“Brasil sofre de inércia inflacionária, qualquer um que tenha lido o trabalho do Persio Arida sabe disso.
Qualquer economista de formação razoável sabe que conseguir uma meta abaixo de 4,5%, o governo vai ter que subir o juro nominal para alcançar uma meta mais baixa.”
Vamos mostrar como economistas com formação razoável (categoria que, obviamente, não inclui o autor da pérola, expressa neste português sofrível) podem chegar à conclusão que a afirmação acima é cretina. Para isto, como economistas de formação razoável, usaremos um modelo que nos permita tratar do problema, endereçando explicitamente a questão da inércia inflacionária, sem, porém, cometer erros de consistência como fariam economistas de formação nada razoável. Trata-se do mesmo modelo que usei lá atrás (http://maovisivel.blogspot.com/2009/04/ainda-o-fardo-do-economista-neoclassico.html) para ilustrar como a má gestão da política monetária pode levar à raiz unitária na inflação, mas com uma mudança relevante.
A principal alteração ocorre na curva de Phillips, que, no presente contexto, é formulada como um caso mais geral, no qual a inflação hoje, p(t), depende da inflação passada, p(t-1) (talvez pela existência de mecanismos de indexação), da expectativa (racional) da inflação futura, E[p(t+1)], e do hiato corrente [h(t)], além de um choque de oferta e(t), suposto ruído branco.
p(t) = qp(t-1) + (1-q)E[p(t+1)] + fh(t) + e(t) ; q(0,1) (1)
A demanda, a exemplo modelo original, é modelada como uma IS, onde o hiato do produto reage ao desvio da taxa real de juros com relação à taxa neutra (r) e a um choque de demanda u(t), também suposto ruído branco.
h(t) = -c[i(t) – E[p(t)] - r] + u(t) (2)
Já o BC é modelado como uma regra de Taylor genérica: ele ajusta os desvios da taxa nominal de juros relativamente ao nível neutro de acordo com os desvios esperados da inflação com relação à meta p* e do hiato do produto:
i(t) = r + E[p(t)] + a[E[p(t)]-p*] + bE[h(t)] (3)
Suponho aqui que a>0 (senão, como já sabemos, a inflação passa a ter raiz unitária, não pela existência de inércia, mas pela resposta insuficiente de politica monetária, como mostrado no post original).
Substituindo (3) em (2) e tirando as expectativas, temos a seguinte expressão para o valor esperado do hiato:
E[h(t)] = -[ca/(1+cb)] [E[p(t)]-p*] (4)
Tirando as expectativas de (1) e usando (4) achamos a seguinte expressão para as expectativas da inflação corrente:
E[p(t)] = Kqp(t-1)+K(1-q)E[p(t+1)] + (1-K)p* (5)
onde K = [1+cb]/ [1+c(b+fa)] (6)
e Kq + K(1-q)+(1-K) = 1 (7)
Isto é, a expectativa de inflação corrente é uma média ponderada da inflação passada, da expectativa futura, e da meta de inflação. Não é difícil ver que, no caso q=0, o modelo volta a ser o anterior. De fato, (5) é uma equação muito semelhante à que aparecia no primeiro modelo (nem poderia ser diferente), embora sua solução seja algo mais complicada, pois se trata de uma equação a diferenças finitas de segunda ordem (no caso original era de primeira). Para quem preferir se aventurar, sugiro o apêndice ao capítulo 5 do Blanchard & Fischer, onde se discutem dois métodos de solução para este tipo de equação (eu uso fatorização, mas deve dar a mesma coisa pelos coeficientes indeterminados). Quem quiser a solução passo-a-passo me peça por e-mail (alexandre.schwartsman@hotmail.com) que eu mando a nota.
Se a meta de inflação for constante, a solução de (5) é:
E[p(t)] = wp(t-1) + (1-w)p* (8)
onde w é a raiz (menor que um) da seguinte equação de segundo grau:
x^2 – [1/K(1-q)]x + q/(1-q) = 0 (9)
Vale dizer, a expectativa corrente é uma média ponderada da inflação passada e da meta. Como w<1,>
Isto dito, vejamos agora o que ocorre se a meta de inflação para o segundo período for reduzida de p* para (p*- v), válida para todos os demais períodos também. Neste caso, pode-se mostrar que a nova expectativa de inflação corrente seria:
E[p(t)] (nova) = wp(t-1) + (1-w)p* - [(1-w)w(1-q)/q]v (10)
(Dica: divida a PG infinita com razão inferior a 1 que aparece na solução de (8) em duas: uma com a meta original de inflação começando do período zero, outra com a redução da meta começando no período 1; quem preferir, mande um e-mail e eu mando a solução):
ou:
E[p(t)] (nova) = E[p(t)] - [(1-w)w(1-q)/q]v (10a)
Ou seja, reduzindo-se a meta para um período à frente (e a mantendo no novo patamar daí por diante), a expectativa de inflação corrente cai relativamente à que prevaleceria no caso de uma meta constante.
Consequentemente, se o BC segue o princípio de Taylor (i.e., a>0), as taxas nominais de juros caem mais do que a expectativa de inflação, ou seja, a taxa real de juros cai, o que deve elevar o nível de produto corrente. De fato, por (4) sabemos que o hiato de produto depende da diferença entre expectativas e meta correntes. Como a expectativa corrente cai relativamente ao caso de meta futura mais alta, a diferença entre o expectativa do hiato de produto sob a meta mais baixa e a expectativa original é dada por:
E[h(t)] (nova) - E[h(t)] = [ca/(1+cb)] [(1-w)w(1-q)/q]v>0 (11)
Vale dizer, mesmo no caso de inércia (ou persistência) inflacionária, uma redução da meta futura de inflação tem efeitos expansionistas sobre a atividade corrente (são efeitos temporários, é bom que se diga, pois no período seguinte a inflação esperada já se ajustou à nova meta, mas inequivocamente positivos).
A redução da meta para os períodos futuros implica redução da expectativa futura (desde que o BC siga o princípio de Taylor) e, portanto, redução da expectativa corrente. Isto se traduz, ao contrário do que o senso comum pouco informado (e que não se preocupa em verificar a lógica de suas afirmações) acredita, em expansão esperada da atividade e queda tanto das taxas nominais como das taxas reais de juros.
Ou seja, economistas com formação razoável primeiro testam a lógica de seus argumentos antes de proferi-los. Os demais ficam com um hálito marcante, refletindo a qualidade do que falam.