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terça-feira, 15 de abril de 2008

Uma idéia “muy amiga”

A usina de más idéias não parece fechar. Seu mais recente produto é a proposta de alteração do modus operandi do Banco Central, que, ao invés de ter a inflação como meta, passaria a ajustar a política monetária com o objetivo de manter a taxa de câmbio a níveis considerados “competitivos”. Não é preciso, porém, sequer entrar na controvérsia sobre qual é o nível “competitivo” do câmbio (os iluminados que hoje juram que o câmbio de equilíbrio é de R$ 2,30 contra o dólar previram uma crise do balanço de pagamentos quando o câmbio baixou a menos de R$ 3,50) para mostrar que esta idéia não faz o menor sentido, como frequentemente acontece nestas plagas.

Há nela um problema primário: confunde a taxa nominal de câmbio (a cotação da moeda) com a taxa real de câmbio, aquela ajustada pela diferença da inflação entre países. Implícita à idéia há a noção de que o BC pode fixar a taxa real de câmbio, isto é controlar a taxa nominal e, simultaneamente, a inflação, mas, como veremos, trata-se de uma impossibilidade.

Não é difícil controlar a taxa nominal de câmbio. No limite o BC sempre pode fixá-la, ou, mesmo que não a fixe formalmente, pode, pela compra e venda de moeda estrangeira, devidamente apoiada pela política monetária, manter a taxa de câmbio no patamar que desejar. O truque está na definição da política monetária: a taxa interna de juros (ajustada pelo risco) não pode ser diferente da taxa internacional de juros. Se for superior à taxa internacional a moeda tende a se apreciar e, se for inferior a esta, a taxa tende a se depreciar.

Note-se que, em tal situação, não há decisão sobre a taxa local de juros, pois ela sempre será balizada pela taxa internacional, isto é, sob regimes de câmbio (quase) fixo a política monetária deixa de ser autônoma. No entanto, não há garantia alguma que a taxa de juros consistente com determinado patamar da taxa de câmbio também seja congruente com o equilíbrio interno, um fenômeno que uma breve olhada a sul da fronteira pode iluminar.

Assim, no período 1999-2001 a Argentina, sob o regime da conversibilidade, precisou conviver com taxas reais de juros extremamente elevadas, refletindo os prêmios de risco externo, passando por três anos de deflação até o colapso final. Agora, sob condições antípodas (preços de exportação em alta e taxa internacionais mais baixas) o problema é exatamente o oposto, ou seja, a inflação se acelera rapidamente. Como há sérios reparos à qualidade da medida de inflação (oficialmente 8,8% até março), devemos usar uma medida alternativa, o deflator do PIB, segundo o qual a inflação se encontrava próxima a 18% ao final de 2007.

Isto dito, se a inflação local supera, em muito, a externa, a taxa real de câmbio na Argentina deve ter se apreciado, a despeito da estabilidade da taxa nominal de câmbio (entre $ 3,10-3,15 por dólar). De fato, usando o deflator do PIB como medida de inflação, podemos mostrar que a taxa real de câmbio na Argentina se apreciou cerca de 20% desde o final de 2004.

A experiência argentina com metas para a taxa de câmbio está, pois, levando aquela economia ao descontrole inflacionário, sem evitar a apreciação da moeda em termos reais, apesar de seu gasto primário crescer menos de 4% a.a. descontada a inflação. Imaginem o efeito da adoção deste regime num país cujo gasto primário cresce 9% a.a. acima da inflação. É mesmo uma proposta “muy amiga”...



(Publicado 16/Abr/2008)

20 comentários:

Alex,

Vc está assumindo mobilidade de capitais (ao menos parcial) no seu artigo. Com mobilidade de capitais não há o que questionar na sua análise: as autoridades econômicas ou mantém o controle sobre a política monetária ou sobre a política cambial. Não há como manter o controle sobre as duas variáveis simultaneamente. No entanto, sob um regime de controle de capitais, me parece ser possível manter controle sobre a política monetária e cambial simultaneamente. Imagino que esta seja a crítica mais consistente que os desenvolvimentistas de quermesse mais sofisticados podem oferecer à sua análise!

Sds,
Ed

Ed:

Se o controle de capitais for perfeito (zero de mobilidade), aí sim. Se não, na melhor das hipóteses, o controle sobre política monetária também será parcial. Diga-se, há controle de capitais na Argentina e, ainda assim, não há controle monetário.

Isto dito, voltamos à discussão anterior sobre mobilidade de capitais, em particular:

(1) Queremos restringir a mobilidade de capitais?

