quinta-feira, 26 de março de 2015
quarta-feira, 25 de março de 2015
A ata como ela é
Cerca de uma semana após
o Comitê de Política Monetária (Copom) definir a taxa básica de juros é
divulgada a Ata da sua reunião. Trata-se de documento escrito em idioma
remotamente aparentado do português, em que os membros do Copom apresentam os argumentos
que justificam sua opção.
Vejam, por exemplo, o
seguinte trecho: “O Comitê considera ainda que, desde sua última reunião, entre
outros fatores, a intensificação [dos] ajustes de preços relativos na economia
tornou o balanço de riscos para a inflação menos favorável para este ano”.
Na língua de Camões
diríamos que o dólar mais caro e o aumento dos preços administrados, que haviam
sido represados até o ano passado, somaram-se aos desequilíbrios que já
existiam e devem fazer com que a inflação em 2015 fique ainda mais alta do que
o BC imaginava anteriormente.
Se neste trecho, porém,
é possível depreender o que se passa na cabeça dos diretores do BC, em outros a
linguagem obscura serve apenas para mascarar a falta do que dizer, ou, ainda
pior, a relutância em admitir com todas as letras a magnitude da enrascada em que
o Copom se meteu.
Não por outro motivo
recebi sugestão mais que interessante de Isaías Coelho: como seria a ata de uma
autoridade monetária transparente e cidadã?
É um exercício difícil,
até porque – é bom confessar – já estive do lado de lá (faz tempo!) e sei das
dificuldades de ser muito claro acerca de coisas de que não se tem assim tanta
certeza. Isto dito, meu público hoje é outro e bem que vale a tentativa.
Assim sendo, a ata
transparente e cidadã soaria da seguinte forma.
“A inflação está bem
mais alta do que projetávamos no final do ano passado. Esperávamos que ficasse
acima do teto permitido pelo regime de metas, 6,5%, mas, para não pegar muito
mal, cozinhamos a projeção para ficar em 6,1%.
Agora não há mais como
sustentar este número. Com o que já ocorreu, mais o que virá em março, a
inflação do primeiro trimestre deve ficar na casa de 3,8% (prevíamos 2,2%). Só
isto já basta para mandar nossas previsões de inflação em 2015 acima de 7,5% e,
vamos ser sinceros, algo entre 8% e 8,5% parece bastante provável.
Fora isto, perdemos o
controle das expectativas. Ninguém mais acredita que será possível entregar a
inflação na meta em 2016, apesar das nossas promessas e, para falar a verdade,
talvez por conta delas, pois temos prometido inflação na meta ‘no ano que vem’ pelo
menos desde 2011, sem conseguir cumprir, é claro.
Comemoramos que as
expectativas para 2016 tenham caído um pouco, mas ainda estão em 5,6%, bem
acima dos 4,5%, de modo que teremos que subir ainda mais a Selic, não só nesta reunião,
mas também na próxima.
Nossa vontade, porém, é
parar de subir juros. O país já cresce pouco e mesmo o desemprego, que ainda
está baixo, dá sinais que vai voltar a se elevar este ano. Apesar disto, os
salários ainda crescem muito acima da produtividade e, sem dar conta deste
problema, não iremos nunca fazer com que a inflação convirja para a meta. Isto
é, teremos que conviver com desemprego mais alto para reduzir a inflação, mas
há restrições políticas a isto.
Torcemos para que o
Joaquim consiga, ao menos em parte, o que o Guido prometeu e jamais entregou:
uma melhora das contas públicas que tire um pouco do peso da tarefa de
controlar a inflação das nossas costas. Como a torcida é grande, queremos parar
de subir a Selic mesmo antes de saber se o Joaquim cumprirá a promessa.
O dólar pode atrapalhar
também, mas vamos fingir que não.
Assim, se tudo ocorrer
da melhor maneira possível, a inflação cai em 2016. Não deve chegar nem perto
de 4,5%, mas, se for menor que 6,5%, está bom demais. Assim, pretendemos parar
em abril. Se não der em abril, então em junho.
