teste

terça-feira, 15 de abril de 2014

Intenção e gesto

Embora ateu, sou fascinado pela literatura bíblica, como, imagino, alguns dos 18 heróis já devem ter percebido. Li recentemente um estudo sensacional a respeito, mais precisamente sobre a evolução da interpretação das Escrituras, “How to Read the Bible”, de James L. Kugel, e aprendi que, de acordo com a visão tradicional, cada palavra da Bíblia seria carregada de significado. Eventuais inconsistências seriam, portanto, apenas fruto das dificuldades de interpretação, pois a palavra divina não admitiria falhas.

Entendimento semelhante têm os economistas que, oito vezes por ano, uma semana após a reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) em que o Banco Central decide sobre a taxa de juros básica (Selic), se acotovelam para ler a ata da reunião em busca de pistas acerca das próximas decisões, assim como suas prováveis conseqüências. Cada palavra é sopesada, assim como adições ou subtrações em relação às versões anteriores do documento, ou mesmo a ordem dos parágrafos. Nada é por acaso e cada vírgula pode indicar o rumo futuro das taxas de juros.

Isto dito, a exegese da última ata deixou poucas dúvidas acerca das intenções do BC. A eliminação da referência à “continuidade” do processo de ajuste monetário, a introdução do termo “neste momento” para qualificar a decisão de elevar mais uma vez a taxa de juros, assim como a menção a uma “política monetária vigilante” (não mais “especialmente vigilante”) oferecem indicações claras que o BC deseja parar o aperto monetário.

Por outro lado, a evolução da inflação não condiz com este anseio. Na véspera da divulgação da ata soubemos que a inflação atingiu 0,92% em março e 6,15% nos últimos 12 meses, taxa perigosamente próxima à máxima permitida pelo sistema de metas (6,5%), que, a propósito, deve ser ultrapassada com folga nos próximos meses.

Não faltou, é claro, quem procurasse reduzir a relevância do número desastroso. Condições climáticas fizeram com que os preços dos alimentos “in natura” saltassem no mês, contaminando o índice de inflação. Como, porém, este processo seria temporário, não caberia ao BC reagir, nem à população ficar alarmada com os desenvolvimentos recentes.

Trata-se de já conhecida conversa para boi dormir. Sim, preços de alimentos subiram muito por conta da seca, mas quem faz este argumento deixa convenientemente de lado o virtual congelamento dos preços administrados pelo governo, como energia, combustíveis, passagens de ônibus, etc, que têm atuado do lado contrário (em março, por exemplo, caíram 0,02%, acumulando apenas 3,4% nos últimos 12 meses).

De fato, se desconsiderarmos tanto o impacto dos alimentos consumidos em casa como o das tarifas públicas chegaríamos à conclusão que o conjunto dos demais preços aumentou nada menos do que 0,88% no mês, valor apenas levemente inferior ao registrado pelo IPCA “cheio”. Mais grave, esta medida, “limpa” de ambos efeitos, mostra inflação de 7,36% nos últimos 12 meses, bastante superior à registrada pelo IPCA.

Diga-se, aliás, que esta conclusão também é válida para as demais medidas de inflação que tentam justamente eliminar eventuais efeitos de preços muito voláteis ou sujeitos à intervenção governamental (os chamados “núcleos de inflação”).

A aceleração inflacionária não resulta, pois, de preços de alimentos, nem tem caráter temporário. Pelo contrário, vai muito além dos alimentos (a inflação de serviços supera 9%) e é disseminada (no mês passado 72% dos itens não alimentícios do IPCA subiram de preço).


Neste contexto, o BC até pode fingir que não tem nada a ver com o problema e parar o ciclo de aperto monetário com a Selic nos atuais 11% (ou mesmo em 11,25%). Não vai, porém, escapar de ter que voltar ao tema uma vez passadas as eleições. Problemas não desaparecem porque sua solução é adiada; apenas voltam vitaminados a requerer doses muito maiores de sacrifícios.

Um não aguentou..

(Publicado 16/Abr/2014)

24 comentários:

Agora que a Grande Recessão acabou a esquerda americana ficou sem assunto. Dois economistas franceses estão na moda com a distribuição de renda ... Krugman, Solow já embarcaram nessa canoa. Imaginem a merda que isso vai virar aqui...

Pesquei -sem querer- esse comentário hoje pela manhã, lendo o noticiário enlatado. Ainda bem que existam vozes lá fora contra isso que está aí.

"... Os economistas do mercado financeiro afirmam que qualquer alteração no índice seria vista com muita desconfiança. Segundo o ex-diretor do Banco Central Alexandre Schwartsman, não há nada de honesto no argumento que os alimentos que contaminaram o IPCA e provocaram a persistência da inflação que, por sua vez, acomodou-se perto do teto da meta.
— (A ideia) tem um alto nível de cretinice. Acho surpreendente que as pessoas voltem a debater isso neste momento, porque parece que elas não prestam atenção nos números — disse.
Schwartsman se referia aos dados do núcleo da inflação, ou seja, o número que despreza a alta dos alimentos e das tarifas de serviços públicos. Nos últimos 12 meses, esse núcleo está ainda maior que o IPCA geral: 7,36%. Ou seja, a culpa não está apenas nos alimentos. A inflação sofre também com outros fatores, como altas nos serviços ..."