O melhor caso para restrição é o argumento do Rodrik sobre ser um "second best" no caso de má regulamentação/fiscalização financeira. Não me parece ser o caso brasileiro (o ingresso de capitais não parece estar alimentando uma bolha de crédito nos bancos, nem as empresas brasileiras parecem estar se endividando em moeda estrangeira em excesso à sua capacidade de pagamento em moeda estrangeira).

Em condições normais de temperatura e pressão, a restrição à entrada de capitais é pior no sentido Pareto.

(2) Conseguimos impedir a entrada de capitais?

Eu não acredito que consigamos depois da integração do sistema financeiro local ao internacional. Antes da integração pode haver alguma chance. À luz disso, poderíamos até responder afirmativamente à primeira pergunta, mas isso não resolveria o problema.

Um ponto final: concretamente a proposta de mudar o regime monetário-cambial vem de setores que têm como objetivo justamente BAIXAR as taxas domésticas de juros. Eles não pensam em impor controles de capital para permitir que taxas de juros mais altas possam controlar a inflação doméstica.

Apareça sempre.

Abs

Alex

Caro Alexandre,

Você já olhou a última nota técnica do IPEA (http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/publicacoes/notastecnicas/notastecnicas15.pdf)
Então por que aumentar os juros? Se a produtividade está aumentando e os salários não? Ademais, as pressões inflacionárias dos alimentos podem ser só saras ruins.

Att,
Adolpho.

É muito ruim essa idéia dos quermesseiros...

Digamos que fizéssemos uma mudança de política monetária que levasse a taxa de câmbio com o dólar para 2,30 – isso corresponderia a uma desvalorização de uns 25%. O efeito na inflação na hipótese mais otimista seria de uns 2,5% entretanto o efeito na inflação de alimentos seria provavelmente acima de 10%, o que provavelmente eroderia muitos dos ganhos recentes de renda real dos mais pobres.

Daí entra o tempero porteño: para evitar o efeito redistributivo xerife de Sherwood do aumento da inflação, vai haver uma pressão forte dos sicsus para adotarmos taxas de exportação, controle de preços ou outra bruxaria no setor de alimentos.

Em outras palavras, estaríamos sofrendo de efeito orloff retardado. Antigamente, nós pegávamos as ressacas dos argentinos por seguirmo-los em suas políticas equivocadas antes destas terem obviamente fracassado (ex: planos austral e cruzado). Agora, nós estaríamos pulando no barco furado dos hermanos depois de termos observado que eles têm água até o joelho... Genial.

Mas falando sério, duvido, mas duvido mesmo que o Lula autorize uma aventura destas - de burro ele não tem nada.

“O”

Caro Adolpho,

O argumento da nota tecnica do IPEA, com todo respeito, nao tem pe nem cabeca.

Eh irrelevante que os salarios reais tenham crescido menos que a produtividade.

A questao eh que a absorcao interna (consumo + investimento) tem crescido mais do que o produto.

Mesmo se a produtividade estivesse crescendo a 20% ao ano e os salarios a 0%, um descompasso entre absorcao interna e produto ainda clamaria por um aperto na politica monetaria OU fiscal.

(Uma questao: os economistas do IPEA construiram esse argumento porque sao mal treinados em macroeconomia e nao sabem do que estao falando, ou porque estavam mentindo descaradamente em uma peca de propaganda. Pagaria uma fortuna para entender o que se passa na cabeca dos coitados que escreveram aquela nota tecnica)

Sabendo que aperto fiscal nao vai acontecer, ou acreditando que mesmo se acontecesse, demoraria mais para afetar os precos da economia do que um aperto na SELIC, a ultima linha de defesa eh o COPOM mesmo.

"O"

"O":

Perfeito. O problema porteño é exatamente este. Para corrigir o problema inflacionário aprofundaram os problemas micro e muito do que vemos hoje em termos de protestos, graves distorções, desabastecimento, apagão, etc, pode ser devidamente rastreado nos controles de preços e outras bruxarias.

O que me mata é o que você falou. Se ainda não estivesse fazendo água, talevz desse para desculpar aqueles com menor capacidade analítica (portanto sem habilidade de ver onde o barco iria dar). Do jeito que está hoje, só mesmo o Bresser pode continuar a defender o modelo argentino, uma vez que realidade é um mero incômodo para ele.

Sobre o manifesto do Ipea... Não tenho tempo, mas volto a ele logo que conseguir. Poucas vezes vi tantas asneiras disputando o mesmo pedaço de papel. De qualquer forma, a linha é esta que você mostrou.

Abs

Alex

"A discussão toda do debate entre ortodoxos e keynesianos reside no fato de que não existe, a não ser em casos muitíssimos especiais (o que não aconteceu na década de 80), excesso de demanda."