No final do ano, vamos
ver como as coisas andam. Caso fique mesmo com cara de inflação abaixo de 6,5%
em 2016, voltaremos a cortar juros; se não, o bicho pega. Igual a todos os
outros anos”.
(Publicado 18/Mar/2015)
quinta-feira, 19 de março de 2015
quarta-feira, 18 de março de 2015
Os outros
“E este dólar, hein?”
Não há como escapar
desta pergunta. É natural: nas últimas semanas a moeda americana andou quase R$
0,40, um desempenho que não víamos desde o fim de 2008, ainda no olho do
furacão da crise internacional. Também é a primeira vez desde 2004 que o dólar
ultrapassa a marca de R$ 3,00, trazendo lembranças amargas de tempos de crise.
É bom que se diga,
porém, que, ao menos em parte, a força do dólar aqui dentro é o reflexo da sua pujança
lá fora. Há cerca de um ano era necessário US$ 1,40 para comprar 1 euro; agora
o euro já sai bem mais em conta para os norte-americanos, um pouco menos de US$
1,10.
Obviamente, quando o
dólar se fortalece contra todas as moedas, graças aos sinais cada vez mais
claros de recuperação dos EUA (cadê a crise, presidente?) e, portanto, da
proximidade da elevação da taxa de juros por lá, ele também ganha terreno na
comparação com o real.
Da mesma forma preços
de commodities têm caído (o petróleo,
por exemplo) e estão 15-20% mais baixos que os observados há um ano, fenômeno
que também contribuiu para enfraquecer o real, tendo em vista o peso das commodities na nossa pauta de
exportação.
Isto dito, embora seja
importante destacar os fenômenos internacionais no enfraquecimento do real face
ao dólar, a verdade é que estão longe de explicar todo o movimento observado no
período mais recente. A perda de valor da nossa moeda reflete também em larga
medida os problemas vividos pelo país, cuja aceleração tem sido notável.
Do lado fiscal o
governo conseguiu não apenas destruir o superávit primário, mas registrou o
maior déficit fiscal desde 1998, trazendo a dívida pública para mais de 63% do
PIB.
O resultado disto é que
nosso prêmio de risco – o tanto a mais de juros que pagamos relativamente a um
título norte-americano do mesmo prazo – dobrou, de 1,25% ao ano para 2,5% ao
ano. Caiu, portanto, o apetite por ativos brasileiros (e o “Petrolão” contribui
bastante para isto), o que ajudou a desvalorizar o real.
Além disto, registramos déficit superior a 4% do PIB nas transações
com o exterior, o maior desde 2001. Sim,
a queda dos preços das commodities desempenhou
papel importante no processo, mas é precisamente por isto que o enfraquecimento
do real, natural sob tais circunstâncias, teria servido para atenuar esta
piora.
No entanto, o BC vem
desde meados de 2013 intervindo com mão pesada no mercado de câmbio. Justifica-se
tal política como forma de “reduzir a volatilidade”, mas não há quem não saiba
que foi adotada com outro fim: segurar a inflação, visto que o BC sempre relutou
em usar a taxa de juros para isto, por convicção, ou submissão, tanto faz.
O resultado desta
aventura foi retardar a correção do valor da moeda, que já era requerida pelo
menos desde o final de 2013. A estranha combinação de baixíssimo crescimento em
2014 com o maior déficit externo em 13 anos sugere que o real esteve mais valorizado
do que deveria ao longo do ano passado, por conta e culpa da intervenção do BC.
Face, porém, às forças
globais e à deterioração local, ficar na frente do dólar é uma tolice. Não
apenas porque se tratam de processos a que naturalmente seria muito custoso
resistir, mas principalmente porque o encarecimento do dólar é parte da
solução; não do problema.
O problema, do ponto de
vista doméstico, está na fraqueza da economia, na incapacidade de recuperar as
contas públicas e na crise política que se abre na esteira do Petrolão. Sem que
isto seja solucionado, o dólar há de permanecer caro.
