Mesmo com muita gente
boa já escrevendo sobre a autonomia do BC, não posso ficar sem me manifestar.
Principalmente porque, mesmo para os padrões nada elevados como os que
caracterizam as campanhas eleitorais em geral, a postura da propaganda
situacionista tem sido de uma infantilidade atroz. Só falta afirmar que a
autonomia implicará a legalização do “homem do saco”: o BC mesmo cuidaria
de raptar as crianças para servi-las a banqueiros em banquetes macabros.
A presidente participa
ativamente da criancice ao afirmar que “o BC não é o Quarto Poder”, reiterando que tal
medida tiraria comida do prato dos brasileiros (e possivelmente traria também o
bicho-papão) apenas quatro anos após ter criticado seu então oponente por
afirmação semelhante, mas até aí eu jamais
a acusei de coerência.
Cabe, em primeiro
lugar, eliminar fontes comuns de mal-entendidos, que só servem a quem teme um
debate adulto sobre o tema. Autonomia do BC não implica que este se converta
num Quarto Poder, ou mesmo na Santa Sé.
A começar porque todas
as propostas colocadas em discussão definem, a zero de jogo, que o objetivo do
BC, por exemplo, a meta para a inflação, continuaria a ser prerrogativa do
Executivo, como hoje o é, através do Conselho Monetário Nacional, cujos membros
são todos escolhidos pelo presidente da República, justamente aquele que não se
elege sem o apoio da maioria absoluta dos votantes.
Obviamente a presidente
pode determinar ao BC que busque uma meta mais elevada de inflação, mas terá
também que explicar à população o motivo pelo qual fez esta escolha. Aliás,
deveria ter a coragem de explicar hoje sua opção por permitir que o BC persiga
– como se depreende de suas próprias afirmações – uma meta de 6,5%, mas me
desvio...
É também bom deixar
claro que não seriam os banqueiros, os maçons, ou os illuminati os responsáveis pela indicação dos
dirigentes do BC, mas sim o presidente, passando, aliás, pelo crivo do Senado
Federal, como ocorre hoje em dia.
Por fim, isto também
não significa falta de transparência ou responsabilidade, pois, da mesma forma
que acontece atualmente, o BC teria que prestar contas periódicas (por exemplo,
duas vezes por ano) ao Congresso Nacional, seja ao Senado, seja à Câmara.
A diferença no caso
seria que, ao contrário da situação atual, o indicado ao BC teria um mandato
fixo, não coincidente com o do presidente. Ao longo deste mandato o dirigente
só poderia ser demitido em situações previstas em lei e não pela simples
vontade do governante de plantão.
Este arranjo básico,
com algumas variantes, é o que vigora em países de escassa tradição
democrática, como os EUA, o Reino Unido (enquanto ainda é Unido), Canadá,
Austrália, Nova Zelândia, Japão e outros tantos pobres e instáveis. Já bancos
centrais subordinados ao Executivo são privilégio de países do naipe da Rússia,
China, Argentina, Venezuela, Zimbabwe e outros titãs da democracia mundial.
Isto não ocorreu por
acaso, mas sim porque naqueles países se percebeu que um BC livre das pressões
políticas de curto prazo costuma obter resultados melhores em termos de
inflação mais baixa, sem prejudicar em prazo mais longo o ritmo de crescimento
ou a taxa de desemprego.
Já BCs subordinados aos
objetivos políticos do governo tipicamente geram inflação mais elevada que, por
vezes, podem inclusive reduzir a taxa de crescimento, normalmente devido às
distorções geradas por formas desastradas de tentar evitar a manifestação do
fenômeno inflacionário, como controles de preços. Há aqui um paralelo evidente
ou seria apenas minha paranoia fora de controle?
De qualquer forma, o tema merece um debate informado e adulto, longe de estereótipos e slogans, praticamente o oposto do que se observa na campanha, em particular no que se refere ao campo situacionista. Se não melhorarem seu comportamento serei obrigado a chamar o homem do saco...
Banqueiro central
independente pego em flagrante
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(Publicado 17/Set/2014)