O autor é um economista heterodoxo educado e honesto. A frase está no site www.desempregozero.org

Como vocês podem estar criticando a política econômica argentina? É mole segurar a inflação, e só não deixar exportar. Como está sobrando capacidade produtiva (sempre está), é tranquilo acelerar a demanda e não ter inflação.

Pretend you're happy when you're blue
It isn't very hard to do
And you'll find happiness without an end
Whenever you pretend

Nat King Cole foi o melhor economista heterodoxo de todos os tempos.

Pedro,

Eu jah lhe disse para nao perder tempo com essa turma... Voce tem um doutorado lhe esperando e nos proximos 4-5 anos nao vai encontrar na sua frente nenhum debatedor do nivel de nossos heterodochos. Eh como se voce estivesse se preparando mentalmente para lutar com um jiujutseiro de 100 quilos chutando o traseiro do seu sobrinho de 5 anos.

"O"

PS: Adorei a referencia ao NKC

Por falar em heterodoxo educado, vcs viram o texto de um certo José Assis hoje no Valor?

Ainda no Valor, Pókèmon voltou à carga.

Este é maluco com certificado. Só ver a que instituição pertence.

Abs

Alex

Por definição, é realmente impossível controlar a taxa de câmbio real, uma vez que ela é uma variável de chegada.
Outro ponto que concordo é que não há autonomia da política monetária em câmbio fixo...no entanto, parece que não há estabilidade nem em câmbio flutuante (poderia comentar?). Na economia brasileira, o câmbio (nominal) é totalmente condicionado à taxa de juros para assegurar estabilidade inflacionária, mas não monetária. Inclusive, a preocupação do impacto do câmbio na estrutura produtiva (relação intersetorial) é pequena, pelo menos no Bacen.
Fica a provocação...a estabilidade monetária em uma economia de moeda inconversível deve / ou é possível de ser buscada?

"(1) Queremos restringir a mobilidade de capitais?

O melhor caso para restrição é o argumento do Rodrik sobre ser um "second best" no caso de má regulamentação/fiscalização financeira. Não me parece ser o caso brasileiro (o ingresso de capitais não parece estar alimentando uma bolha de crédito nos bancos, nem as empresas brasileiras parecem estar se endividando em moeda estrangeira em excesso à sua capacidade de pagamento em moeda estrangeira)."

Alexandre,

Não recordo o artigo, mas a visão do Rodrik é que a acumulação de reservas por si só em uma economia como a brasileira não é capaz de conter a valorização do câmbio diante de entradas de capitais. Diante disso, ele chega a falar de controle de mobilidade sim (tanto fala que o Rodrik cada vez mais é citado em papers e justificativas ortodoxas e o incomôdo que ele vem gerando entre os ortodoxos é grande). E a recomendação de controles, no momento atual, não é para conter bolhas de crédito ou dívida, mas para intervir na trajetória do câmbio, pensando que ele pode ter um efeito perverso na estrutura produtiva.

Citar o Rodrik pode complicar o argumento cada vez mais...

Anônimo:

A menos que você me diga no que estabilidade monetária difere de estabilidade inflacionária (e por que eu deveria tratá-las diferentemente) fica difícil entender a pergunta.

Outro (ou o mesmo) Anônimo:

Não dê tanto crédito ao Rodrik. Ele gosta de se posar de "heterodoxo" (senão ninguém pretaria atenção no que ele fala), mas, mesmo as propostas mais ousadas dele, quando não erradas, são exatamente aquilo que o "mainstream" recomenda.

De fato ele sugere controle de capitais como "second best" para regulamentação e fiscalização financeira, o que motivou meu comentário (alguns posts atrás) sobre o curioso regulador Rodrikeano, que é um gênio para impedir entrada de capitais, mas um cretino completo da hora de regular e fiscalizar o sistema financeiro.

Quanto ao argumento sobre taxas de câmbio, bem, aí a coisa fica ainda pior. Meu amigo Samuel Pessôa mandou um email para o Rodrik notando que todo argumento dele se baseava em aumentar a poupança doméstica para desvalorizar a taxa de câmbio (nada mais "ortodoxo" qie isto, certo? Aliás, mostro num post abaixo exatamente como se obtém este resultado), ao que o Rodrik respondeu: "You are right".

Belo heterodoxo...

Alex,

Leu o artigo do PNBJ na Folha de hoje? Ele pede desculpas aos leitores por escrever artigo mais "técnico" (fraquinho...) e rebate o aumento dos juros como forma eficiente de controlar a inflação. Ocorre que acaba seu texto sem falar qual seria a forma correta de combater a elevação dos preços, uma vez que ele aceita que estes se elevaram. Então me pergunto: a)keynesianos de araque aceitam conviver com a inflação (visão cepalina)? b)keynesianos de quermesse (mesma categoria) têm vergonha de sugerir uma redução nos gastos públicos?