Lutar para segurar o
dólar nestas circunstâncias irá apenas adicionar às perdas bilionárias já
incorridas. Ao BC cabe deixar a moeda flutuar e tomar conta da inflação; à
Fazenda melhorar o desempenho fiscal. Trata-se,
em outras palavras, de remontar o tripé macroeconômico, cujo desmonte foi
crucial para nos trazer à crise de hoje. Culpar os outros não vai ajudar.
(Publicado 11/Mar/2015)
quinta-feira, 12 de março de 2015
Discurso formatura FEA (11/março/2015)
Boa noite a todos,
formandos, pais, e professores.
Quero, em primeiro
lugar, agradecer o convite honroso para, mais uma vez, voltar à minha antiga
casa. É sempre um prazer reencontrar pessoas e instituições que foram
fundamentais para moldar nossa vida e dar um norte aos nossos caminhos e eu,
ex-aluno, de graduação e mestrado, não posso esquecer o quanto a FEA foi
importante para mim, seja do ponto de vista profissional, seja do ponto de
vista pessoal.
Houve tempo que meu
objetivo de vida era permanecer nesta casa, mas trilhei caminhos que me levaram
a outros destinos, sem jamais, porém, perder o carinho ao lar.
Não é sobre isto,
contudo, que pretendo falar esta noite.
Vivemos, como se sabe,
tempos difíceis e, se cabe ainda à minha geração tentar solucionar os problemas
que hoje enfrentamos, à nova geração – aqui representada pelas formandas e
formandos – caberá um papel crescente para encaminhar o país a um futuro
melhor.
Não é uma tarefa fácil.
Se fosse, certamente estaríamos em situação mais confortável. Fomos capazes de
resolver alguns dos problemas que atormentaram o Brasil durante décadas, mas
certamente não (ainda – e aqui destaco ainda)
de recolocar o país na rota do crescimento equilibrado e vigoroso. Às vezes foi
vigoroso, outras (menos) foi equilibrado, mas raramente conseguimos esta
combinação preciosa.
O que me dói é que
estivemos, talvez, perto de consegui-lo. Há não muito tempo, menos de 10 anos,
chegamos a ter uma economia que crescia, se não a taxas exuberantes, pelo menos
em ritmo mais que confortável, absorvendo não só o crescimento da população,
mas também gerando oportunidades para aqueles que permaneciam à margem do
mercado de trabalho. O desemprego, portanto, caiu de forma segura,
desempenhando papel central inclusive na melhora da distribuição de renda,
ainda maior que as transferências de renda operadas pelo governo.
Ao mesmo tempo havia
indicações de estabilidade. A inflação, flagelo de outras eras, fora posta sob
controle; as contas externas, origens de tantas crises, não representavam
ameaça; as contas públicas, por fim, se não se mostravam inteiramente
equilibradas e ainda dependiam muito de uma carga tributária
extraordinariamente elevada, eram consistentes com uma trajetória de redução
persistente do endividamento do setor público.
Isto certamente não
implica concluir que todos nossos problemas já tivessem sido endereçados. Pelo
contrário, como digo há tempos, o Brasil é um país condenado à reforma e havia
– como ainda há – questões a serem tratadas, que iam da complexidade do sistema
tributário nacional ao crescimento ainda insuficiente da produtividade, da
baixa exposição da economia à competição ao desempenho medíocre dos nossos
alunos nos testes internacionais.
Não, problemas não
faltavam e, desconfio, nunca faltarão, mas, ao menos, havíamos atingido um
estágio em que finalmente, superados os principais desafios à estabilidade,
poderíamos nos dedicar a tratar de forma mais profunda questões de natureza
mais “estrutural”, que, se bem encaminhadas, nos permitiriam crescer mais rapidamente
de forma sustentada, com maior justiça.
Esta oportunidade,
porém, foi desperdiçada.
Como sempre ocorre, não
foi uma única medida que tirou a economia brasileira dos trilhos, mas um
conjunto delas, ao longo de vários anos, erodindo lenta, porém, continuamente
as conquistas anteriores.
