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terça-feira, 30 de junho de 2009

De volta à série "Testando os limites da cretinice"

"Brasília, 30 - O presidente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), Márcio Pochmann, avaliou, há pouco, que uma redução da meta de inflação pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) seria um erro para a economia brasileira porque implicará na adoção de uma política monetária mais restritiva. Segundo ele, interromper ou suavizar agora o processo de queda da taxa Selic não é adequado para o quadro recessivo da economia."

É impressionante como, mais de 30 anos depois de Friedman e Phelps, 25 anos depois de Lucas e Sargent, ainda há "economistas" que continuam a ignorar o papel das expectativas de inflação e a acreditar que há uma troca estável entre inflação e crescimento.

Por outro lado, vocês devem lembrar que, num post abaixo (http://maovisivel.blogspot.com/2009/05/uma-pergunta-ou-varias.html), detaquei uma consequência metodologicamente importante da hipótese das expectativas racionais, qual seja, impor ao modelista a disciplina de não criar agentes menos inteligentes que ele próprio (ou ela própria, é claro). Neste aspecto metodológico a declaração do Torquemada de Campinas é inatacável: ela é, sem dúvida, válida num modelo em que os agentes sejam tão cretinos quanto seu autor.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

O enigma do relógio quebrado

Chapeleiro Maluco: Por que um corvo se parece com uma escrivaninha? Alice: Desisto. Qual é a resposta? Chapeleiro: Eu não faço a menor ideia. Alice: Eu acho que você deveria fazer coisa melhor com seu tempo ao invés de gastá-lo com charadas que não têm resposta”.

Também não tenho a solução (“Poe escreveu sobre os dois” ainda me soa a melhor proposta desde 1865), mas, se alguém se interessa por enigmas surreais, passíveis de resposta, porém, eu saberia dizer por que a política fiscal no Brasil se assemelha a um relógio quebrado.

Porque, é claro, o relógio quebrado, não interessa a hora do dia, marca sempre a mesma hora, enquanto a política fiscal no Brasil, independente do momento do ciclo econômico, estimula continuamente a demanda doméstica. Assim, da mesma forma que, duas vezes ao dia, o relógio quebrado aparenta mostrar a hora certa, a política fiscal brasileira, neste momento recessivo, parece apresentar o sinal correto. Ademais, assim como um relógio quebrado não é a melhor solução para saber a hora certa, também nosso arranjo da política fiscal não é o mais apropriado para lidar com o ciclo de negócios.

Segundo dados divulgados pela Secretaria do Tesouro Nacional, o resultado primário do governo federal, corrigido pela inflação, encolheu cerca de R$ 32 bilhões nos quatro primeiros meses do ano relativamente ao mesmo período do ano passado. Destes, menos da metade (R$ 13 bilhões) se referem à queda da receita, associada à menor atividade econômica. A maior parte da expansão fiscal se deu pelo aumento do gasto público corrente (em torno de R$ 17,5 bilhões), enquanto parcela ínfima (pouco mais de R$ 1 bilhão) resultou do crescimento do investimento federal, a despeito da fanfarra em torno do PAC.

Note-se que este padrão está longe de ser acidental. Pelo contrário, a partir de 2006 (quando a STN passou a divulgar os números do investimento federal e, coincidentemente, o PAC foi lançado), os gastos correntes aumentaram cerca de R$ 78 bilhões (R$ 41 bilhões para funcionalismo e aposentadorias), enquanto o investimento cresceu modestos R$ 10 bilhões. Também não se trata de monopólio federal: no mesmo período as despesas correntes do estado de São Paulo cresceram R$ 24 bilhões, contra irrisórios R$ 5 bilhões adicionais de investimentos.

Em bom português, nossos governantes continuam a privilegiar um perfil de gastos que pouco adiciona à nossa capacidade de desenvolvimento, ao invés de aproveitar o espaço disponível para expansão fiscal com investimentos que acelerassem o crescimento potencial do país pela eliminação dos gargalos em infra-estrutura.

Por fim, o aumento do gasto corrente, ao contrário do que ocorre com o investimento, dificilmente poderá ser revertido quando a economia se recuperar. Apenas o dispêndio com funcionalismo federal e aposentadorias representou quase R$ 12 bilhões a mais nos quatro primeiros meses do ano e, como mencionado, R$ 41 bilhões adicionais a partir de 2006, gastos que não poderão ser reduzidos numa conjuntura distinta da economia, a menos de um aumento inesperado da inflação.

Vale dizer, quando a economia se recuperar, o impulso fiscal – que deveria existir tão-somente no momento de contração econômica – muito provavelmente persistirá e, pior, num contexto em que os ganhos em termos de crescimento potencial serão muito menores do que seriam possíveis caso o perfil do dispêndio público privilegiasse o investimento em infra-estrutura. Ao final das contas, de todo este gasto sobrará apenas o sorriso do gato de Cheshire.
(Publicado 24/Jun/2009)

sábado, 13 de junho de 2009

Maus hábitos e mau-hálito

“Brasil sofre de inércia inflacionária, qualquer um que tenha lido o trabalho do Persio Arida sabe disso.

