Seguindo o que fiz abaixo, destaco aqui os argumentos que foram colocados acerca da questão câmbio X desenvolvimento. O Ed (Eduardo) tem uma visão mais positiva acerca da capacidade do câmbio real acelerar o crescimento (com ressalvas que ele, muito honestamente, explicita no caso do Brasil). Já "O" Anônimo, M. e Pedro têm uma visão mais cética.
Eu confesso pender para o ceticismo. Acho o argumento das externalidades um bom começo, mas não mais que isto. Há uns anos, final dos 80 e começo dos 90, a geografia econômica passava por uma fase de ebulição, muito ligada ao trabalho do Krugman, que - como extensão da nova teoria do comércio - chamava a atenção para a interação entre economias de alglomeração e custos de transporte para explicar o surgimento de cidades. Um físico (agora não vou lembrar o nome dele e não acho nos meus livros o relato desta discusão) presente a um destes seminários veio com a seguinte pergunta: "Vocês querem explicar a aglomeração supondo a existência de economias de aglomeração? Que explicação é esta?" (também não deve ser literal, estou citando de memória e minha memória já foi melhor; de qualquer forma era algo parecido com isto).
Vale dizer, depois do rodeio, que não basta supor a externalidade. Acredito que devamos ir mais fundo: o que são estas externalidades? como se manifestam? como podemos atuar para corrigí-las, i.e., via câmbio fraco, ou subsídios diretos seriam mais efetivos e menos distorcivos? Qual o custo da intervenção vis-à-vis a não-intervenção(boa parte disto é a discussão do Pedro). Entramos, pois, no território da indústria nascente, mas isto não equivale a partir do pressuposto que o mercado está errado. Devemos, acho, continuar a presumir a inocência do mercado até prova em contário; havendo prova, parte-se para a correção, mas há que provar primeiro.
Já no que se refere à aplicabilidade deste receituário ao país, me parece haver certa concordância sobre sua ineficácia hoje, dada a integração comercial e financeira do país, o desenvolvimento do mercado de capitais, etc.
Em que pese a sugestão do Ed sobre a possibilidade deste receituário ter sido efetivo há 10-20 anos, minha inclinação também é pelo ceticismo. Como bem lembrou "O" Anônimo, não havia qualquer necessidade de controle de ingresso de capital no Brasil entre 1981 e 1992, simplesmente porque não havia capital para ingressar. Daí a fraqueza do câmbio e contas correntes em média equilibradas ente 1984-1994.
Isto dito, se o país tivesse optado (não há 20, mas há 40-60 anos) por um regime de promoção de exportação ao invés de substituição de importações, acredito que teríamos uma trajetória bem diversa. Só que isto teria envolvido um regime de proteção muito menor que vivemos. Se vale o teorema de Lerner (eu acho que vale), o próprio regime de substituição de importações deve ter implicado um grau considerável de apreciação cambial. E nossos "desenvolvimentistas" não só acham que isto evitou a "doença holandesa" no Brasil como volta e meia vêm com mais protecionismo.
Paro por aqui. Pretendo voltar ao assunto em novo
post de forma mais estruturada. Parabéns a todos pela bela discussão.
Abs
Alex
P.S.
Incluo abaixo um link para o artigo do Maurício tratando de assuntos correlatos.
http://epge.fgv.br/portal/arquivo/2191.pdf
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EdExcelente esta discussão Alexandre! Entretanto eu não descartaria o argumento do Rodrik assim tão facilmente. Por exemplo, não estou convencido que a variável oculta no argumento do Rodrik é a taxa de poupança (como sugiro adiante). Me parece que o ponto central do argumento do Rodrik é o seguinte:
1. A industrialização é desejável para os países pobres pois ela produz externalidades positivas, principalmente quando se leva em conta que a produtividade do setor industrial é muito superior que a do setor agrícola.
2. Os países pobres não conseguem dar o start-up no processo de industrialização devido a falhas de mercado (assimetria de informação, moral-hazard, dentre outras) no mercado de capitais. Os empreendedores não conseguem financiar seus projetos de capital.
3. A solução mais apropriada (“first-best”) seria corrigir a(s) falha(s) de mercado no mercado de capitais. No entanto isto pode não ser possível no curto prazo por uma série de motivos. Neste caso uma solução “second-best” pode funcionar.
4. A solução “second-best” do Rodrik é adotar um política de câmbio fraco (além de muito cuidado no ritmo de abertura da conta de capital do balanço de pagamentos, ou seja, ele não descarta o uso de controle de capitais).
5. Com o câmbio fraco promove-se o setor exportador e protege-se a industria local das importações. O país é lançado no processo de industrialização e crescimento.