Ainda assim, se tivesse
que escolher um momento divisor de águas, seria uma reunião ocorrida há pouco
menos de 10 anos. Nela discutiu-se a possibilidade de aprofundar os rumos do
ajuste fiscal brasileiro por meio de um programa de longo prazo que, de forma
muito resumida, propunha manter o crescimento das despesas correntes abaixo do
ritmo de expansão do PIB, com o objetivo de reduzir o gasto corrente como
proporção do produto e assim abrir espaço para aumento do investimento público,
principalmente em infraestrutura, ou reduzir a carga tributária, ou reduzir
mais rapidamente a dívida pública (ou ainda uma combinação destas três
alternativas).
Esta proposta foi morta
no nascedouro pela então ministra-chefe da Casa Civil que a classificou de
“rudimentar”, não sem antes acrescentar que “despesa corrente é vida”. Como
notei certa vez, se tivéssemos seguido esta “proposta rudimentar”, o gasto
federal teria caído para cerca de 14% do PIB no ano passado; ao invés disto
atingiu 20% do PIB, uma diferença de 6% do PIB, ou seja, algo como R$ 300
bilhões de reais por ano!
Não parece ser outro o
motivo de termos o governo mais “gastão” da história recente do Brasil.
Grave, porém, como foi
tal despropósito, tratou-se apenas do primeiro passo no sentido de desmontar um
regime de política econômica que havia se provado particularmente bem-sucedido
nos termos que expressei acima: crescimento sólido, inflação controlada, contas
públicas e externas em ordem.
Aos poucos cada um
destes elementos foi descartado e, pior, ao invés de nos aprofundarmos no
sentido de tornar o país mais competitivo (e, portanto, mais produtivo),
voltamos muitos passos atrás.
Assim, ainda que a
economia brasileira permaneça mais aberta do que foi num passado remoto, houve
medidas que a tornaram mais protegida da concorrência externa, de leis de
conteúdo nacional (como no caso da indústria de petróleo, reproduzindo
tentativas fracassadas, como a Lei de Informática dos anos 80) a velhas
práticas de proteção tarifária.
Foram escolhidos –
sabe-se lá por qual critério – “campeões nacionais”, que receberam enormes
somas de dinheiro público que, de fato, não é dinheiro público, mas de todos
nós, contribuintes, sem a transparência que se espera no trato deste tipo de
recursos. O financiamento do Tesouro Nacional ao BNDES, o agente na escolha dos
“campeões”, atingiu cerca de R$ 490 bilhões, equivalente a nada menos do que 9,5%
do PIB.
Houve controle de
preços, impedindo que os mecanismos de mercado funcionassem a contento, levando
por conseqüência a graves distorções em setores-chave da economia, como o
energético e o sucroalcooleiro.
Este retrocesso
marcante nas relações entre o setor público e o privado implicou forte desaceleração
do ritmo de produtividade, que caiu de algo próximo a 2% ao ano na segunda
metade da década passada para menos de 1% ao ano no período mais recente.
As dificuldades que
hoje enfrentamos – crescimento baixo, inflação elevada, déficits externos consideráveis,
dívida pública crescente – são resultados diretos da inflexão de política
econômica que – em retrospecto – parece ter começado já em 2005, ainda que
tenha sido acelerada, sob o nome de Nova Matriz Macroeconômica, apenas
no período mais recente, a partir de 2011.
É bom notar que não
houve uma motivação estritamente econômica para a esta inflexão. Ainda que não
extraordinário, o desempenho do país foi, como vimos, mais do que razoável em
termos de crescimento, estabilidade e inclusão social.
A motivação parece ter
sido política e ideológica. Havia – como ainda há – a crença que políticas
econômicas que privilegiam o crescimento com estabilidade em detrimento da
expansão a qualquer custo; que apontam para as limitações orçamentárias; que
destacam o papel da poupança e dos mercados no crescimento econômico entre
outras características, seriam fruto de um “pensamento conservador”, que daria
preferência a “rentistas” sobre os “produtores”.