Abç.

M.

Alexandre, a questão de controle do câmbio para segurar a inflação parece ser uma das mais frágeis no conjunto de bobagens da quermesse. Mesmo os pontos do Rodrik sobre "queremos controlar capitais" não são grande coisa, como você discutiu.

Gostaria de saber, porém, se você conhece algum estudo sobre controle direto do crédito (como a China gosta de fazer), o que, a princípio, pode diminuir a necessidade de uso da SELIC para controlar a inflação. Tal política tem alguns custos óbvios: a diminuição da eficiência na alocação de crédito e, em geral, a substituição do consumo privado pelo consumo público. Ainda assim, pode beneficiar particularmente países com grande parte da dívida pública em títulos pós-fixados, como o caso do Brasil. Você conhece/já fez algum estudo comparando custos e benefícios?

"O": relaxe, não vou mais perder tempo no site heterodoxo. Fui censurado sob a acusação de ser "defensor histórico das iniquidades socioeconômicas, escondido atrás de pseudônimos".

Abs a todos.

M:

O Bombinha (filho do Bombão) consegue ser pior que a média de keynesianos de quermesse. Não li o artigo dele ainda (estive fora a manhã toda) e já não gostei.

Obviamente ele não tem nada a dizer sobre inflação, já que a conclusão dele é sempre que o juro é alto demais.

Pedro:

Não conheço nenhum estudo. O problema com restrições quantitativas de crédito é a dificuldade de gerar dados que sejam minimamente comparáveis. Nem peço que sejam comparáveis entre países; na maior parte do tempo eles não são comparáveis na dimensão de séries de tempo...

Obviamente, a questão de dominância fiscal é um problema, mas me parece que a melhor forma de lidar com isto é reforçar o superávit primário por um lado e se engajar num processo de alongamento da duração da dívida pelo outro.

E você faz bem em evitar este tipo de debate. Bem vindo ao clube dos perversos.

Abs

Alex

Em resumo, o Bombinha disse que juros altos de fato reduzem a inflacao, que reduzir a inflacao eh bom, mas que o custo de se reduzir a inflacao via juros eh muito alto.

O paragrafo final em que ele concluiria que a politica fiscal deveria portanto ajudar no objetivo de conter a inflacao parece ter sido deletado, talvez devido ao pequeno espaco de sua coluna :)

"O"

Pedro,

Controle de credito? Vejamos... Suponha que o manteguinha decrete um limite a expansao do credito ao setor privado. Isso eh equivalente a desviar a poupanca que eh intermediada pelo setor financeiro para consumo, ativos externos, ou indiretamente para financiar mais gastos do governo.

Voltemos para o mundo real... No Brasil, se devido a um decreto do manteguinha, houvsse uma disponibilidade maior de recursos para financiar gastos do governo, voce acha que tais recursos seriam destinados a investimentos produtivos (boa essa!) ou para alimentar a corporacao?

Acho que isso eh tudo que temos que saber sobre controles de credito.

"O"

"O", concordo que, na prática brasileira, razões políticas tornariam controle de crédito uma opção ruim, mesmo que como instrumento auxiliar para controlar a inflação. Provavelmente significaria apenas substituir crédito às famílias e firmas por gastos públicos.

De forma mais abstrata, porém, não há motivo "a priori" para achar que o BC, ao usar a taxa de juros, está mais preocupado com o bem estar do que o ministério da fazenda. Economia política à parte, gostaria de conhecer alguma comparação entre o governo mirar preço ou volume, já que em tese há custos e benefícios em cada possibilidade. Há algumas razões óbvias para preferir o uso da taxa de juros no sistema de metas (facilidade para ancorar expectativas, sintonia fina mais precisa), mas lidar com volume diretamente possibilita preservar a dívida pública. Não sei dizer qual o custo imposto pela variância que uma dívida pública pesadamente pós-fixada sofre, e o impacto disso sobre a estabilidade.

Claro que, em horizontes mais longos, o ideal é simplesmente melhorar o perfil da dívida. Mas como instrumento pontual, e ignorando completamente questões políticas, não sei avaliar a validade de controle de crédito.

Abs

Mas Pedro, eu me pergunto, como vamos fazer esse controle de credito? Quais os instrumentos? Quando que controle de credito NAO eh o mesmo que aumentar os juros?

Entendo o problema da divida indexada a SELIC. Tal problema pode ser resolvido com uma politica fiscal de superavits mais agressiva, que reduza a divida liquida e derrube os juros prefixados. Controle de credito parece-me mais um third best, mesmo antes de fatorarmos os problemas de economia politica.