O argumento do Rodrik parece ser que uma taxa de câmbio fraca (e controle de capitais) causa um aumento na taxa de poupança interna (exatamente o oposto do seu argumento). Provavelmente isto se dá através dos lucros retidos das empresas exportadoras e lucros retidos das industrias locais protegidas da competição internacional devido ao câmbio. Este argumento me parece lógico e consistente com a experiência de países como o Japão, Tigres e China que usaram uma política de câmbio fraco para se desenvolverem. Coincidentemente todos estes países adotaram até onde eu sei algum mecanismo de controle de capitais. Seria fácil realizar um estudo empírico sobre esta hipótese dos lucros retidos, se é que já não foi feito. Estou curioso em escutar seus comentários sobre isto.
Não estou sugerindo de modo algum que o Brasil atual tenha condições de adotar uma política de câmbio fraco. Primeiro, já chegamos a um ponto de não retorno na abertura da conta de capital do balanço de pagamentos. Não dá mais para adotar controle de capitais nesta altura do campeonato. Segundo, e talvez mais importante, o mercado de capitais no Brasil é suficientemente desenvolvido e profundo, além de bem integrado com os mercados de capitais internacionais. Ou seja os empreendedores no Brasil tem amplas fontes de financiamento para seus projetos de capital, ao menos os de médio e grande porte. As reformas econômicas dos últimos 10 a 20 anos, embora incompletas, parecem ter colocado a economia brasileira em um novo patamar, onde é sensato se esperar um crescimento da ordem de 3% (em tempos de vacas magras) à 5% aa (em tempos de vacas gordas como agora) por um período prolongado de tempo.
No entanto os desenvolvimentistas como o Bresser e Nakano talvez tenham alguma razão: em algum momento nos últimos 10 a 20 anos poderíamos ter adotado uma política de câmbio fraco (e controle de capitais) que muito provavelmente nos teria trazido mais rapidamente ao ponto em que estamos hoje. Infelizmente o tempo não para e a janela de oportunidade já se fechou.
Um grande abraço,
Ed
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“O” AnônimoResposta ao "Ed" Anonimo...
Cambio fraco com controle de capitais nao levariam muito longe no caso do Brasil pois nossa estrutura de incentivos a poupanca nao eh condizente com o objetivo de aumentar a poupanca... Vide aposentadorias integrais, poupanca publica negativa ou insignificante etc
Outro ponto... Leia com atencao o Rodrik... Ele estah escrevendo sobre um fenomeno que jah aconteceu no Brasil, 30-40 anos atras... Os ganhos de mover a populacao da zona rural estagnada e feudal para o chao de fabrica moderno foram contabilizados no Brasil quase duas geracoes atras... Nosso desafio agora eh distinto e bem mais complexo.
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MAlex,
Gostaria de fazer um questionamento ao comentário do Ed. Como um país que quer se desenvolver poderia absorver tecnologia externa (por que está implícito que este país não tem pesquisa e desenvolvimento) com uma taxa de câmbio desvalorizada? O nosso modelo de substituição de importações acabou por conta da queda da produtividade de uma indústria protegida.
Abç.
M.
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EdAlexandre,
Será um prazer aprofundar a discussão ao longo dos próximos posts. Eu acho que o cerne da questão do ponto de vista estritamente econômico (mais adiante eu exploro a questão política) é a questão do controle de capitais. No meu entendimento existem duas situações distintas:
1. Com mobilidade de capitais: as autoridades monetárias neste caso tem que fazer uma escolha entre manter o controle sobre a política cambial ou sobre a política monetária. Não dá para ter as duas coisas ao mesmo tempo. A prática e a teoria tem demostrado que neste caso é melhor manter o controle sobre a política monetária e flutuar o câmbio, que é a situação do Brasil hoje, e não vice-versa, que foi o caso do Brasil pré flutuação em 1999. Em suma, assumindo mobilidade de capitais, a política monetária é instrumento muito mais poderoso do que a cambial.
2. Com controle de capitais: neste caso as autoridades monetárias podem manter controle simultâneo sobre a política cambial e monetária! Neste caso os desenvolvimentistas atingem o nirvana dos sonhos deles: pode-se ter câmbio fraco com taxas de juros baixas. O capital não tem para onde fugir!
O "catch" é que, óbviamente, tem que se ter cacife político para se implantar os tais controles e crença nos mecanismos que os tornem minimamente efetivos. Esta é uma questão de economia política de difícil avaliação. Na minha modesta opinião no Brasil de hoje não existem condições políticas para se implantar tais controles de capital. Estes controles nem são desejáveis dada a situação sólida da economia brasileira atual (com crescimento moderado, balanço de pagamentos saudável, inflação baixa, dívida pública/PIB em queda etc...). No entanto os desenvolvimentistas talvez tenham razão em argumentar que houve chance de implantar controle de capitais em algum momento dos últimos 10 a 20 anos, o que teria nos permitido ter câmbio fraco e juros baixos.
Grande abraço,
Eduardo (que assinava como Ed anteriormente)
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PedroAlguns comentários sobre o argumento do Ed.