Seria possível, na
visão destes economistas, romper os limites do possível. A demanda criaria sua
própria oferta. O aumento de gastos – ao elevar o produto – geraria os recursos
necessários ao seu financiamento. A intervenção do governo – sábio e
benevolente – permitiria a superação de “falhas de mercado”, levando o país a
novos patamares de desenvolvimento.
Pouco importa que tudo
isto já tivesse sido tentado. Para economistas que se dizem fundamentalmente
preocupados com a história, é notável a ignorância acerca dos resultados de
políticas semelhantes aplicadas no passado: choro e ranger de dentes.
* * *
Economia é uma ciência
humana. Como tal, não é melhor ou pior do que a Física, ou a Biologia; é apenas
obrigada, por força de seu objeto, a empregar métodos distintos.
A Física pode se basear
em explicações causais: uma força aplicada sobre um corpo o faz mover;
ou os meios diferentes em que a luz passa alteram sua velocidade.
A Biologia pode se
amparar em explicações funcionais: determinadas características de certa
espécie se perpetuam porque aumentam as chances de cada indivíduo com estas
características passar adiante os genes que as carregam.
Já a Economia, como
ciência humana, não pode se amparar neste tipo de explicações. A ela cabe,
assim como nas demais ciências sociais, se amparar na busca dos motivos que
guiam a ação humana. A explicação adequada para este caso é a explicação
intencional.
Neste sentido os
economistas criaram uma ficção extraordinariamente poderosa. O “homem
econômico”, um ser amoral, que busca, sem paixões, o máximo de satisfação,
limitado apenas pela disponibilidade de recursos e pela tecnologia existente.
Por mais que saibamos
que seres humanos de carne e osso não se comportem exatamente da forma
presumida para o “homem econômico” (podem, por exemplo, ser altruístas e morais,
assim como provavelmente não são capazes de atingir os incríveis limites de
racionalidade da nossa ficção), a verdade é que modelos que supõem que as
pessoas se preocupam mais com seu próprio interesse e que são capazes de
realizar feitos extraordinários de raciocínio para atingir seus objetivos têm
se mostrado melhores no sentido de prever a ação econômica do que presunções
acerca da bondade inata do ser humano.
Há custos, porém. Para
lidar com esta ficção vocês foram expostos a técnicas razoavelmente
sofisticadas, tanto no campo matemático quanto estatístico. Cálculo
diferencial, álgebra linear, métodos de máxima verossimilhança, propriedades
assintóticas de estimadores, otimização sujeita a restrições, etc. representam
uma amostra modesta do tipo de tortura a que vocês foram submetidos, com maior
ou menor grau de sucesso (e, posso dizer, vocês aprenderam muito mais do que eu
aprendi na minha graduação).
Não é todo mundo que
está disposto ou preparado para lidar com isto. Muito mais fácil é recitar meia
dúzia de citações de economistas ilustres, mortos há mais de 60 anos, e tomar
isto como verdades reveladas. O que Keynes disse, o que Marx disse viram
critérios de verdade, mais do que a evidência empírica. Se o mundo não se
comporta como estes sábios previram, tanto pior para o mundo.
Não é o caso de vocês.
Por mais que não haja
respostas definitivas, a ciência que vocês aprenderam nestes últimos anos é um
instrumento poderoso na busca de verdades, ainda que sejam “verdades
provisórias”, válidas até nova evidência e novos desenvolvimentos teóricos se
mostrem mais adequados para lidar com a realidade.
Posto de outra forma,
Economia não é uma ciência que lhes dará certezas. Mas lhes oferece uma ferramenta
adequada para explorar o mundo, formular hipóteses, testá-las contra a
realidade e, com base nisto, formular políticas que possam endereçar nossos
problemas.
Não é um caminho fácil.
As respostas não estão num livro empoeirado na biblioteca da FEA. As respostas
virão como resultado da aplicação dos métodos que vocês aprenderam nestes anos.
