos. Eu estava disposto a entregar o cargo. Sabe lá o que teria acontecido. Eu sabia que naquele momento era tudo ou nada.
Boa tarde Alexandre!
Voce concorda com o P. Krugman: ".....as agencias de classificacao nao sabem nada sobre o Brasil. .... e que o Brasil nao esta como andam dizendo"
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