Há pouco mais de três anos discutiu-se o plano de ajuste fiscal de longo prazo. O projeto, preparado pelo Ministério do Planejamento e pelo saudoso Ipea, previa uma estratégia de redução do gasto corrente do governo federal com o objetivo de ampliar o espaço para o investimento público e acelerar a queda da relação dívida-PIB. O programa, porém, foi fulminado no nascedouro (classificado como “rudimentar”), como mostra a evolução desapontadora do gasto corrente federal desde então. No entanto, caso o projeto tivesse sido implantado, o espaço para a política fiscal anticíclica, hoje praticamente ausente, seria consideravelmente maior.
Conforme apresentada à época, a proposta sugeria uma modesta redução do gasto corrente medido com relação ao PIB: 0,1% do PIB por ano, a ser posta em prática a partir de 2006. Note-se que naquele ano o gasto corrente atingiu 16,1% do PIB, de modo que, caso tivéssemos levado adiante o ajuste, em 2008 a despesa corrente teria se limitado a 15,8% do PIB. Observamos, porém, gastos correntes da ordem de 16,7% do PIB no ano passado (e mais ainda este ano), o que já nos dá uma noção da falta de controle, melhor aferida, entretanto, pela trajetória da dívida pública.
Nossos cálculos revelam que, mesmo supondo que as taxas de juros observadas não se alterassem (o que certamente não seria verdade, pois com gasto público mais baixo o juro também cairia), a dívida teria ficado em 33,8% do PIB no ano passado, 2% do PIB inferior à observada.
Todavia, por mais importante que seja a redução mais rápida da dívida, a consequência mais relevante para as atuais circunstâncias não se refere ao balanço do governo, e sim à sua capacidade de reação face à crise internacional.
Assim, duas semanas atrás o governo divulgou suas novas metas fiscais, bastante inferiores às com que havia se comprometido por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008. Ao invés de gerar um saldo primário equivalente a 2,5% do PIB, o governo federal agora promete 1,4% do PIB, o que poderia gerar alguma esperança quanto ao papel da política fiscal como arma de resposta à crise.
Ledo engano. Parcela considerável da redução da meta de superávit para este ano reflete a mera queda da arrecadação, que estimamos da ordem de 1% do PIB. Some-se a isto a expansão já contratada do gasto corrente (previdência e funcionalismo) e é difícil escapar à conclusão que, mesmo para atingir a meta fiscal mais baixa, o governo federal teria que sacrificar seus investimentos. Como possivelmente não o fará, o teorema do cobertor curto sugere que sacrificada será a nova meta.
Caso, porém, tivéssemos controlado o gasto corrente, nosso cobertor seria bem maior. Num cenário em que a despesa corrente houvesse sido limitada a 15,8% do PIB – como previsto no ajuste fiscal de longo prazo – mesmo uma queda da arrecadação como a esperada para este ano ainda permitiria atingir a meta original de superávit com o investimento federal na casa de 1,4% do PIB, 40% acima do observado no ano passado e o dobro do investimento realizado em 2006. Já a redução da meta para 1,4% do PIB permitiria que o investimento federal chegasse a 2,5% do PIB.
Vale dizer, uma política fiscal realmente anticíclica teria se preocupado em criar as condições para expansão do investimento público no período recessivo por meio da contenção, mesmo modesta, do gasto corrente nos anos de prosperidade. “Rudimentar” foi a decisão de não levar adiante um programa que nos colocaria hoje em condições muito melhores de combater a crise.
(Publicado 29/Abr/2009)
Conforme apresentada à época, a proposta sugeria uma modesta redução do gasto corrente medido com relação ao PIB: 0,1% do PIB por ano, a ser posta em prática a partir de 2006. Note-se que naquele ano o gasto corrente atingiu 16,1% do PIB, de modo que, caso tivéssemos levado adiante o ajuste, em 2008 a despesa corrente teria se limitado a 15,8% do PIB. Observamos, porém, gastos correntes da ordem de 16,7% do PIB no ano passado (e mais ainda este ano), o que já nos dá uma noção da falta de controle, melhor aferida, entretanto, pela trajetória da dívida pública.
Nossos cálculos revelam que, mesmo supondo que as taxas de juros observadas não se alterassem (o que certamente não seria verdade, pois com gasto público mais baixo o juro também cairia), a dívida teria ficado em 33,8% do PIB no ano passado, 2% do PIB inferior à observada.
Todavia, por mais importante que seja a redução mais rápida da dívida, a consequência mais relevante para as atuais circunstâncias não se refere ao balanço do governo, e sim à sua capacidade de reação face à crise internacional.
Assim, duas semanas atrás o governo divulgou suas novas metas fiscais, bastante inferiores às com que havia se comprometido por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008. Ao invés de gerar um saldo primário equivalente a 2,5% do PIB, o governo federal agora promete 1,4% do PIB, o que poderia gerar alguma esperança quanto ao papel da política fiscal como arma de resposta à crise.
Ledo engano. Parcela considerável da redução da meta de superávit para este ano reflete a mera queda da arrecadação, que estimamos da ordem de 1% do PIB. Some-se a isto a expansão já contratada do gasto corrente (previdência e funcionalismo) e é difícil escapar à conclusão que, mesmo para atingir a meta fiscal mais baixa, o governo federal teria que sacrificar seus investimentos. Como possivelmente não o fará, o teorema do cobertor curto sugere que sacrificada será a nova meta.
Caso, porém, tivéssemos controlado o gasto corrente, nosso cobertor seria bem maior. Num cenário em que a despesa corrente houvesse sido limitada a 15,8% do PIB – como previsto no ajuste fiscal de longo prazo – mesmo uma queda da arrecadação como a esperada para este ano ainda permitiria atingir a meta original de superávit com o investimento federal na casa de 1,4% do PIB, 40% acima do observado no ano passado e o dobro do investimento realizado em 2006. Já a redução da meta para 1,4% do PIB permitiria que o investimento federal chegasse a 2,5% do PIB.
Vale dizer, uma política fiscal realmente anticíclica teria se preocupado em criar as condições para expansão do investimento público no período recessivo por meio da contenção, mesmo modesta, do gasto corrente nos anos de prosperidade. “Rudimentar” foi a decisão de não levar adiante um programa que nos colocaria hoje em condições muito melhores de combater a crise.
(Publicado 29/Abr/2009)