Posto de outra forma, Economia, mais que uma coleção de verdades, é um método
para resolver problemas.
* * *
Concluo.
A inflexão da política
econômica observada nos últimos anos resulta da visão da Economia como a tal
coleção de verdades proferidas pelos velhos mestres. Não foi a evidência
empírica nem a abordagem científica que estavam por detrás da mudança de
paradigma, mas crenças de caráter quase religioso. O resultado não poderia ser
diferente: quem ignora a realidade sofre sério risco de ser por ela atropelado.
Não é, certamente, o
que ocorrerá com vocês. Vocês começam agora suas carreiras, dotadas de todas as
condições para alcançarem mais longe que minha geração alcançou. Em mais alguns
anos será a vez de vocês tomarem o leme do país, seja em postos-chave no
governo, seja no comando das principais empresas do setor privado.
Se cabe um conselho é:
não esqueçam o que aprenderam. E aqui não me refiro a nenhum dogma em
particular; mais que as conclusões, o que interessa é o método que vocês
utilizam para alcançá-las. É um instrumental, repito, poderoso; não infalível,
claro, mas, de certa forma passível de autocorreção.
Respeitem o método;
submetam-se à evidência empírica; e permaneçam céticos acerca de toda e
qualquer conclusão. Assim irão muito além do que um dia pudemos sonhar.
Obrigado, parabéns, sucesso e boa sorte!
Um governo brincalhão
O ministro da Fazenda
classificou como uma “brincadeira” de R$ 25 bilhões por ano a desoneração da
folha de pagamento, política de seu antecessor (na verdade da própria
presidente da República), que, em sua opinião, era medida “muito grosseira, com
empresas que ganhavam muito, outras que ganhavam pouco e algumas que não
ganhavam nada”.
O destempero do
ministro, embora justificado, motivou a reação da presidente, que considerou
“infeliz” aquela declaração e reafirmou sua visão quanto às virtudes do
programa. Segundo a presidente, a alteração de política só ocorreu porque “quando a realidade muda, a gente
muda”.
O que poderia ser interpretado
pelos mais apressados como o reconhecimento de um erro se trata, na verdade, de
mais um gesto de soberba. A presidente segue incapaz de admitir que a política
adotada em seu primeiro mandato foi totalmente inadequada aos desafios que o
país enfrentou e ainda enfrenta.
O diagnóstico por trás
da desoneração partia do princípio que esta política poderia compensar a perda
de produtividade do país face aos seus competidores e da indústria (cujas
margens vinham encolhendo por força de aumentos salariais superiores ao aumento
da produtividade) relativamente ao setor de serviços (que conseguia repassar
estes aumentos a preços, mantendo ou ampliando suas margens).
Contudo, no contexto de
uma economia operando próxima ao pleno emprego, a desoneração da folha apenas
acelerou o aumento de salários, agravando a perda de competitividade da
indústria. Foi esta realidade, visível há pelo menos 3 anos, que levou ao
fracasso desta política, mas não à decisão de abandoná-la.
A bem da verdade, o que
forçou a decisão anunciada na semana passada foi outra alteração da realidade:
a brutal piora das contas públicas observada nos últimos anos, em particular ao
longo de 2014, quando o superávit primário se transformou em déficit e o Banco
Central revelou um buraco (oficial) nas contas públicas equivalente a 6,7% do
PIB (R$ 344 bilhões).
Esta realidade mudou,
sem dúvida, mas a mudança não caiu do céu. Pelo contrário, foi fruto de uma
política deliberada do governo encabeçado pela presidente, envolvendo não
apenas a desoneração, mas um aumento sem precedentes do gasto público, em
especial o gasto federal.
De fato, além da
“brincadeira” a que se referiu o ministro da Fazenda, o governo federal
participou de outra “brincadeira” que nos custou uma elevação de seus gastos de
R$ 864 bilhões em 2011 para R$ 1.068 bilhões em 2014, ou seja, R$ 51
bilhões/ano (valores já corrigidos pela inflação do período).
