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terça-feira, 18 de março de 2014

O regime do presidente

Segundo a Folha de S. Paulo, Lula teria afirmado que “a defesa do emprego é mais importante que a inflação”, gerando certo desconforto. Na tentativa de desfazê-lo o ex-presidente negou a frase, que, de acordo com a gravação é: “Eu não quero que tenha desemprego para poder melhorar a inflação. Eu quero melhorar a inflação com pleno-emprego”.

As frases são realmente distintas. A primeira, renegada, se baseia numa noção falsa. Já a segunda, sem incorrer no mesmo erro, revela um desejo que, se não estritamente impossível, permanece improvável na prática, em particular sob as condições que vivemos hoje. A exploração destas diferenças deve ajudar a iluminar o problema.

Parece haver ainda quem acredite numa oposição permanente entre inflação e desemprego (ou crescimento), ou seja, que a manutenção de taxas reduzidas de inflação requereria desemprego elevado e, simetricamente, que uma inflação mais alta permitiria desemprego menor. Assim, caberia ao governo escolher a combinação entre desemprego e inflação que melhor expressasse as preferências do público.

A justificativa soa óbvia. Quando o desemprego cai, os salários se aceleram; caso seu aumento (digamos 10%) ultrapasse o da produtividade (digamos 5%), os custos por trabalhador subiriam (4,8%) e pressionariam a inflação. Pelo mesmo raciocínio, o aumento do desemprego levaria à desaceleração dos salários, portanto inflação mais baixa.

Embora intuitiva, a história deixa de lado um aspecto importante. De fato, quando o mercado de trabalho aperta, trabalhadores demandarão salários mais altos, mas, como não são tolos, conseguem distinguir entre aumentos salariais nominais e reais, isto é, se o aumento prometido será, ou não, suficiente para repor o custo de vida mais elevado.

Isto dito, como todos nós, não sabem exatamente como a inflação irá se comportar ao longo do período em que seus salários foram fixados (um ano, por exemplo); tratam, portanto, de incorporar aos salários suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses. Caso acreditem que a inflação se acelerará porque o governo prefere reduzir o desemprego, adicionarão às suas demandas uma parcela que reflita expectativas mais elevadas.

Este processo, contudo, termina por frustrar a queda do desemprego, já que os salários reais não se alteram muito (só pelos erros naturais de previsão). Não é possível, pois, “comprar” menos desemprego (ou mais crescimento) com mais inflação, pelo menos não de forma persistente. Quem buscar defender o emprego à custa de mais inflação terminará apenas com inflação mais alta, sem ganhos do ponto de vista de desemprego.

Tendo isto em mente, saindo de uma situação com inflação acima da meta, seria em tese possível reduzi-la mantendo a economia em pleno-emprego (isto é, o desemprego na sua “taxa natural”), desde que as expectativas de inflação convergissem para a meta. Já do ponto de vista prático, as dificuldades são enormes.

Para começar, o desemprego deveria estar próximo à “taxa natural”, isto é, aquela em que os aumentos de salários nominais (deduzidos do aumento da produtividade) se encontrassem próximos à meta de inflação. Adicionalmente as expectativas deveriam também estar na meta.

Segundo, porém, os dados do IBGE os aumentos salariais andam na faixa de 8% a.a., contra crescimento da produtividade inferior a 1% a.a. Já as expectativas se encontram ao redor de 6% a.a., deixando claro que as condições para uma desinflação sem custos não se encontram presentes, em boa parte devido à política desastrada do BC a partir de 2011.

Neste contexto, “melhorar a inflação com pleno-emprego” equivale a tentar perder peso sem fazer regime.


Do ponto de vista político é sempre bom prometer ganhos sem sacrifícios; na prática, o difícil é transformar estas promessas em realidade. Exatamente por isto a inflação não irá cair e, mais à frente, será o desemprego a subir.

 Inflação baixa, crescimento alto e curo unha encravada!


(Publicado 12/Mar/2014)

17 comentários:

Engraçado, o governo não quer divulgar quanto o consumidor vai pagar pelo aumento da energia devido à dificuldade de calcular as tarifas (segundo eles dá muito trabalho), deixarão para o próximo ano. Será que estão preocupados com o núcleo da inflação? Incrível.
Charles

Alex, desculpe te perturbar, mas tenho uma pergunta para você.

Controlar a inflação parece ser para você um imperativo. De maneira geral, concordaria, dado que a inflação é comumente percebida como o imposto mais regressivo de todos (alguns até concluem que controlar a inflação é uma forma de fazer política social a nível macro).

Mas pensando melhor sobre o assunto, percebo que na atual conjuntura da economia brasileira, a inflação não tem sido um imposto regressivo. Pelo contrário, ela está diretamente associada à distribuição de renda (salário real crescendo acima da produtividade é distribuição).