Leia mais: http://oglobo.globo.com/economia/tecnicos-do-governo-estudam-tirar-alimentos-do-calculo-da-inflacao-12270247#ixzz2ziBwy118

Alex eu vou perguntar de novo

Queria saber qual o seu argumento pro ateísmo.É o mesmo do Dawkins sobre a improbabilidade complexa de deus?


Abs

Está muito importante a opinião do Alex quanto ao seu ateísmo. Trata-se de assunto altamente relevante por se tratar de tema relacionado à Economia...

Anônimo de 23 de abril de 2014 14:27

Só conheço uma boa justificativa para o ateísmo: Deus nunca falou comigo

(N é meu caso)

Renato, você está recebendo dinheiro do PT para avacalhar esse blog?

Economistas franceses! Eu conheço apenas um: Debreu.

Qual a justificativa pro seu ateísmo Alex?

Antes da tempestade marxista que assolou a França : Walras,o maior de todos.

Bastiat, Walras... Longa tradição

Até tu,Solow! O grande,o enorme Solow de 1957 virou o pequeno keynesiano de 1960 e o panfletário atual.

Alex,

Me tira uma duvida.

A inflaçao atual resulta de um claro processo de distribuicao de renda no pais, com os salarios crescendo acima da produtividade.

Em geral, argumenta-se que a inflacao é um fenomeno perverso, pois penaliza os mais pobres.

Nao parecer ser, contudo, um argumento forte para o caso do Brasil, pelo menos em termos de fluxo. Isto porque aqui crescem o salario medio real e o salario minimo real.

Poder-se-ia argumentar em termos de estoques. Os mais pobres sao penalizados porque nao tem como proteger sua riqueza acumulada. Sobre esse ponto, no entanto, temos uma contradicao em termos. Os mais pobres estariam sendo penalizados pois nao podem conservar sua riqueza? Os mais pobres?

Tambem sou contra inflacao. Odeio inflacao. Todavia, queria um argumento melhor para visualizar o quao ruim é a esse quadro inflacionario atual.

Desculpe te perturbar. Quero dialogar. Admiro suas colocacoes.

Abracos

Djow

Mankiw mostra que Piketty não passa de um estatísco pretensioso.Selva Brasilis (Alex,porque não atualiza os blogs
?) mostra que macaco não gosta de igualdade de renda. Roberto Campos: Deus não é socialista. Enquanto isso os socialistas da Casa das Garças estão promovendo os panfletos de Solow e Krugman.Espero que Bacha,Malan não entrem no debate que se avizinha fazendo merda como fizeram contra Langoni nos seventies,que mostrava o capital humano como a saída duradoura e não o populismo tributário.

I have been reading Thomas Piketty's "Capital in the 21st Century." It is truly an impressive work, and I am much enjoying it. I have recently organized a session at the upcoming AEA meeting (January in Boston), where David Weil, Alan Auerbach, and I will be discussing the book, followed by a response from Professor Piketty.

Let me offer a few immediate reactions.

The book has three main elements:
A history of inequality and wealth.
A forecast of how things will evolve over the next century
Policy recommendations, such as a global tax on wealth.
Point 1 is a significant contribution. I like this part of the book a lot.

Point 2 is highly conjectural. Economists are really bad at such things. In particular, the leap from r>g to the conclusion of a growing role of inheritance in society seems too large to me. Many capital owners consume much of the return on their capital, so wealth does not grow at rate r. This consumption ranges from fancy cars and luxurious vacations to generous charitable giving. In addition, unless mating is perfectly assortative, or we return to an era of primogeniture, wealth per family shrinks as it is split among children.  So, from my perspective, Pikettty tries to draw way too much from r>g. (Quick Quiz for econonerds: (a) What does r>g tell you in a standard overlapping generations model?  (b) And what is the magnitude of bequests in that model?  Answers below.*)

Point 3 is as much about Piketty’s personal political philosophy as it is about his economics. As we all know, you can’t get “ought” from “is.” Like President Obama and others on the left, Piketty wants to spread the wealth around. Another philosophical viewpoint is that it is the government’s job to enforce rules such as contracts and property rights and promote opportunity rather than to achieve a particular distribution of economic outcomes. No amount of economic history will tell you that John Rawls (and Thomas Piketty) offers a better political philosophy than Robert Nozick (and Milton Friedman).

The bottom line: You can appreciate his economic history without buying into his forecast.  And even if you are convinced by his forecast, you don't have to buy into his normative conclusions.

Alex,

Me tira uma duvida.

A inflaçao atual resulta de um claro processo de distribuicao de renda no pais, com os salarios crescendo acima da produtividade.

Em geral, argumenta-se que a inflacao é um fenomeno perverso, pois penaliza os mais pobres.

