quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015
Juventude transviada?
Há tempos que leitores me pedem para
escrever sobre o mercado de trabalho. Em comum mostram certa perplexidade,
correta, aliás, com a queda do desemprego observada
no ano passado, em contraste com a estagnação do PIB.
De acordo com os
dados da Pesquisa Mensal do Emprego (PME), conduzida pelo IBGE em
seis regiões metropolitanas, a taxa de
desemprego recuou de 5,4% em 2013 para 4,8% em 2014. No entanto, tais
estimativas revelam um fato curioso: ao menos nestas regiões a queda do desemprego não esteve associada ao aumento do emprego. Pelo contrário, o emprego caiu levemente em 2014, consistente com o
comportamento do PIB. Trata-se da primeira vez que isto ocorre desde o início da pesquisa; mesmo em 2009, quando houve queda do PIB
(-0,9%) o emprego ainda cresceu moderadamente.
O que poderia
explicar o mistério da taxa de desemprego em queda
quando o emprego apresenta seu pior desempenho em mais de uma década?
Para entendermos
este fenômeno é necessário definir alguns conceitos. O primeiro deles é a População em Idade Ativa (PIA), entendida como todos aqueles
considerados em idade de trabalhar. Segundo a definição da PME, encontram-se na PIA todos
aqueles com 10 ou mais anos de idade, que me deixa algo envergonhado, mas que,
na prática, não faz muita diferença, já que menos de 1%
daqueles entre 10 e 14 anos participam do mercado de trabalho (ainda bem!).
Já a População Economicamente Ativa (PEA) é definida como aqueles que, dentro da
PIA, estão engajados no mercado de trabalho,
seja como empregados, seja em busca de emprego. A relação entre a PEA e a PIA é conhecida como taxa de participação e durante muito tempo oscilou próxima a 57%. Caso desconsideremos a população de 10 a 14 anos, esta grandeza
ficaria em torno de 62%.
Assim, para ser
considerado desempregado, o indivíduo tem que fazer parte da PEA. Pessoas que não têm emprego, mas que não estejam procurando trabalho, não são consideradas desempregadas. Este
critério, é bom que se diga, não é uma jabuticaba; ao contrário, trata-se de uma definição internacional.
Ocorre que, em
particular no ano passado, houve outro desenvolvimento curioso no Brasil,
estreitamente ligado à queda do desemprego. A PEA encolheu, também pela primeira vez desde o início da pesquisa, mas numa proporção ainda maior que a redução do emprego. Enquanto aquele caiu
0,1%, a PEA recuou 0,7%, isto é, algo como 170 mil pessoas nas regiões pesquisadas pelo IBGE decidiram abandonar o mercado de trabalho.
Posto de outra
forma, a taxa de participação caiu para 56% contra os 57% usuais. Tivesse ela se
mantido em sua média histórica, o desemprego teria aumentado de 4,9% em 2013 para
6,2% em 2014.
A queda mais
pronunciada se deu entre os jovens de 18 a 24 anos: historicamente 70% deles
participavam do mercado de trabalho, mas esta proporção caiu para 65% em 2014 (e já vinha em queda). A hipótese benigna para explicar este fato seria maior dedicação aos estudos, mas ela não parece suficiente para dar conta de todo o fenômeno. Houve aumento da proporção de jovens que nem trabalha, nem
estuda.
Há quem pergunte se este desenvolvimento
pode estar associado ao aumento da rede de proteção social, em particular ao Bolsa-Família, que desestimularia a oferta de trabalho.
Não parece ser o caso, segundo meu amigo e colega Naércio Menezes Filho, que sugere que o aumento da renda do
trabalho dos chefes de família mais pobres retirou a necessidade de jovens buscarem emprego, sem, porém, que estes tenham necessariamente se dedicado ao
estudo.
Se a hipótese do Naércio estiver correta, a desaceleração dos salários que deverá ocorrer este ano interromperia, ou mesmo reverteria, este fenômeno. Neste caso seria questão de tempo para que o desemprego voltasse a subir e, com
ele, a rejeição à presidente, desenvolvimento que lançaria novas dúvidas sobre a firmeza de propósito acerca da nova política econômica.
(Publicado 18/Fev/2015)
terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
E aí, vai encarar?