Portanto, qual seria o mal da inflação em 6% e não em 4%, dado que a regressividade da mesma não parece estar em vigor? Os salários reais estão crescendo...

Não me leve a mal, por favor, é uma pergunta de quem quer aprender.

Abs

Carla

Como disse o Delfim, você e seus colegas do BC quebraram a indústria nacional:
"O crescimento depende de dois fatores principais, aponta Delfim: aumento da produtividade e expansão do capital do trabalho. E avaliou ainda que o País usou os juros como instrumento para controlar o câmbio e a inflação, o que destruiu um "processo industrial sofisticadíssimo", roubando a demanda externa da indústria e, depois, a supervalorização do real levou à queda da demanda interna"


Alex,

Vc e o Howard Webb são irmãos ?

Carla,

Como você chegou à conclusão de que a inflação atual não está prejudicando as pessoas da base da pirâmide social?

Alex, desculpe te perturbar, mas tenho uma pergunta para você.

Controlar a inflação parece ser para você um imperativo. De maneira geral, concordaria, dado que a inflação é comumente percebida como o imposto mais regressivo de todos (alguns até concluem que controlar a inflação é uma forma de fazer política social a nível macro).

Mas pensando melhor sobre o assunto, percebo que na atual conjuntura da economia brasileira, a inflação não tem sido um imposto regressivo. Pelo contrário, ela está diretamente associada à distribuição de renda (salário real crescendo acima da produtividade é distribuição).

Portanto, qual seria o mal da inflação em 6% e não em 4%, dado que a regressividade da mesma não parece estar em vigor? Os salários reais estão crescendo...

Não me leve a mal, por favor, é uma pergunta de quem quer aprender.

Abs

Carla

Definição de Keynes para *desemprego involuntário*:
"Men are involuntarily unemployed If, in the event of a small rise in the price of wage-goods relatively to the money-wage, both the aggregate supply of labour willing to work for the current money-wage and the aggregate demand for it at that wage would be greater than the existing volume of employment."

Pergunta: essa definição, algo confusa, seria consistente com a afirmativa de que um aumento da inflação provoca desemprego???

Olha, o salário real está aumentando, o salário médio real está aumentando e o salário mínimo real está aumentando. Não posso descer além disso, mas há fortes indícios de que o salário mínimo serve como farol para salários imediatamente abaixo dele mesmo...

De qualquer forma, não cheguei à conclusão nenhuma (desculpe se pareceu isso). Mas apenas gostaria de entender melhor o argumento...

Abraço

Carla

Alex, o Nakano te deu de graça um tema para próximo artigo. Como você certa vez disse, "não se furte da missão civilizatória", por obséquio. O público agradece.
Abs

Carla, vou tentar te responder de forma amadora, enquanto alguém mais capacitado não se manifesta.
A produtividade faz com que cresçamos mais. Se ela é baixa, ou decrescente, cresceremos pouco. Então para crescermos mais, geraremos inflação ou/e deficit externo e os limites de uma economia aparecem. Então estamos ficando mais frágeis.
Mas a pergunta boa é: por quanto tempo podemos ficar, neste modelo manteguiano, com desemprego baixo?
Thomaz

Bela pergunta, Claudia. Responde, Alex.

Jonnhy

Claudia, os salarios medios realmente tem crescido em termos reais. Mas o problema ocorre quando o salario real cresce acima da produtividade, pois o custo unitario do trabalho aumenta.

Carla,
Desemprego e inflação esperada são fenômenos independentes. Eu estou sem tempo (e pelo visto, o restante dos leitores também) para te explicar didaticamente isto. Mas o Alex já escreveu um sem número de colunas sobre isto. Procure por expectativas inflacionárias ou metas de inflação entre os posts dele.
Espero ter ajudado!

Carla: "Mas pensando melhor sobre o assunto, percebo que na atual conjuntura da economia brasileira, a inflação não tem sido um imposto regressivo. Pelo contrário, ela está diretamente associada à distribuição de renda (salário real crescendo acima da produtividade é distribuição).
Portanto, qual seria o mal da inflação em 6% e não em 4%, dado que a regressividade da mesma não parece estar em vigor? Os salários reais estão crescendo...

O mal é que esse tipo de dinâmica (resultante de intervenção direta do governo na economia) não é sustentável e será necessariamente interrompida.
Quando isso ocorrer, a inflação resultante fará desaparecer os eventuais ganhos de agora.
Meus dois centavos ...

O Mantega recentemente esclareceu sua opinião sobre salários nominais e inflação:

“Mesmo que haja inflação, o importante é que o poder aquisitivo da população [salários nominais] esteja crescendo mais do que essa inflação que ocorre normalmente todo ano.”

Eu tratei a questão no meu site, para quem estiver interessado:

http://www.vitorwilher.com/economia/inflacao/por-que-a-inflacao-esta-alta-no-brasil/

Abs
Vítor