Foi, portanto, a
irresponsabilidade da política econômica da presidente que levou o país a uma
situação delicada do ponto de vista fiscal. O enorme déficit observado no ano
passado e a forte elevação da dívida pública registrada de 2010 para cá
obrigaram o governo federal, sob a batuta do ministro da Fazenda, a ensaiar o
atual cavalo-de-pau no que se refere à política fiscal. Não houve conversão ao
credo da responsabilidade, mas capitulação.
A diferença atinge
muito além da semântica. Num ambiente de fragilidade política óbvia, com os
níveis de aprovação do governo em queda livre, a ausência de convicção da
presidente quanto aos rumos da política econômica joga contra o ajuste.
Não é outro o motivo da
desconfiança persistente acerca da permanência do ministro no cargo e,
portanto, da manutenção da nova política. Concretamente a desconfiança
transparece na elevação das taxas reais de juros para prazos mais longos, que,
após recuo no final do ano passado, agora têm se firmado acima de 6% ao ano,
apesar das medidas anunciadas de ajuste e da queda das taxas reais de juros no
exterior.
Já passa da hora de a
presidente abandonar a soberba e admitir publicamente seus erros para dirimir a
incerteza que ainda prevalece quanto à direção da economia. Até lá o vento há
de soprar contra.
(Publicado 04/Mar/2015)
quinta-feira, 5 de março de 2015
À espera de um milagre
É sabido que a economia
brasileira encolherá em 2015, se é que já não encolheu um tanto no ano passado.
Também não é segredo que a inflação persistirá alta e deverá superar a
registrada em 2014, ultrapassando também o limite superior permitido pela
sistemática de metas para a inflação. Já o mercado de trabalho provavelmente
registrará piora visível, liquidando com o último argumento em favor da
política econômica prevalecente durante o primeiro mandato da presidente.
Trata-se, enfim, de uma
combinação nada invejável. Não chega a ser surpreendente, pois, que ninguém
esteja disposto a assumir o fracasso retumbante da “nova matriz
macroeconômica”. A vitória, já se disse, tem muito pais; a derrota, porém, é
órfã.
Não é outro o motivo
para que economistas que apoiaram abertamente as políticas adotadas nos últimos
anos venham a público agora afirmar terem feito “inúmeras críticas” a elas.
Contudo, no começo de
2014, quando meus 18 leitores já viam as inconsistências aqui apontadas,
membros da mesma tropa não tiveram o menor problema de afirmar que acreditavam
“em um crescimento do PIB em torno
de 4% para 2014 (...), [pois] o
investimento está acelerando neste ano, recuperando o ano passado”. E projetavam
uma taxa de inflação “entre 4% e 5%”. Como se pode ver, eram previsões
que refletiam uma visão profundamente crítica da política econômica então
vigente. Só que não...
Isto dito, eu
seria injusto se não mencionasse as críticas que de fato foram feitas. A
principal, de longe, é a acusação de “austericídio” fiscal, mesmo
em face da maior expansão orçamentária em, pelo menos, 18 anos.
Como já notado
neste espaço, o governo Dilma registrou simplesmente o maior avanço do gasto
federal no Brasil desde que estes dados passaram a ser compilados (mais de R$
200 bilhões a preços de hoje, ou 2,7% do PIB).
Neste mesmo
período o superávit primário veio em queda, registrando valores menores a cada
ano desde 2011, culminando com o registro de um déficit primário em 2014, mesmo
pelos números oficiais, que, como se sabe, têm sistematicamente puxado a brasa
para a sardinha do Tesouro.
Apenas um
habitante da Dimensão Z, alheio a tudo que acontece neste quadrante da galáxia,
poderia sugerir que o Brasil passou por qualquer processo que se assemelhasse a
um aperto fiscal. Ao contrário do que afirmavam os “keynesianos de quermesse”,
foi a falta, não o excesso de rigor fiscal, que jogou nossa dívida pública a
63,4% do PIB em 2014, exatos 10 pontos percentuais do PIB a mais do que o
registrado em 2010.