“Numa política monetária (sic) de metas de inflação é muito mais razoável considerar as taxas médias dos últimos três meses como medida de inflação do que a taxa acumulada de inflação dos últimos 12 meses, como faz o Banco Central do Brasil” (Yoshiaki Nakano - link abaixo)
Aguardo ansiosamente artigo do Yoshiaki defendendo um aumento brutal dos juros depois da inflação (anualizada) dos últimos 3 meses atingir quase 13%. Ansioso, claro, mas em posição confortável, porque vai demorar muuuuiiiittttooo...
quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015
"Made in Brazil"
No final de 2013 muito
se falava sobre a possibilidade da chamada “tempestade perfeita”, entendida à
época como a combinação profana do rebaixamento da nota da dívida brasileira
com o aumento das taxas de juros nos EUA. Segundo o ex-ministro Delfim Netto,
em tal cenário teríamos “uma rápida elevação da taxa de
juros no mundo, uma mudança dos fluxos de capitais, um ajuste instantâneo e
profundo da nossa taxa de câmbio, uma redução do crédito bancário, uma queda
dramática da renda real dos trabalhadores e a volta (...) de taxas de juros
reais aos absurdos níveis com que vivemos durante tantos anos, acompanhados por
um aumento do desemprego”.
Embora a nota da dívida
tenha sido rebaixada, não chegamos a perder (ainda!) o “grau de investimento”,
nosso atestado de bons pagadores. Por outro lado, em que pesem os sinais de
recuperação cada vez mais evidentes da economia americana, como mostrado no
último relatório do mercado de trabalho, as taxas de juros (no caso para
aplicação nos títulos de 10 anos do Tesouro) se encontram cerca de um ponto
percentual mais baixas do que eram à época, na casa de 1,80% ao ano. A verdade
é que esta temida “tempestade perfeita” (ainda) não ocorreu.
No entanto, à falta da
ajuda meteorológica estrangeira, o governo, com sua competência habitual,
tratou de criar a versão brasileira deste desastre climatológico-econômico.
O consenso entre os
economistas que contribuem para a pesquisa Focus,
do BC, aponta para crescimento nulo em 2015 com a inflação superando 7%, e isto
num cenário que não contempla racionamento de energia e água (ainda; perdão pela
repetição do advérbio).
Assim, o mercado de
trabalho, que não foi bem do ponto de vista de geração de empregos em 2014,
deve provavelmente ter desempenho ainda pior em 2015. Neste contexto é difícil
imaginar que a taxa de desemprego vá permanecer tão baixa quanto nos últimos
anos.
É tentador atribuir
este quadro desolador às políticas adotadas no período mais recente e não tenho
a menor dúvida que economistas já conhecidos por seu baixo apego à honestidade
intelectual não hesitarão em fazer exatamente isto. Aliás, não parece ser outra
a motivação do manifesto “heterodoxo” publicado na semana
passada.
A verdade, contudo, é
que a “tempestade perfeita” vem sendo gestada domesticamente há anos, mas
ganhou velocidade do final de 2014 para cá.
Do lado da política
macroeconômica, a irresponsabilidade foi a norma. A incapacidade de reconhecer
que a desaceleração da economia brasileira resultava essencialmente de
limitações do lado da oferta levou a políticas de aumento sem precedentes do
gasto governamental, assim como o desmonte da estrutura institucional que
impunha alguma disciplina ao setor público. A Lei de Responsabilidade Fiscal
foi devidamente imolada no altar da “nova matriz macroeconômica”.
Da mesma forma, o
descaso com a inflação ficou evidente na condução desastrada da política
monetária de 2011 para cá, também implicando considerável retrocesso
institucional.
Tão, ou mais,
importante, porém, foi a deterioração da política microeconômica. Retomando
velhos vícios no que se refere à intervenção no domínio econômico, o governo
desarticulou setores importantes, reduzindo ainda mais o ritmo de expansão da
produtividade, agravando o problema do baixo crescimento.
O resultado destas
políticas não poderia ser diferente do observado: estagnação, inflação acima da
meta, déficits externos elevados e dívida pública crescente, agravados agora
pela gestão desastrosa tanto da Petrobras quanto do setor energético,
supostamente áreas de especialidade da presidente.