1) A idéia de que industrialização é desejável é extremamente controversa. A teoria de comércio internacional apresenta alguns motivos para evitar a especialização em poucos produtos. Obviamente, o problema é o risco envolvido em qualquer especialização. Mas daí a defender industrialização, vai uma distância. Quais são as externalidades positivas da industrialização? Será que são de fato específicas ao segundo setor? Como medi-las e como comparar com os custos envolvidos? A suposta maior produtividade do setor industrial compensa produzir menos do bem no qual um país tem vantagem comparativa? Se compensa, através de que canal, e em que prazo? É muito difícil responder essas coisas, e não conheço nenhum trabalho com evidência sólida pró-industrialização. É engraçado ver o Delfim elogiando países que se industrializaram sem mencionar os custos envolvidos no projeto. É como dizer que uma ação valeu a pena porque seu resultado é uma nota de cem reais no bolso (talvez a ação tenha sido “rasgar duas notas de cem...”).
2) Ainda que industrialização seja vantajosa pontualmente, utilizar o câmbio como ferramenta para atingi-la gera diversos efeitos colaterais:
(i) O governo vai escolher o câmbio para auxiliar que setores? Até onde deve ir a depreciação e a industrialização? Como o governo vai saber isso, a assimetria informacional do burocrata não é mais grave do que a do banqueiro?
(ii) incentivo a rent-seeking por parte de setores exportadores, com prejuízo do investimento produtivo e da precisão da política cambial (mesmo supondo que a política cambial ótima seja pró-indústria);
(iii) transferência de renda da sociedade como um todo para alguns setores e diminuição do poder de compra da população como um todo;
(iv) pouco incentivo a ganhos de produtividade em todos os setores produtores de tradeables, mesmo os que não são relevantes para as exportações nacionais;
(v) dificuldade de mexer no câmbio real sem mexer em outras variáveis reais;
(vi) necessidade de controle de capitais, o que pode afetar o investimento externo no país; e por aí vai...
Mesmo que industrialização seja um objetivo válido, provavelmente a melhor maneira de incentivá-la (não conheço estudos) é através de aumento da poupança interna (reforma da previdência, superávit primário), da melhoria do sistema financeiro (com boa regulação e abertura a instituições de outros países) e investimento em educação e tecnologia – a partir daí, a alocação ótima de investimento na indústria é dada pelo sistema de preços, e não pela diretoria do BC. Dificilmente o câmbio é o “second-best”.
3) O ponto do Ed é conhecido na literatura como “argumento da indústria nascente”, umas das poucas hipóteses teóricas em que á válido ter algum protecionismo. Do pouco que conheço, porém, não há nenhuma evidência de que o benefício da proteção supere os muitos custos envolvidos. Talvez surja tal evidência quando alguém conseguir definir e medir cuidadosamente as “externalidades positivas da indústria”. E, ainda assim, dificilmente depreciar o câmbio seria a melhor maneira de fazer essa proteção. Alguém conhece trabalhos empíricos que tentem avaliar essas coisas?
Abs a todos.
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EdResposta ao pedro:
As suas objeções são legítimas e bem conhecidas da literatura sobre desenvolvimento econômico. E no entanto a experiência de países como Japão, Tigres e China mais recentemente mostrou que é perfeitamente possível obter taxas de crescimento altas por longos períodos com uma combinação de controle de capitais/câmbio fraco/juros baixo/promoção de exportações. De uma maneira ou de outra estes países parecem ter encontrado maneiras de contornar as objeções que vc cita.
Sds,
Eduardo
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“O” Anônimo"No entanto os desenvolvimentistas talvez tenham razão em argumentar que houve chance de implantar controle de capitais em algum momento dos últimos 10 a 20 anos, o que teria nos permitido ter câmbio fraco e juros baixos."
Meu forte nao eh historia economica, mas essa estrategia jah foi tentada e foi um desastre... Vide os anos 80:
- nao tivemos grandes fluxos de capitais;
- controles tanto de capitais quanto tambem sobre transacoes correntes (tarifas proibitivas, cotas etc);
- os desenvolvimentistas no comando da politica industrial;
- nossa moeda relativamente depreciada, pelo menos de 1983 ateh o comeco de 1989...
Nao consta que tenha havido grandes avancos (ou avanco algum?) na "industrializacao" ou crescimento economico durante esse periodo.
Decada perdida...
Sim, mas tambem perdida na memoria do debate nacional...
"O" Anonimo
EdPara "O" Anonimo:
Vc tem razão, estas políticas de controle de capitais/cambio fraco/juros baixos parecem funcionar melhor quando combinadas com um regime de promoção de exportações (junto com uma relativa abertura comercial) e não de substituição de importações. Quando se contrasta a experiência do Brasil com Japão, Tigres e China esta parece ser a grande diferença.
Abs,
Eduardo