Neste contexto,
jogar a culpa do mau desempenho da economia no suposto “austericídio” revela completo
desconhecimento dos dados, ou diagnóstico preconcebido.
Trata-se de mais
uma instância de desonestidade intelectual: ou porque a conclusão é mantida
apesar dos fatos discordantes, ou, ainda pior, porque se arrogam o direito de
chegar a conclusões sem se preocupar em saber se Sua Excelência, o dado, se
mostra minimamente coerente com o argumento.
A verdade é que
estes economistas aplaudiram de pé a “nova matriz macroeconômica”, no máximo
opondo-se a um aperto fiscal que jamais existiu. Foram signatários de
documentos que pediam a manutenção da política adotada no primeiro governo da
presidente, apesar de sinais inequívocos de deterioração do crescimento
econômico, da inflação e das contas externas.
Não se opuseram à
maciça intervenção governamental no domínio econômico, que resultou em forte
queda do ritmo de expansão da produtividade e desarticulação de setores
importantes da economia, como o energético e o sucroalcooleiro.
Os custos destas
políticas estão expressos na lamentável combinação de crescimento e inflação de
2015. A honestidade intelectual requereria profunda autocrítica acerca destas consequências,
mas é melhor tocar a vida do que esperar por um milagre nesta área.
Não vai acontecer |
(Publicado 24/Fev/2015)
terça-feira, 3 de março de 2015
Edição da minha participação no Jornal da Cultura (27/Fev/2015)
Alguém (obrigado!) fez a edição da minha participação no Jornal da Cultura. Ficou legal, acho.
segunda-feira, 2 de março de 2015
Diante dos sinais de recessão, o BC deveria parar de subir os juros?
Caso o BC tivesse feito
seu serviço quando podia e devia, a resposta seria “sim”; como não fez, é um
sonoro “não”.
Desde 2009, quando a
inflação atingiu 4,3%, o BC tem falhado continuamente em sua missão
institucional. Nestes anos a inflação média superou 6% ao ano e, se o consenso
de mercado estiver correto, chegará a mais de 7% em 2015, apesar da recessão.
No período que
antecedeu a crise de 2008-2009 houve um trabalho consistente no sentido de
manter a inflação na meta. Entre 2005 e 2008, por exemplo, a inflação média
ficou em 4,6% ao ano, ainda que, claro, não tenha ficado neste patamar em todos
os anos. Não importa: esta proximidade sugere que o Copom então calibrava a
política monetária para corrigir eventuais desvios.
Mais importante que
este fato, porém, era a percepção dos agentes econômicos acerca do compromisso
do BC com a meta. De 2005 a meados de 2010 as expectativas para a inflação 12
meses à frente ficaram ao redor de 4,5%, revelando a crença que o Copom
continuaria a determinar a taxa de juros de forma a fazer a inflação oscilar
próxima àquele nível.
Contra este pano de
fundo, quando a crise de 2008 jogou o país na recessão o BC pôde reduzir a taxa
de juros mantendo as expectativas de inflação devidamente ancoradas. O
resultado é que, mesmo sofrendo críticas, inclusive internas, o Copom entregou
a inflação na meta em 2009, com o PIB retomando a trajetória de crescimento já
no segundo trimestre daquele ano.
A atuação desastrosa no
período mais recente teve como consequência a perda de credibilidade do BC,
expressa em expectativas consistentemente superiores à meta. Neste contexto, manter
(ou mesmo reduzir) a taxa de juros não há de ter os mesmos resultados obtidos
em 2009. Pelo contrário, face ao enorme choque inflacionário decorrente da
necessidade de corrigir os preços administrados reprimidos nos últimos anos, a manutenção
dos juros agora perpetuaria a inflação acima de 7% e exigiria sacrifício ainda
maior à frente.
Postergamos demais o
ajuste e a conta chegou. Melhor pagar agora antes que fique ainda mais caro.
(Publicado 19/Fev/2015)