Qualquer economista de formação razoável sabe que conseguir uma meta abaixo de 4,5%, o governo vai ter que subir o juro nominal para alcançar uma meta mais baixa.”

Vamos mostrar como economistas com formação razoável (categoria que, obviamente, não inclui o autor da pérola, expressa neste português sofrível) podem chegar à conclusão que a afirmação acima é cretina. Para isto, como economistas de formação razoável, usaremos um modelo que nos permita tratar do problema, endereçando explicitamente a questão da inércia inflacionária, sem, porém, cometer erros de consistência como fariam economistas de formação nada razoável. Trata-se do mesmo modelo que usei lá atrás (http://maovisivel.blogspot.com/2009/04/ainda-o-fardo-do-economista-neoclassico.html) para ilustrar como a má gestão da política monetária pode levar à raiz unitária na inflação, mas com uma mudança relevante.

A principal alteração ocorre na curva de Phillips, que, no presente contexto, é formulada como um caso mais geral, no qual a inflação hoje, p(t), depende da inflação passada, p(t-1) (talvez pela existência de mecanismos de indexação), da expectativa (racional) da inflação futura, E[p(t+1)], e do hiato corrente [h(t)], além de um choque de oferta e(t), suposto ruído branco.

p(t) = qp(t-1) + (1-q)E[p(t+1)] + fh(t) + e(t) ; q(0,1) (1)

A demanda, a exemplo modelo original, é modelada como uma IS, onde o hiato do produto reage ao desvio da taxa real de juros com relação à taxa neutra (r) e a um choque de demanda u(t), também suposto ruído branco.

h(t) = -c[i(t) – E[p(t)] - r] + u(t) (2)

Já o BC é modelado como uma regra de Taylor genérica: ele ajusta os desvios da taxa nominal de juros relativamente ao nível neutro de acordo com os desvios esperados da inflação com relação à meta p* e do hiato do produto:

i(t) = r + E[p(t)] + a[E[p(t)]-p*] + bE[h(t)] (3)

Suponho aqui que a>0 (senão, como já sabemos, a inflação passa a ter raiz unitária, não pela existência de inércia, mas pela resposta insuficiente de politica monetária, como mostrado no post original).

Substituindo (3) em (2) e tirando as expectativas, temos a seguinte expressão para o valor esperado do hiato:

E[h(t)] = -[ca/(1+cb)] [E[p(t)]-p*] (4)

Tirando as expectativas de (1) e usando (4) achamos a seguinte expressão para as expectativas da inflação corrente:

E[p(t)] = Kqp(t-1)+K(1-q)E[p(t+1)] + (1-K)p* (5)

onde K = [1+cb]/ [1+c(b+fa)] (6)

e Kq + K(1-q)+(1-K) = 1 (7)

Isto é, a expectativa de inflação corrente é uma média ponderada da inflação passada, da expectativa futura, e da meta de inflação. Não é difícil ver que, no caso q=0, o modelo volta a ser o anterior. De fato, (5) é uma equação muito semelhante à que aparecia no primeiro modelo (nem poderia ser diferente), embora sua solução seja algo mais complicada, pois se trata de uma equação a diferenças finitas de segunda ordem (no caso original era de primeira). Para quem preferir se aventurar, sugiro o apêndice ao capítulo 5 do Blanchard & Fischer, onde se discutem dois métodos de solução para este tipo de equação (eu uso fatorização, mas deve dar a mesma coisa pelos coeficientes indeterminados). Quem quiser a solução passo-a-passo me peça por e-mail (alexandre.schwartsman@hotmail.com) que eu mando a nota.

Se a meta de inflação for constante, a solução de (5) é:

E[p(t)] = wp(t-1) + (1-w)p* (8)

onde w é a raiz (menor que um) da seguinte equação de segundo grau:

x^2 – [1/K(1-q)]x + q/(1-q) = 0 (9)

Vale dizer, a expectativa corrente é uma média ponderada da inflação passada e da meta. Como w<1,>

Isto dito, vejamos agora o que ocorre se a meta de inflação para o segundo período for reduzida de p* para (p*- v), válida para todos os demais períodos também. Neste caso, pode-se mostrar que a nova expectativa de inflação corrente seria:

E[p(t)] (nova) = wp(t-1) + (1-w)p* - [(1-w)w(1-q)/q]v (10)

(Dica: divida a PG infinita com razão inferior a 1 que aparece na solução de (8) em duas: uma com a meta original de inflação começando do período zero, outra com a redução da meta começando no período 1; quem preferir, mande um e-mail e eu mando a solução):

ou:

E[p(t)] (nova) = E[p(t)] - [(1-w)w(1-q)/q]v (10a)

Ou seja, reduzindo-se a meta para um período à frente (e a mantendo no novo patamar daí por diante), a expectativa de inflação corrente cai relativamente à que prevaleceria no caso de uma meta constante.