A “tempestade perfeita”
é apenas o ponto culminante dos erros do governo, cuja responsabilidade cabe igualmente
aos economistas que não só aplaudiram a política econômica da presidente, mas
também pediram bis, e agora tentam desajeitadamente fingir que nada tem a ver
com o problema.
(Publicado 11/Fev/2015)
quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015
Dilma, a manicure
No final de 2005 a
equipe econômica debateu a conveniência de um programa de ajuste fiscal de longo
prazo.
A ideia, nada revolucionária e para lá de sensata, propunha limitar o
crescimento das despesas correntes do governo federal a um valor abaixo do aumento
do PIB. Desta forma o gasto corrente, medido como proporção do produto, cairia
um pouco a cada ano.
Caberia, é claro,
ajustar a velocidade do processo para determinar seu efeito anual médio, mas
uma redução de, digamos, 0,2% do PIB por ano não parecia particularmente
exagerada. Caso a proposta tivesse vingado então, quando o gasto corrente
andava pela casa de 15,5% do PIB, hoje teríamos, numa primeira aproximação,
reduzido estas despesas para pouco menos de 14% do PIB. E, diga-se, mesmo neste
cenário o crescimento das despesas correntes teria superado a inflação,
permitindo, inclusive, a expansão dos serviços públicos.
Ao invés disto elevamos
as despesas federais correntes para 18,5% do PIB, enquanto as despesas totais
bateram todos os recordes, se situando em 20% do PIB, superiores a R$ 1 trilhão.
A diferença entre nossa situação atual e a que poderíamos ter atingido equivale
a pouco menos de 5% do PIB. Expresso em números mais próximos à nossa
experiência, o governo federal poderia ter gasto cerca de R$ 250 bilhões a
menos do que gastou no ano passado, caso aquela proposta tivesse sido adotada.
No entanto, não foi. E,
como se sabe, a oposição a ela foi capitaneada pela então ministra da Casa
Civil, que não apenas a classificou de “rudimentar”, mas também afirmou
para quem quisesse ouvir: “Despesa corrente é vida. Ou você
proíbe o povo de nascer, de morrer, de comer ou de adoecer ou vai ter despesas
correntes”.
O descalabro das
despesas públicas no governo Dilma, quando o gasto federal saltou 2,7% do PIB
(0,7% do PIB por ano) não se deve, pois, ao acaso. Para fins de comparação, no
governo Lula, em 8 anos, o dispêndio cresceu 1,7% do PIB (0,2% do PIB por ano),
enquanto no governo FHC, de 1997 (quando a série começa) a 2002, a despesa
havia se expandido 1,5% do PIB (0,3% do PIB por ano).
A conclusão inescapável
é que jamais houve governo tão “gastão”, mesmo depois de a presidente ter vindo
a público ainda no começo do seu primeiro mandato comparando o controle do
gasto corrente a “cortar as unhas, pois se você não
olhar para alguns gastos eles explodem, (...) tem que cortar as unhas sempre”. Aliás, na mesma
entrevista, a presidente garantiu “guerra à inflação”, uma boa medida para
aferir a veracidade de seus compromissos com a estabilidade econômica.
O resultado desta
aventura fiscal, que, reitero, reflete fielmente o pensamento (se assim
pudermos chamá-lo) da presidente, se traduz exemplarmente no desempenho do ano
passado. O governo registrou o primeiro déficit primário desde 1997 e o déficit
total, com auxílio luxuoso das perdas do BC no mercado de câmbio, atingiu 6,7%
do PIB, também o mais elevado desde 1997.
A dívida pública, pouco
superior a 53% do PIB no começo de sua administração, pulou para mais de 63% do
PIB em dezembro de 2014 (69% do PIB, caso adotemos critérios internacionais),
deixando claros os limites de seu keynesianismo rudimentar.
Face ao desastre na
gestão das finanças públicas, mais uma vez recorremos ao aumento de impostos
para fechar as contas, embora haja dúvidas razoáveis acerca da possibilidade de
atingirmos mesmo a modesta meta de saldo primário de 1,2% do PIB (R$ 66 bilhões)
este ano.
Reconheço que se trata
de mal inevitável dada a situação delicada em que nos encontramos. Isto dito,
mais que nunca, cabe exigir que a contrapartida de impostos mais altos seja – 10
anos depois de torpedeada pela presidente – a adoção de um programa de ajuste
de longo prazo nos moldes acima discutidos. Sem isto, novos impostos, como no
passado, apenas alimentarão o apetite de um governo cujas unhas não param de
crescer.