Nao parecer ser, contudo, um argumento forte para o caso do Brasil, pelo menos em termos de fluxo. Isto porque aqui crescem o salario medio real e o salario minimo real.

Poder-se-ia argumentar em termos de estoques. Os mais pobres sao penalizados porque nao tem como proteger sua riqueza acumulada. Sobre esse ponto, no entanto, temos uma contradicao em termos. Os mais pobres estariam sendo penalizados pois nao podem conservar sua riqueza? Os mais pobres?

Tambem sou contra inflacao. Odeio inflacao. Todavia, queria um argumento melhor para visualizar o quao ruim é a esse quadro inflacionario atual.

Desculpe te perturbar. Quero dialogar. Admiro suas colocacoes.

Abracos

Djow

Se a inflação fosse mesmo prejudicial aos mais pobres, não estaríamos vendo a população pobre suportando fortemente os governos de Argentina e Venezuela. Também não veríamos a Dilma fortíssima candidata à reeleição.

Quem não gosta de inflação é rico e o comentário desse tal de djow é muito correto. O salário real cresce no Brasil e quanto mais pobre maior o ganho nos últimos anos (tal como mostra o ipea em publicação recente).

abraço
Mauro

Lendo o post do tal do Mauro me pergunto: o que deve ser pior, a cretinice ou a burrice?

Segura essa ai em cima, Alex!

Meus caros,
Lafond!!!! (e o Tirole é francês, sim). E existe uma penca de excelentes economistas franceses.
Por fim, inflação é um imposto regressivo uma vez que os pobres são aqueles com menor proteção contra elas (para quem não está entendendo, pense nos diversos aumentos reais dos diferentes salários e rendas - suponha situação com inflação zero e aumentos nominais destas diferentes rendas iguais a tais aumentos reais; esta situação, do ponto de vista real, é igual à situação atual, abstraindo todos os custos da inflação. Falar que a inflação está desconcentrando a renda no país é uma grande bobagem).
PS: Apesar dos defensores da tal medida apresentarem um forte desconhecimento econômico (nem conhecem estas medidas de núcleo da inflação), acho importante frisar um ponto. Estas variações sazonais são isto, sazonais. Realmente, aumentar a taxa de inflação devido a um aumento transitório de um preço específico pode não fazer muito sentido. Porém, neste caso, o ÍNDICE TAMBÉM CAI ARTIFICIALMENTE DEPOIS DEVIDO À QUEDA SAZONAL DO MESMO PREÇO POSTERIORMENTE!!!! È sazonal! Sobe em um momento mas cai num outro!!! Queria ver estas autoridades reclamarem quando cai: "a inflação está baixa, mas é artificial, os alimentos estão puxando os preços para baixo devido a fatores sazonais". É isto que me deixa com raiva destas propostas.
PS2: Isto é um ótimo exemplo porque regras complexas (mesmo ótimas) são ruins (uma vez que estas podem ser quebradas com mais facilidade). Um exemplo ótimo é a definição de rebaixamento a partir de média de pontos (por três anos) e não só com os pontos de cada ano específico. Faz muito sentido isto (protege algum bom clube que tenha sofrido um choque negativo em ano específico). Alguns falam que isto protegeria os grandes clubes, mas isto é bobagem (você pode até não cair em um ano, mas tem que ter um ótimo desempenho posterior para não cair depois). Sou contra a regra porque ela facilita virada de mesa. Vamos supor que o Flamengo não caia em um ano específico devido a esta regra. No ano posterior, ele carrega o mal desempenho e tem que apresentar uma performance melhor para não cair. Aí, ele fica em 14o. no campeonato, a fórmula mostra que este deve cair. Neste ponto, os caras começam a falar que é um absurdo o time cair já que ficou na frente de seis equipes, que a fórmula é injusta e ocorre virada de mesa (ninguém se lembrará que o time não caiu no ano anterior devido a esta fórmula). É a mesma coisa.

Mauro, acho que vc se não tem acompanhado com atenção o noticiário ou está recebendo pouca verba do planalto pra fazer pesquisa. Na Argentina, nem as centrais sindicais, tradicionais aliadas do peronismo, estão apoiando a Cristina Kirchner. Na Venezuela, idem, pois se por "apoio" você quer dizer morte de dezenas de pessoas, prisão de centenas e ferimentos em milhares, então você está com a razão.

Quanto ao Brasil, as pesquisas indicam que a "Dilma fortíssima" está que nem prego na areia com a subida da maré: ainda favorita mas com intenção de voto caindo de pesquisa em pesquisa, exatamente o cenário que o criador do poste queria para essa eleição. Falaí, você tem lido noticiário ultimamente ou só participa de roda de conversa da militância?

João

Essa discussão sobre inflação me colocou uma dúvida: se a maior pressão nos índices vem de serviços, existe uma parcela, beneficiada pelo aquecimento do mercado de trabalho, que consegue repor seus rendimentos acima da inflação. Como se sustenta que o imposto inflacionário,prejudica a nossa famosa classe média emergente?

JPF