Consequentemente, se o BC segue o princípio de Taylor (i.e., a>0), as taxas nominais de juros caem mais do que a expectativa de inflação, ou seja, a taxa real de juros cai, o que deve elevar o nível de produto corrente. De fato, por (4) sabemos que o hiato de produto depende da diferença entre expectativas e meta correntes. Como a expectativa corrente cai relativamente ao caso de meta futura mais alta, a diferença entre o expectativa do hiato de produto sob a meta mais baixa e a expectativa original é dada por:

E[h(t)] (nova) - E[h(t)] = [ca/(1+cb)] [(1-w)w(1-q)/q]v>0 (11)

Vale dizer, mesmo no caso de inércia (ou persistência) inflacionária, uma redução da meta futura de inflação tem efeitos expansionistas sobre a atividade corrente (são efeitos temporários, é bom que se diga, pois no período seguinte a inflação esperada já se ajustou à nova meta, mas inequivocamente positivos).

A redução da meta para os períodos futuros implica redução da expectativa futura (desde que o BC siga o princípio de Taylor) e, portanto, redução da expectativa corrente. Isto se traduz, ao contrário do que o senso comum pouco informado (e que não se preocupa em verificar a lógica de suas afirmações) acredita, em expansão esperada da atividade e queda tanto das taxas nominais como das taxas reais de juros.

Ou seja, economistas com formação razoável primeiro testam a lógica de seus argumentos antes de proferi-los. Os demais ficam com um hálito marcante, refletindo a qualidade do que falam.

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Câmbio, scotch e água tônica

Certas afirmações sobre a recente apreciação do câmbio no Brasil me lembram uma velha história. Um cientista, apreciador de bebidas mais fortes, resolveu testar o que causava suas monumentais ressacas. Assim, na segunda-feira tomou gim e tônica, sofrendo a inevitável ressaca. Na terça, uísque e tônica, com as mesmas consequências. Na quarta, cachaça e tônica, enquanto na quinta e sexta foram testadas tequila e tônica seguidas de Bourbon e tônica. No sábado, confiante, apesar da cabeça latejando, concluiu: a causa da ressaca é a água tônica.

Já nossos keynesianos de quermesse (incluindo os que em dezembro, com o dólar a R$ 2,40, reclamavam da depreciação excessiva da moeda) apontam a taxa de juros como o fator que tem levado ao fortalecimento do real, aparentemente alheios ao fato do diferencial entre o juro brasileiro e o americano ser hoje menor do que há alguns meses, quando o real era bem mais fraco. De fato, em dezembro o diferença de taxas era 13,5%, caindo para algo como 10%. Se o juro explica tudo e era maior lá atrás, por que a moeda só se valorizou agora?

Mas, se não é a água tônica, o que poderia estar causando o barateamento do dólar? A primeira coisa a notar é que este fenômeno não é local, mas nitidamente global. Assim, o índice DXY, que mede o valor do dólar contra uma cesta de seis moedas (euro, iene, libra, dólar canadense, coroa sueca e franco suíço) mostra uma queda de quase 11% da moeda norte-americana nos últimos três meses.

Isto dito, a apreciação do real é mais intensa que a depreciação global do dólar, o que poderia sugerir que, ao final da história, a taxa de juros teve um papel relevante. Mas não. O gráfico mostra o desempenho das moedas importantes que mais se fortaleceram no ano, do real ao dólar neozelandês. Não parece ser possível atribuir este desempenho às taxas de juros, pois, além de muito diferentes entre si, houve em todos os países uma redução expressiva do diferencial de juros. Por outro lado, à exceção da libra esterlina, todas as campeãs guardam uma característica comum: são moedas de países exportadores de commodities.

O gráfico mostra também a evolução dos preços de commodities em 2009, medido pelo índice CRB, que revela uma apreciação da ordem de 16% no período, não muito distinta do desempenho das moedas. Da mesma forma, quando preços de commodities caíram quase 25% no último trimestre do ano passado, as moedas-commodities despencaram, apesar do aumento do diferencial de taxa de juros então observado.

Isto não significa que a redução dos juros que já vem acontecendo, associada à melhora das perspectivas inflacionárias, não possa ter algum impacto sobre o câmbio, ainda que insuficiente para compensar a melhora do ambiente externo. O fundamental, porém, é não perder de vista que o BC possui apenas um instrumento, a taxa de juros, que deve continuar a ser guiada pelo compromisso com a meta de inflação, e não pela tentativa (inútil) de fixação da taxa de câmbio, como tentado no passado. A alternativa é ressaca na certa.

(Publicado 9/Jun/2009)