Impoosstoooo |
(Publicado 4/Fev/2015)
quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015
Sai da frente!
O Brasil registrou em
2014 o maior déficit externo desde 1947, quando começamos a compilar estas
estatísticas, US$ 90,9 bilhões, o equivalente a 4,2% do PIB. Embora o número em
si não tenha sido surpreendente (dado que já conhecíamos os dados até novembro),
impressionam a velocidade de deterioração das contas externas e,
principalmente, as condições sob as quais esta se deu.
Até o terceiro
trimestre do ano passado parecíamos nos encaminhar para um resultado ainda negativo,
mas na casa de US$ 80-85 bilhões (3,5% do PIB), não muito distinto do observado
em 2013; o péssimo desempenho da balança comercial no fim do ano, contudo, nos
levou ao novo recorde, mais uma marca do fracasso extraordinário da “nova
matriz macroeconômica”.
Não necessariamente
pelo déficit externo em si. Há economias que, em momentos de crescimento
elevado, marcado pela aceleração do investimento, precisam recorrer ao resto do
mundo de modo a obter os recursos necessários para uma expansão mais veloz.
Concretamente, para aumentar o investimento sem sacrificar demasiadamente o
consumo, pode ser ótimo incorrer em déficits modestos, a serem pagos pelos
frutos do aumento da produtividade que decorrem deste investimento.
Deve, porém, ficar
claro que não se trata do que ocorreu no Brasil. O aumento do déficit externo
não esteve associado ao investimento mais elevado. Pelo contrário, o
investimento até setembro do ano passado havia caído nada menos do que 7,5% na
comparação com 2013, recuando para 17,3% do PIB, o nível mais baixo desde 2007.
Já o consumo, seja das
famílias, seja do governo, cresceu 1,4% no período até setembro, reduzindo a
poupança bruta de 14,0% para apenas 12,8% do PIB, o menor nível dos últimos 15
anos. Este padrão não é exclusivo de 2014; o consumo total tem crescido à
frente do PIB desde 2011, reflexo tanto da política de estímulo ao consumo
privado quanto da expansão persistente do consumo público.
A verdade é que o país
conseguiu a proeza de registrar o maior déficit da sua história em um ano em
que o crescimento do PIB e da demanda interna deve ter ficado próximo a zero.
Esta combinação sugere que a maciça intervenção do BC, expressa na venda de
cerca de US$ 110 bilhões no mercado de câmbio a partir de meados de 2013, tem
impedido que o dólar ache um nível consistente com o equilíbrio das contas
externas.
Muito embora o BC
continue a afirmar que sua política de intervenção visa a moderar a
volatilidade da moeda, é segredo de Polichinelo que, na verdade, esta foi usada
com o objetivo de reduzir as pressões sobre a inflação. Ao invés de utilizar os
instrumentos clássicos de controle inflacionário, a taxa de juros e o corte do
gasto público, o governo preferiu um caminho fácil e o BC seguiu a mesma toada.
Não há, portanto, como
eximir o BC da responsabilidade pela piora das contas externas. Tivesse ele
desempenhado o papel que lhe cabe e mantido a inflação próxima à meta, teríamos
plenas condições de permitir que a moeda flutuasse em resposta a alterações no
cenário externo com impactos modestos sobre preços domésticos.
Contudo, ao permitir
que a inflação ficasse distante da meta e persistentemente ao redor de 6%, o BC
caiu em sua própria armadilha. Não pôde permitir que o dólar se encarecesse
como seria necessário em face da queda dos preços das commodities e, por consequências, das exportações brasileiras, na
prática fechando uma válvula de escape crucial da economia.
Seria de se esperar que
a experiência tivesse mostrado os perigos da administração da taxa de câmbio.
Não parece ser o caso: embora o BC tenha há pouco sinalizado menores
intervenções no mercado, não parece disposto a abandonar este instrumento, pelo
contrário.
Esta postura apenas
torna mais difícil a recuperação da economia num ano em que a demanda doméstica
deve perder ainda mais o fôlego. Já passou da hora de sair da frente do dólar.
(Publicado 28/Jan/2015)